Resumo: Dissecando as decisões do Supremo Tribunal Federal na análise dos pareceres jurídicos e a possibilidade de responsabilização do advogado público, destaca em cada um dos mandados de segurança julgados a visão dos Ministros relatores, bem como a importância da classificação dos pareceres para se fazer possível pugnar pela punição do parecerista.
Palavras-chave: Parecer jurídico. Mero ato opinativo. Simples objeto de consulta. Parecer vinculante. Responsabilização do advogado público.
1. Introdução
O presente artigo compila em ordem cronológica as três mais importantes decisões do nosso Supremo Tribunal sobre os pareceres jurídicos, ressaltando em cada uma das decisões o ponto de destaque e a visão diferenciada do Ministro relator do acórdão.
Desta forma, encarta a classificação do parecer jurídico em cada situação e reproduz, na visão dos Ministros, o desdobramento da responsabilização do advogado público de acordo com esta classificação. Perceptível se faz com isto, que a depender do tipo de parecer, teremos uma modificação na análise da responsabilidade, vezes sendo plenamente possível a punição do parecerista (no parecer vinculante), outras não existindo essa possibilidade.
2. Análise do mandado de segurança 24.073-3
Já na análise dos casos concretos esposados pelo STF, temos como primeira decisão o mandado de segurança número 24.073-3 contendo um caso em que um advogado público parecerista, vinculado a uma empresa estatal, exara um parecer sugerindo a contratação direta, portanto, sem licitação.
Nesta feita, o Tribunal de Contas pugnou em juízo pela responsabilização solidária do advogado público junto ao administrador que emanou o ato da dispensa, argumentando em desfavor daquele, uma vez que o parecer deveria ter sugerido pela obrigatoriedade da licitação.
Uma narrativa sucinta e clara do caso é exposta por meio da ementa do mandado de segurança (BRASIL, 2002):
Constitucional. Administrativo. Tribunal de Contas. Tomada de contas. Advogado. Procurador. Parecer. C.F., art. 70, parág. único, art. 71, II, art. 133. Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX.
I – Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros Ed., 13a. ed., p. 377.
II – O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32.
III – Mandado de Segurança deferido.
Como visto na conclusão da ementa, o mandado de segurança foi favorável ao advogado público, haja vista ter entendido o Ministro Carlos Velloso pela impossibilidade de responsabilização do parecerista, baseando sua ideia na falta de caracterização de parecer como ato administrativo. Assim, como no seu entender, o parecer não configura como ato administrativo, também não possui seus atributos, entre eles os mais importantes e pertinentes a temática aqui debatida, que são a imperatividade e a exigibilidade.
A visão sugerida pelo Ministro em sua decisão parte de um ponto muito interessante, justamente por excluir o parecer da classificação dos atos administrativos. Essa visão é repartida por outros doutrinadores, mas também repudiada por ilustres doutrinadores, como Hely Lopes Meirelles, quando este diz que o parecer, como ato enunciativo, só é ato administrativo em sentido formal, justamente por deixar de possuir carga decisória, já que materialmente não contém uma manifestação de vontade da Administração Pública, e por isso mesmo, não causa repercussão fática, nem efeitos jurídicos.( MEIRELLES, 2005)
Pelo raciocínio exposto, fica claro perceber que a inserção do parecer como ato enunciativo e a conseqüente retirada deste da classificação do ato administrativo propriamente dito, ocorre justamente pela total ausência de um querer da Administração Pública em seu conteúdo. Alguns doutrinadores ainda preferem designá-los como meros atos administrativos, como faz a brilhante Maria Sylvia, mais uma vez ressaltando essa falta de conteúdo decisório, e a desconfiguração, portanto, dos atributos contidos nos atos administrativos propriamente ditos. (2002, P. 217)
Assim, acertada e coerente se fez a posição do Ministro Carlos Velloso, ao enxergar que nesta situação debatida o parecer emitido não possuía carga decisória alguma, devendo, portanto, a Administração Pública ser responsabilizada integralmente pela decisão emitida, e não o advogado público, mero coadjuvante no processo administrativo.
Ocorre que, o Supremo Tribunal Federal, em outras decisões, visualizou a possibilidade de responsabilização dos advogados públicos em sede de processos administrativos, e isso será analisado mais a frente, assim como todo o processo de argumentação que embasou as decisões dissentes.
3. Análise do mandado de segurança 24.584-1
O mandado de segurança número 24.584-1, por sua vez, teve como escopo a responsabilização dos advogados públicos que emitiram pareceres técnico-jurídicos no que dizia respeito à aprovação e ratificação de termos de convênio e aditivos, tendo mais uma vez o Tribunal de Contas da União, levado ao Supremo Tribunal Federal, o debate acerca da possibilidade dessa punição.
O Tribunal de Contas da União requereu, em sede de mandado, que fosse feita a audiência de procuradores federais, para apresentarem, como responsáveis, as respectivas razões de justificativa sobre ocorrências apuradas na fiscalização de convênio firmado pelo INSS.
O Ministro Marco Aurélio, ao contrário do que havia acontecido no mandado de segurança supracitado, afirmou que havia sim possibilidade de responsabilização do advogado público, uma vez que em casos de aprovação ou ratificação de termo de convênio e aditivos, a teor do que dispõe o art. 38 da Lei 8.666/93, e diferentemente do que ocorre com a emissão de simples parecer opinativo, o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente.
Justificou seu voto com os seguintes esclarecimentos (BRASIL, 2007):
Na oportunidade do julgamento do mandado de segurança número 24073-3, somei meu voto ao do relator, porquanto envolvido na espécie simples parecer, ou seja, ato opinativo que poderia ser, ou não, considerado pelo administrador. A espécie é diversa.”
Neste caso, então em pauta, os procuradores públicos não teriam emitido propriamente um parecer, mas “aprovado ou ratificado termo de convênio e aditivos”. E reitera: “não se tem o envolvimento de simples peça opinativa, mas sim de aprovação pelo setor técnico da autarquia de convênio e aditivos, bem como ratificações. A situação é assim configurada.
Frise-se, por oportuno, que na maioria das vezes não tem aquele que se encontra na ponta da atividade relativa à Administração Pública condições para sopesar o conteúdo técnico-jurídico da peça a ser subscrita, razão pela qual lança mão do setor competente. A partir do momento em que ocorre, pelos integrantes deste, não a emissão de um parecer, mas a aposição de visto, implicando a aprovação do teor do convênio ou do aditivo, ou a ratificação procedida, tem-se, nos limites técnicos a assunção de responsabilidade.
O que podemos concluir, analisando as palavras do ilustre Ministro, é que este retira do parecer o caráter de peça meramente opinativa e, acrescenta-lhe um poder decisório, ressaltando ainda o desvirtuamento da caracterização da peça. Diz assim, que não houve emissão de parecer, e sim, de aposição de visto, justamente pelo caráter decisório levado a cabo pelo pronunciamento do advogado público.
Alguns doutrinadores afirmam o contrário, dizendo que em sede de licitação, o parecer jurídico é um requisito de validade e vincula os advogados públicos. Esse pensamento também é desposado pelo autor (GUIMARÃES, 2007, apud, BLIAHERIS, 2007, online) que afirma:
A obrigatoriedade da manifestação prévia da assessoria jurídica faz nascer para a Comissão de Licitação uma vinculação no que tange à observância do conteúdo jurídico exarado, pois do contrário não haveria sentido lógico em se apontar ilegalidades e dita autoridade manter o prosseguimento normal do certame ignorando os vícios detectados.
A vinculação ocorre não com relação às idéias expostas no instrumento do parecer em si, mas, sobretudo com relação à existência dessa peça no procedimento licitatório, uma vez que, não aceitando o que foi emitido no parecer, a administrador público não se faz obrigado a segui-lo, muito pelo contrário.
É certo, que o nobre Ministro, ao seguir o proposto pelo Tribunal de Contas da União, e decidir pela possibilidade da responsabilização dos advogados públicos, quis proteger a Administração Pública dos casos em que estes profissionais agem com dolo, fraudando o parecer para que este seja favorável a interesses escusos, indo de encontro à própria atividade da advocacia pública, que é defender o interesse público, mas isso não pode ser feito de forma a atingir aqueles que exercem sua profissão de forma coerente.
Pugnar pela responsabilização do advogado público é retirar-lhe toda a autonomia, sua independência funcional, engessando a atividade e temorizando os profissionais que a qualquer momento podem emitir pareceres contrários ao interesse de algum órgão, mas sem necessariamente, ter agido com o dolo de macular a máquina pública.
4. Análise do mandado de segurança 24.631-6
Por fim, trazemos a baila o último mandado de segurança julgado pelo Supremo Tribunal Federal e que trata do assunto aqui discutido, justamente por implementar mais elementos a crítica e possuir um posicionamento diferenciado.
O julgamento do Mandado de Segurança número 24.631-6 trouxe à baila novas idéias a cerca da discussão sobre a responsabilização dos advogados públicos, uma vez que o ministro Joaquim Barbosa inseriu de forma inédita a classificação dos pareceres jurídicos baseado na natureza da consulta e esculpida nos moldes no artigo 42 da Lei 9.784/99.
Destacamos parte da ementa do mandado de segurança veiculado no Informativo número 475 do STF (BRASIL, 2007):
Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir.
O desdobramento do mandado de segurança se deu mais uma vez por provocação do Tribunal de Contas da União que pugnava pela responsabilização de um advogado público, procurador de uma autarquia, alegando esse ter o procurador permitido por meio de parecer vinculante a celebração de um acordo dito irregular. O mandado de segurança não vingou, uma vez que foi comprovado que o advogado público nem chegou a ter conhecimento do acordo firmado, retirando qualquer possibilidade de responsabilização.
O que pretendeu o Ministro Joaquim Barbosa ao expor essa classificação foi chamar atenção aos pareceres tidos como vinculantes, pois para este quando há a emissão deste tipo de parecer, o poder administrativo decisório entra em ação, não mais sendo o parecer uma mera peça opinativa. Confundem-se, portanto, o querer/pensar do advogado público, com a própria decisão saneadora da questão, desvirtuando por completo a figura do parecer.
Essencial se faz, trazermos a este trabalho também a classificação encontrada no artigo 42 da Lei 9.784 de 1999 (BRASIL, 1999) que delimita os conceitos de parecer obrigatório e vinculante:
Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo.
§ 1º Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.
§ 2º Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
Comungando dessa diferenciação entre parecer vinculante e a própria decisão do administrador possuímos (FERRAZ, 2011; ABREU, 2011 apud DALLARI, 2011; MOTTA 2011, online), que ensinam:
Parecer jurídico, portanto, é uma opinião técnica dada em resposta a uma consulta, que vale pela qualidade de seu conteúdo, pela sua fundamentação, pelo seu poder de convencimento e pela respeitabilidade científica de seu signatário, mas que jamais deixa de ser uma opinião. Quem opina, sugere, aponta caminhos, indica uma solução, até induz uma decisão, mas não decide.[...] O que pode ocorrer é a existência de despacho normativo da autoridade superior fixando um determinado entendimento oficial para um assunto específico, vinculando o comportamento administrativo nos casos supervenientes; não é o parecer que é vinculante, mas o despacho (decisão) que o tornou de observância obrigatória. Quando houver despacho normativo sobre determinado assunto o ‘parecer’ dado em caso superveniente deve apenas mencionar tal situação ou, ao contrário, destacar particularidades que justifiquem para aquele específico e determinado caso.
5. Conclusão
Após feita esta análise minuciosa das decisões e seus elementos mais importantes, indispensável concluir pela possibilidade sim de responsabilização do advogado público principalmente com relação ao parecer vinculante, mas não abrindo mão da carga dolosa da decisão, ou seja, só havendo possibilidade de punição do parecerista se este agiu de má-fé e propôs uma situação ilegal em seu parecer.
Fácil foi perceber que se faz incontroverso a impossibilidade de se responsabilizar o parecerista face ao instrumento de consulta, tendo sido este expresso conforme o ordenamento legal. Podem acontecer casos em que o ato final realmente aconteça com irregularidades ou fraude, mas isso não mais será atribuído ao advogado, mas tão só ao administrador.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Kamayura Ribeiro Freire de. A responsabilização do advogado público na emissão de pareceres jurídicos: visão do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39864/a-responsabilizacao-do-advogado-publico-na-emissao-de-pareceres-juridicos-visao-do-stf. Acesso em: 22 nov 2024.
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