INTRODUÇÃO
A aplicação da sanção prevista no art. 7º da Lei nº 10.520/2002, que instituiu o Pregão como modalidade de licitação, impede a participação do licitante em certames licitatórios e a celebração de contratos com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 anos.
O presente artigo busca abordar a abrangência da sanção de impedimento prevista na Lei do Pregão; se compreende todos os órgãos e entidades da respectiva federação ou se está limitada ao órgão ou entidade que a aplicou. Traz também a posição adotada pelo Tribunal de Contas da União.
A EXTENSÃO DA SANÇÃO APLICADA COM FUNDAMENTO NO ART. 7º DA LEI Nº 10.520/2002
A Lei nº 8.666/93 determina que a inexecução de deveres legais ou contratuais acarreta a imposição de sanção, que pode consistir em advertência, multa, suspensão do direito de licitar e declaração de inidoneidade. Confira-se:
“Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.”
No âmbito do pregão, o art. 7º da Lei nº 10.520/2002 estabeleceu sanção própria, consistente numa idoneidade específica, diversa daquelas previstas na Lei nº 8.666:
“Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade de sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no SICAF, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais”
Veja-se que a sanção disposta no art. 7º da Lei nº 10.520/2002 não se confunde com aquelas previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei nº 8.666/93, pois se trata de penalidades distintas.
“O elenco de irregularidades contemplado no art. 7º refere-se a condutas praticadas não apenas por ocasião da contratação, mas também no curso da licitação e, mesmo durante a execução do contrato”[1], ensejando a aplicação de várias sanções administrativas, dentre as quais se encontra o impedimento de licitar e contratar com a Administração por prazo de até cinco anos.
“Há de ressaltar também que o legislador ordinário optou por adotar sanção própria mais rigorosa aos participantes de certames realizados mediante a modalidade pregão. Essa escolha deveu-se à necessidade de coibir condutas que viessem a embaraçar o andamento dos trabalhos, haja vista o fim buscado pelo legislador de agilizar as contratações governamentais, para fazer frente a processo, até então, moroso, burocrático e muitas vezes ineficiente, consoante consignado na exposição de motivos da medida provisória que deu origem à lei.”[2]
Como se observa, no modelo pregão, o tema sanção apresenta contornos jurídicos distintos, justamente em face das características dessa modalidade, cujo procedimento, por proporcionar a dinamização da seleção dos concorrentes, exige dos interessados a ampliação do dever de cuidado. Da mesma forma, a abrangência da sanção prevista no art. 7º da Lei nº 10.520/2002 também possui configuração diversa daquela que se observa na Lei nº 8.666/93.
Muito se discute na doutrina e na jurisprudência acerca da abrangência da sanção prevista na lei do pregão, se estaria restrita ao órgão ou entidade que aplicou a sanção ou se compreenderia todos os órgãos e entidades da respectiva federação.
Sobre a posição mais restrita, argumenta-se que o pregão é um procedimento licitatório mais simplificado e por isso deveria o art. 7º da Lei nº 10.520/2002 ser interpretado de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que o âmbito de abrangência do impedimento de contratar seria o mesmo do art. 87, III, da Lei nº 8.666/93. Ou seja, o impedimento de contratar se restringiria ao órgão ou entidade que aplicou a sanção e não com toda Administração Pública federal, estadual ou municipal.
Esse posicionamento, entretanto, foi rechaçado pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 653/2008 - Plenário, que de forma elucidativa esclareceu a questão, indicando que a única interpretação cabível para o referido dispositivo é a de que a sanção deve abranger todos os órgãos e entidades da respectiva federação. Confira-se o seguinte trecho do voto do Ministro Benjamin Zymler:
“Aduz o representante que a Lei 8.666/93 prevê a aplicação de sanção consistente no impedimento de contratar somente com o órgão ou entidade que esteja atuando em concreto no caso questionado (art. 87, inciso III). Assim, considerando que o pregão é um procedimento licitatório mais simplificado, deveria ser o referido artigo da lei dos pregões interpretado de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que o âmbito de abrangência do impedimento de contratar seria o mesmo do art. 87, III, do estatuto de licitações. Ou seja, o representante somente estaria proibido de contratar com o Ministério Público Federal e não, tal qual constante da sanção aplicada, com toda a Administração Pública Federal.
A respeito, observo que a Lei 8.666/93 trata de diversas modalidades de licitações, sendo que algumas podem ser consideradas mais complexas que as do pregão e outras não. Em relação a todas essas modalidades, o legislador previu diversas espécies de sanções, sendo a do inciso IV do art. 87 da Lei 8.666/93 (declaração de inidoneidade) de gravame compatível com aquela da lei do pregão.
Não há contudo um prévio estabelecimento de nexo entre sanções de menor gravidade com modalidades de licitações menos complexas. É possível, por exemplo, dependendo do caso concreto, que um contratado mediante licitação na modalidade convite seja declarado inidôneo para contratar com a Administração Publica. Ou seja, da comparação entre as duas leis em questão não é permitido o entendimento de que, pelo fato de ser o pregão um procedimento mais simplificado, o art. 7o da Lei 10.520/02 abrangeria somente o órgão aplicador da sanção.
É certo, poderá haver situações que, à luz da Lei 8.666/93, mereceriam, por exemplo, somente uma advertência, enquanto pela lei do pregão a penalidade prevista seria o impedimento de licitar ou contratar com a Administração.
A solução para tal questão nos é dada por Joel de Menezes Niebuhr (in Pregão Presencial e Eletrônico, Curitiba : Zenite, 2004, p. 200):
‘... para harmonizar o princípio da legalidade e o da proporcionalidade os agentes administrativos devem interpretar o art. 7o da Lei 10.520/02 de maneira ponderada, evitando que ele seja utilizado com excessos, para situações que não merecem tamanha reprimenda.
Quer-se dizer que os agentes administrativos, conquanto devem obediência ao prescrito no art. 7o da Lei 10.520/02, devem também interpretá-lo de modo consoante aos demais princípios jurídicos informadores da matéria, entre os quais merece destaque o da proporcionalidade. Logo, a referida penalidade, por ser extremamente gravosa, deve ser aplicada somente nos casos em que se percebe ou há indícios de que o licitante faltoso tenha agido de má-fé tentando ardilosamente participar de licitação do qual, de antemão, sabia que não cumpriria os resultados da licitação.’
Ou seja, deve a Administração avaliar a reprovabilidade da conduta impugnada e aplicar a sanção de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Por outro lado, a lei do pregão utilizou expressamente o termo "União" não havendo justificativas exegéticas para se considerar esse termo como "órgão ou entidade atuante no caso concreto", sob pena de se subverter o claro comando da lei. Veja-se a respeito as lições de Carlos Maximiliano:
‘A prescrição obrigatória acha-se contida na fórmula concreta. Se a letra da lei não é contraditada por nenhum elemento exterior, não há motivo para hesitação: deve ser observada. A linguagem tem por objetivo despertar em terceiros pensamento semelhante ao daquele que fala; presume-se que o legislador se esmerou em escolher expressões claras e precisas, com a preocupação meditada e firme de ser bem compreendido e fielmente obedecido. Por isso, em não havendo elementos de convicção em sentido diverso, atém-se o intérprete à letra do texto.’ (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 15ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995. p. 110-111).
Portanto, o entendimento que acertadamente prevalece é de que a validade e eficácia da sanção prevista no art. 7º da Lei nº 10520/2002 não se restringe somente à esfera da entidade que promoveu a licitação e sofreu os efeitos da conduta lesiva do licitante, mas abrange todos os órgãos e entidades da respectiva Administração Pública federal, estadual, do DF ou municipal.
O texto da lei – “ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios” – não deixa dúvida de que a sanção incide sobre ente federativo a que pertence o aplicador da sanção, ou seja, sobre todos os órgãos e entidades da respectiva esfera.
No mesmo sentido, o seguinte julgado do TCU:
“REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO, NA MODALIDADE PREGÃO, PROMOVIDA PELA VALEC S/A, PARA AQUISIÇÃO DE TRILHOS. IRREGULARIDADES GRAVÍSSIMAS. NULIDADES. CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR PARA PARALISAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS. OITIVA DE TODOS OS PARTICIPANTES DO PROCESSO. REVOGAÇÃO DO PREGÃO PELA VALEC, POSTERIORMENTE À DEMONSTRAÇÃO PELO TCU DAS NULIDADES. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO COM UMA ÚNICA POSSIBILIDADE DE FORNECEDOR, DADA A MAGNITUDE DO OBJETO. INEQUÍVOCO DIRECIONAMENTO DA LICITAÇÃO. PRÁTICA DE ATOS DE ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SIMULAÇÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXTENSÃO DA SANÇÃO APLICADA, COM FUNDAMENTO NO ART. 7º, DA LEI DO PREGÃO, PARA EMPRESA VINCULADA. CONHECIMENTO. PROCEDÊNICA PARCIAL DA REPRESENTAÇÃO POR MÚLTIPLOS FUNDAMENTOS. DETERMINAÇÕES. CIÊNCIA.
(...)
- A aplicação da sanção prevista no art. 7º, da Lei nº 10.520/2002 – que institui o pregão como modalidade de licitação, para aquisição de bens e serviços comuns – impede a participação do licitante em procedimentos licitatórios e a celebração de contratos com todas as entidades dos respectivos ente estatal, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, implicando seu descredenciamento dos sistemas de cadastramento de fornecedores, pelo prazo de até cinco anos, com extensão a toda a esfera do órgão ou entidade que a aplicou.
- A sanção prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 deixa explícita a vontade do legislador, no sentido de efetivamente punir as empresas que cometam ilícitos administrativos, não somente na restritíssima esfera da entidade que promoveu a licitação e sofreu os efeitos da conduta lesiva da licitante, mas de alijá-la de todas as licitações promovidas nas respectivas esferas federal, estadual, do DF e municipal, por até 5 anos, sem prejuízo das multas e das demais cominações legais, constituindo sanção gravíssima que materializa a jurisprudência do STJ em relação a similar dispositivo da Lei 8.666, cuja interpretação, no TCU, mereceu do Plenário visão bem mais restritiva.” (TCU: Acórdão 2593/2013 - Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, DOU 25/09/2013).
Esse posicionamento foi corroborado pela Instrução Normativa SLTI/MP nº 2/2010, que estabelece normas para o funcionamento do Sicaf no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais:
“Art. 40. São sanções passíveis de registro no SICAF, além de outras que a lei possa prever:
(...)
V – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme o art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002.
(...)
§ 3º A aplicação da sanção prevista no inciso V deste artigo impossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos no âmbito interno do ente federativo que aplicar a sanção:
I – da União, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade da União;
II – do Estado ou do Distrito Federal, caso a sanção seja aplicada por órgão ou etnidade do Estado ou do Distrito Federal; ou
III – do Município, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade do Município.”
Desse modo, a extensão da aplicação da penalidade prevista no art. 7º da Lei nº 10.520/2002 deve ser aquela ali prevista, devendo incidir sobre todos os órgãos e entidades do ente federativo a que pertence o aplicador da sanção, não cabendo restrição ou aumento de sua abrangência onde a lei não permite.
CONCLUSÃO
Diante da análise aqui realizada, pode-se concluir que a sanção prevista no art. 7º, da Lei nº 10.520/2002 deixa explícita a vontade do legislador, no sentido de punir aqueles que cometam ilícito administrativo não somente na esfera da entidade que promoveu a licitação, mas de afastá-los de todas as licitações promovidas na respectiva esfera federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, por até cinco anos, sempre prejuízos das multas e das demais cominações legais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em <http//:www.planalto.gov.br>. Acesso em 28.05.2014.
______. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns e dá outras providências. Disponível em <http//:www.planalto.gov.br>. Acesso em 28.05.2014.
______. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 653/2008 – Plenário. Data: 16.04.2008. Disponível em <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 10.06.2014.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: São Paulo, 2009.
____________________. Pregão (Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico). 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2009.
Notas:
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão (Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico). 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 237.
[2] BRASIL. Tribunal de Contas da União: Acórdão 2593/2013 - Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, DOU 25/09/2013. Disponível em http://www.tcu.gov.br. Acesso em 20/05/2014.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Flavia de Andrade Soares. A extensão da sanção aplicada com fundamento no art. 7º, da Lei nº 10.520/2002 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39876/a-extensao-da-sancao-aplicada-com-fundamento-no-art-7o-da-lei-no-10-520-2002. Acesso em: 22 nov 2024.
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