RESUMO: Traça as características básicas da teoria da perda de uma chance em âmbito internacional, para logo depois inserir a teoria no direito brasileiro e ressaltar suas peculiaridades.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Teoria da perda de uma chance.
Introdução
O tema da responsabilidade civil pela perda de uma chance vem sendo gradualmente tratado pelos doutrinadores e vem ganhando aplicabilidade pelos tribunais brasileiros. O termo responsabilidade tem sua origem no verbo latino respondere, que significa a obrigação que o indivíduo possui de assumir as consequências jurídicas de seu comportamento, contendo, ainda, a raiz latina de spondeo, expressão através da qual se atrelava, no Direito Romano, o devedor nos contratos pactuados verbalmente (OLIVEIRA, 2010). No Brasil, a adoção da responsabilidade civil abalizada na perda de uma chance é relativamente nova. Seu estudo e aplicação ficam a cargo da doutrina e da jurisprudência, uma vez que nem o Código Civil de 2002 nem a Consolidação das Leis Trabalhistas faz menção ao tema.
Tendo em vista a evolução do estudo da responsabilidade civil, rejeitar o cabimento da indenização pela oportunidade perdida seria um atraso absurdo, porquanto que a responsabilidade civil hoje opera com amparo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da justiça distributiva, repousados na Constituição Federal de 1988, fundada em um paradigma solidarista (ROCHA, 2010). Por isso, negar a possibilidade de indenização pela responsabilidade decorrente da perda de uma oportunidade, permitindo que a vítima do ato danoso sofra sozinha as consequências de uma conduta realizada por outrem, independentemente de culpa, seria contradizer a concepção solidarista da responsabilidade civil estabelecida da CF de 1988.
A Perda de uma Chance no Direito Comparado
A responsabilização civil decorrente da perda de uma chance tem o seu nascimento na doutrina francesa após intensas atividades doutrinárias e jurisprudenciais que culminaram “no desenvolvimento de uma teoria específica [...] que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida”[1] (SANTOS, 2007). Observa-se ainda que, historicamente, na França do final do século passado, os casos mais frequentes de responsabilização pela perda de uma chance se enquadravam na seara trabalhista, situação que será tratada em capítulo posterior.
Entretanto, a repercussão do instituto não se restringiu unicamente aos franceses, pois, compreendeu episódios jurídicos frequentes na sociedade italiana, principalmente através de análises extenuantes dos doutrinadores italianos Adriano De Cupis e Maurício Bocchiola (SANTOS, 2007).
Por outro lado, houve doutrinadores como Pacchioni que apresentaram resistência à aceitação da aplicação do instituto, pois, para este doutrinador italiano, “uma simples chance que, no seu entender, seria uma possibilidade aleatória e não um valor efetivo, certo e presente [...] tem sim valor social notável, mas não um valor de mercado.” (PACCHIONI apud SAVI, 2006, p.8)
Percebe-se que a desarmonia dos doutrinadores tratados em relação ao tema reside, principalmente, na suposta ausência da certeza do dano e seu valor patrimonial. Prioritariamente, parece assistir razão à doutrina contra o instituto, afinal, a leitura superficial do vocábulo em análise implica numa interpretação equivocada do seu alcance, qual seja: considerá-la como a perda do próprio objetivo pretendido. Nesse sentido seria inconcebível reparar um dano fictício visto que “aquilo que não aconteceu não pode nunca ser objeto de certeza absoluta” (BOCCHIOLA apud SAVI, 2006, p.1).
Chegando a este ponto, é interessante trazer à baila um dos exemplos mais apregoados nos estudos sobre a responsabilidade civil pela perda da chance, qual seja, a hipótese em que um jóquei, compromissado a montar um cavalo de corrida que lhe foi entregue diretamente pelo proprietário não consegue chegar a tempo de participar do Grande Prêmio, contudo por culpa exclusivamente sua (SAVI, 2006). Da situação, faz-se imperativo perquirir se a possibilidade de atingir o fim almejado, no caso a vitória na corrida, foi suprimida. A ausência do cavalo no horário estabelecido originou o impedimento do gozo da oportunidade de disputar a corrida, estorvando a oportunidade de os apostadores se favorecerem, por ventura, de um saldo positivo em suas apostas. Ora, é claro que não se pode garantir que o animal ausente com certeza ganharia a disputa; da mesma forma que não se pode assegurar que não havia chance de que o mesmo vencesse. E é justamente esta expectativa esvaecida por circunstâncias alheias à vontade dos apostadores que lhes garantem o pleito indenizatório.
A Perda de uma Chance no Direito Civil Brasileiro
A perda de uma chance é instituto relativamente novo no Direito brasileiro tanto para o Direito Civil quanto categoricamente para o Direito do Trabalho. Tendo em vista a omissão do Código Civil de 2002 quanto ao instituto, fica a cargo da doutrina e da jurisprudência seu estudo e sua aplicação, respectivamente. Difere dos institutos do dano emergente e dos lucros cessantes, já que estes preveem certo grau de certeza; o primeiro quanto ao dano certo causado, sendo possível aferi-lo, e o segundo quanto ao dano no que cercear a ocorrência de resultado certo e determinado.
Originária do Direito Francês, como foi estudado acima, a perda de uma oportunidade, para parte da doutrina, pode ser vista como uma terceira via entre o dano certo e o dano hipotético, tendo seus próprios efeitos e resultados. No Direito Francês, aplica-se ordinariamente a teoria da perda de uma chance em situações nas quais alguém possuía uma chance efetiva de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, mas teve a chance frustrada, pois a oportunidade esvaiu-se em razão de um dano provocado por terceiro.
Sobre o assunto, assevera Sérgio Savi (2006):
durante muito tempo o dano decorrente da perda desta oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo foi ignorado pelo Direito. Como não era possível afirmar com certeza que sem o ato do ofensor a vantagem seria obtida, ignorava-se a existência de um dano diverso da perda da vantagem esperada, qual seja, o dano da perda da oportunidade de obter aquela vantagem.
Seguindo os ensinamentos dos doutrinadores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, o dano indenizável é composto pelos elementos de certeza e atualidade; ou seja, dano presente, de existência certa e determinada. Já no que difere a perda de uma chance do lucro cessante é que neste haverá uma “condenação atual com base em um prejuízo futuro, alicerçado em uma probabilidade objetiva do que a pessoa lucraria”(FARIAS; ROSENVALD, 2007). Por outro lado, os danos eventuais ou hipotéticos não serão indenizáveis, pois são lastreados em meras “conjunturas ou fantasias” de quem se avalia lesado.
A perda de uma chance ainda se diferencia do lucro cessante, no ponto em que neste há uma probabilidade objetiva de que o resultado em expectativa certamente aconteceria, se não houvesse o dano. Em sentido distinto, na perda de uma oportunidade, esta expectativa é aleatória, pois havia um grau de probabilidade de obtenção da vantagem (que seria, por ventura, o dano final), sendo impossível afirmar que o resultado com certeza aconteceria se o fato antijurídico não se concretizasse. Resumindo, não há a certeza do prejuízo ou do benefício, mas há, inquestionavelmente, a certeza da perda da ocasião, da oportunidade dissipada.
Por isto, a indenização não deverá ser calculada sobre o valor do benefício esperado, como acontece nos lucros cessantes, mas com base na perda da chance em si, segundo percentuais maiores ou menores de probabilidade, de acordo com as regras de estatísticas que alcancem o dano, independente do valor que o lesado teria, se o fato se consolidasse. O montante indenizável não corresponde à vantagem esperada em si, mas à expectativa perdida. Em outros termos, o montante indenizável será percentualmente proporcional à probabilidade da ocorrência da vantagem - ou do prejuízo.
Como citado anteriormente, é possível considerar também a perda de uma chance de ter evitado um prejuízo que efetivamente se verificou. Trata-se de situação um tanto quanto ordinária na área da saúde, quando é perdida a oportunidade de se interromper um processo patológico em andamento, por um erro de diagnóstico ou de tratamento, que poderia produzir a obtenção da cura de um paciente, ou pelo menos uma sobrevida. A indenização pela responsabilização do caso concreto dependerá da apuração do nexo causal entre o dano e o ato ilícito do médico, que são requisitos da responsabilidade civil – será analisado adiante. Ou seja: deverá ser investigado se a morte foi uma evolução natural da patologia ou das complicações decorrentes da falta médica. Para esta questão, Fernando Noronha apud Chaves e Rosenvald (2007) soluciona:
se o agravamento do estado do paciente for devido a um erro médico (ou seja, se com o tratamento adequado a doença seria curada, ou pelo menos o paciente experimentaria melhoras), o profissional terá de responder, ainda que a responsabilidade em regra não seja pelo total do dano sofrido pelo paciente: aqui haverá de descontar a parcela de dano que seja atribuída à própria doença preexistente, conforme a regra geral aplicável nas hipóteses de concurso entre fato do responsável e caso fortuito ou força maior, que é uma das situações em que temos a chamada causalidade concorrente.
Ainda com relação à diferença entre a indenização pela perda de uma chance e a indenização pelo dano em si, por fim, defende-se que na perda de uma chance o que se indeniza não é o valor patrimonial total da chance por si só considerada - pois aqui seria a indenização pelo dano em si -, como se tem visto de maneira equivocada na maioria dos pedidos. O que se indeniza é a possibilidade de obtenção do resultado esperado. Em suma, o valor da indenização deve ser fixado tomando-se como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado final esperado. Assim como não se pode exigir a prova cabal e inequívoca do dano, mas apenas a demonstração provável da sua ocorrência, a indenização, coerentemente, deve ser proporcional à possibilidade maior ou menor de obtenção do resultado almejado.
Conclusão
Depois de duas análises transcritas é de se notar que a responsabilização pela perda de uma chance parte da ideia de indenização devido ao cerceamento da possibilidade de ocorrer o resultado ou de evitar o prejuízo, sendo necessário fazer cálculos de probabilidade de acontecimento do fato. Em outras palavras, a indenização pela perda de uma chance nunca corresponderá ao montante indenizável da vantagem do resultado esperado, mas sim proporcional à expectativa de ocorrência da oportunidade perdida.
REFERÊNCIAS
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 2. ed. atualizada de acordo com a decisão do STF, proferida no RE 466343/SP, sobre a prisão civil na alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas, 2006.
MEIOS ELETRÔNICOS
OLIVEIRA, Katiane da Silva. A teoria da perda de uma chance: Nova vertente na responsabilidade civil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 83, 01/12/2010 [Internet].
Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8762>. Acesso em 29/11/2011.
ROCHA, Vívian de Almeida Sieben. A Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance no Direito Civil Brasileiro. Disponível em <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/vivian_rocha.pdf>. Acesso em 29/11/2011
SANTOS, Manuela Carvalho dos. A Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. Disponível em: < www.diogocalasans.com/artigos/responsabilidadecivil.doc>. Acesso em: 29/11/2011
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Kamayura Ribeiro Freire de. Perda de uma chance no direito brasileiro e comparado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39927/perda-de-uma-chance-no-direito-brasileiro-e-comparado. Acesso em: 22 nov 2024.
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