RESUMO: O texto busca analisar as diferenças que permeiam os instrumentos constitucionais da ação direta de inconstitucionalidade e do mandado de injunção, criados pelo constituinte de 1988, como os legitimados ativos e passivos, os efeitos da decisão e a competência para julgamento.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é uma inovação da Carta de 1988 que, como o mandado de injunção, traz consigo o louvável objetivo de combater a inércia dos Poderes Públicos. É de inspiração lusitana, uma vez que se valeu o constituinte brasileiro, ao dispor sobre a ação que ora se comenta, de instrumento símile constante da Carta Portuguesa de 1976[1]. Esta, de sua vez, foi abeberar-se na Constituição Iugoslava de 1974[2]. Sua disciplina encontra-se inserta no §2° do art. 103, in verbis:
“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tomar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”
A simples leitura do dispositivo mencionado evidencia a necessidade de se perquirir quais condutas podem carregar a eiva da inconstitucionalidade por omissão. A este respeito, convém citar o magistério de Canotilho, para quem a “omissão, em sentido jurídico-constitucional, significa não fazer aquilo a que, de forma concreta, se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa, para ganhar significado autônomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de ação, não bastante o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão inconstitucional. [...] Existe ainda omissão legislativa quando a Constituição consagra normas sem suficiente densidade para se tomarem normas exequíveis por si mesmas, reenviando implicitamente para o legislador a tarefa de lhe dar exequibilidade prática.[3]
Assim, é inconstitucional o comportamento desidioso do legislador ante os comandos da Constituição que lhe são dirigidos com vistas a dar efetividade às suas normas. Fugindo à seara legislativa, também se caracteriza a omissão quando não se adotam medidas de governo nem se implementam medidas administrativas necessárias a fazer efetivo o cumprimento de normas constitucionais.
A concepção da ação direta de inconstitucionalidade por omissão deu-se imbuída da vontade constituinte de ver realizados, em sua plenitude, os preceitos da Carta Política. Entretanto, não foi muito feliz a previsão de seus efeitos, cujos contornos gizam-se no sentido de, tão-somente, dar ciência da omissão ao órgão competente para tomar as necessárias providências, sem que nada ocorra na hipótese de eventual conduta claudicante. Sobre isto, observou José Afonso da Silva:
“Foi tímida [...] a Constituição nas consequências da decretação da inconstitucionalidade por omissão. Não avançou muito mais do que a Constituição portuguesa. Apenas dispôs que, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tomar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. É, sem dúvida, um grande passo. Contudo, a mera ciência ao Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele não está obrigado a legislar. Nos termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade legislativa continua intacto, e está bem que assim seja. Mas isso não impede que a sentença que reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente sobre a matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-iam o princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitucionais[4]”.
Sem dúvida, a timidez dos efeitos da ação de inconstitucionalidade por omissão é a maior das críticas que se levantam a seu respeito, e, ao mesmo tempo, a mais relevante diferença que apresenta frente ao mandado de injunção, vez que este foi previsto como instrumento idôneo a viabilizar o exercício de direito constitucional lesionado pela ausência de lei disciplinadora. Por esta razão, faz-se imprescindível pontuar as diferenças entre ambos os institutos, para que se evite perigosa analogia.
Importa destacar que, enquanto a primeira presta-se a reparar a ordem jurídica lacunosa, o derradeiro volve-se à defesa de um direito subjetivo lesionado. Vale dizer, na ação de inconstitucionalidade por omissão o que se argüi é a lacuna em tese, abstratamente considerada, ao passo que no mandado de injunção o que se verifica é o vacum legis promovendo lesões concretas a direito subjetivo de pessoa determinada. Quem traceja essas dessemelhanças é Carlos Velloso:
“O inc. LXXI do art. 5º parece-me claro quando estabelece que a concessão do mandado de injunção importa viabilizar o exercício de direito e liberdade constitucional ou prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania. A disposição inscrita, a seu turno, no §2º do art. 103 é noutro sentido: a procedência da ação para tomar efetiva norma constitucional resulta, simplesmente, no dar ciência ao Poder competente para adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
A diferença se explica: é que a ação direta de inconstitucionalidade tem por escopo a defesa da ordem jurídica; já o mandado de injunção tem por finalidade proteger direito subjetivo constitucional, direito individual ou prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania A ordem jurídica, objeto da ação direta, tem caráter abstrato; a defesa de direito individual, entretanto, faz-se em concreto. E se o constituinte simplesmente estabeleceu, no art. 103, §2º, que, declarada a inconstitucionalidade por omissão, seria apenas dada ciência ao órgão competente, assim procedeu porque criou ele, na mesma carta, o instituto do mandado de injunção, que, em concreto, preencheria o vazio que resulta da decisão despida de sanção, que é a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão [...].[5]
Assim, é de ressaltar que os efeitos da decisão em mandado de injunção são inter partes, reservando-se ao caso concreto, e, em ação de inconstitucionalidade por omissão, erga omnes, aproveitando tantos quantos sejam os que se enquadram na situação objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal.
No que toca à legitimidade ativa, têm-na, para a ação direta, somente os inscritos no rol do art. 103 da Constituição Federal, quais sejam: o Presidente da República, a Mesa o Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembleia Legislativa, o Governador de Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. A legitimidade passiva é do órgão responsável pela medida que torne efetiva norma constitucional. O mandado de injunção, de sua vez, pode ser impetrado por toda e qualquer pessoa, não importando seja natural ou jurídica, nacional ou estrangeira. No polo passivo há de figurar o ente público a quem couber o cumprimento da ordem injuntiva e a consequente viabilização do direito invocado.
A distinção restante reside no órgão jurisdicional competente para julgar os instrumentos cotejados. Interessa, portanto, acrescentar ser concentrada a competência para o julgamento da ação de inconstitucionalidade por omissão, uma vez que reservada tão-somente ao Supremo Tribunal Federal. Quanto ao mandado de injunção, a competência firma-se racione personae, ou seja, em razão de a quem couber a edição da norma regulamentadora necessária ao exercício de direito, liberdade ou prerrogativa constitucionais. Desse modo, pode recair, por exemplo, sobre o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e demais tribunais superiores e os tribunais regionais eleitorais.
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[1] Referida Constituição enuncia, em seu artigo 283, que: “1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes da Assembléias Legislativas regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais. 2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso ciência ao órgão legislativo competente”. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 50-51.
[2] Prevê a Carta iugoslava, em seu artigo 337: “Se o Tribunal Constitucional da Iugoslávia verificar que o órgão competente não promulgou as prescrições necessárias à execução das disposições da Constituição da República Federativa da Iugoslávia, das leis federais e das outras prescrições federais e atos gerais, dará do fato conhecimento à Assembléia Federativa da Iugoslávia”. Cf. PIOVESAN, Flávia C.. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 113.
[3] José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1987, p. 829-830, apud CAVALCANTI, Francisco Ivo Dantas. Mandado de Injunção — Guia Teórico e Prático. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1989.
[4] SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 50-51.
[5] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Decisão em Mandado de Injunção no. 478/96, Revista de Direito Administrativo, no. 209, jul./set. 1997. Renovar, FGV, p. 295.
Procuradora Federal. Membro da Advocacia-Geral da União. Atuou como responsável pela Procuradoria Federal Especializada da FUNAI em Dourados/MS e na Consultoria da sede da Funai em Brasília. Atualmente atua na Procuradoria Seccional Federal em Campina Grande/PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLOTA, Karine Martins de Izquierdo. Das diferenças entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39975/das-diferencas-entre-o-mandado-de-injuncao-e-a-acao-direta-de-inconstitucionalidade-por-omissao. Acesso em: 22 nov 2024.
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