De acordo com o artigo 515, parágrafo 3º, do CPC, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.
Trata-se da chamada “teoria da causa madura”. Tal possibilidade permite ao Tribunal conhecer tanto da causa como dos fundamentos expostos pelas partes em primeiro grau. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu no REsp n. 1113408/SC que “consectário lógico [da regra prevista no §3º do art. 515] é o de que a resolução quanto a uma questão prévia de mérito, também autoriza o julgamento das questões remanescentes de fundo desde que não dependam de melhor instrução para acolhimento ou rejeição”.
Havendo sentença terminativa e a parte prejudicada apresenta apelação, o Tribunal, ao recebê-la, poderá manter a decisão ou então abrir julgamento da causa, desde que sejam observados os requisitos explícitos do parágrafo em comento: somente se a causa versar sobre questões unicamente de direito e estiver em condições de julgamento.
Isto implica que não há dilação probatória – e, por conseqüência -, não se cogita violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, já que todas as provas possíveis foram produzidas (ou pelo menos oportunizadas) em primeiro grau.
Segundo JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, no que tange ao conceito de condição de imediato julgamento:
Parece, assim, que “por condições de imediato julgamento”se deve entender o fato de a questão ter sido debatida pelas partes em primeiro grau de jurisdição – ou, pelo menos, de se ter verificado o contraditório -, a ponto de ser possível, identificar, com clareza, qual é a questão de direito sobre a qual se funda o debate. De todo modo, satisfaz-se o novo sistema com a simples colocação da questão em primeiro grau, independentemente de apreciação ou não pelo juiz.
FREDIE DIDIER JR. traz interessante discussão acerca da natureza da regra em comento. Segundo o doutrinador baiano, o julgamento do mérito diretamente pelo Tribunal não é consequência do efeito devolutivo inerente a todos os recursos, mas sim do efeito desobstrutivo do recurso e, por isso, deve haver requerimento da parte recorrente para que o Tribunal aprecie o mérito da causa.
Tal requerimento se funda no fato de que “a delimitação “daquilo-que-tem-de-ser-decidido” pelo órgão jurisdicional é, no ordenamento brasileiro, matéria adstrita ao princípio dispositivo e, pois, à provocação da parte interessada”.
De outra sorte, o entendimento que prevalece é o de que não há necessidade de requerimento expresso da parte apelante para que haja a análise do mérito pelo Tribunal, o que tornaria inócua a regra trazida no dispositivo em comento (neste sentido, Gervásio Lopes Jr., citado por Didier):
Nestes casos, o recurso funciona, apenas, como instrumento de eliminação de empecilho criado pelo 1º grau ao julgamento, no momento adequado, do fundo do litígio. (...) Colocamos os princípios dispositivo e da vedação da reforma para pior nos seus devidos lugares, permitindo ao tribunal julgar por salto de instância de forma contrária, inclusive, aos interesses da parte recorrente. Assim é que o requerimento da parte não é exigido para o salto julgamental, que tem como pressupostos, apenas, a interposição e o conhecimento de um recurso; o seu provimento ou a anulação da sentença e a maturidade da causa.
Interessante e recente decisão do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região nos lembra que é imprescindível a citação do réu no processo em primeiro grau para que seja possível a aplicação do dispositivo em comento:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESAPOSENTAÇÃO. DESNECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, § 3º DO CPC. 1- Nas hipóteses de pedidos de desaposentação, inócua a exigência de prévio requerimento administrativo, diante do não reconhecimento, pela autarquia, da pretendida renúncia ao benefício. 2- O conflito de interesses que envolve a questão sub judice, evidencia o interesse processual e a idoneidade da via eleita para pleitear o seu direito. 3- Tendo em vista que não foi efetivada a citação do Réu, impossível a aplicação do disposto no artigo 515, § 3º do CPC. 4- Apelação da parte autora provida. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos ao juízo de origem.
Como já dito acima, ao aplicar a regra prevista no parágrafo 3º do artigo 515, o Tribunal analisa não só a causa como os fundamentos expostos pelas partes e as provas produzidas em primeira instância. Por tal motivo é imprescindível que tenha havido a citação do réu no processo e apresentação de defesa para que seja possível o julgamento imediato da causa.
Caso não tenha havido a citação e o Tribunal julgue o mérito da causa quando houve a extinção sem resolução do mérito em primeiro grau, poderá acarretar lesão aos princípios do contraditório e da ampla defesa, vez que, caso a Corte julgue em favor do autor da ação, os argumentos da parte ré não terão sido analisados e considerados na formação da convicção do julgador.
Leia-se no corpo do acórdão:
Não é o caso de julgamento imediato da demanda, pois além de o processo ter sido extinto sem julgamento de mérito (art. 267 do CPC), é condição para a apreciação pelo tribunal ad quem, nos termos do § 3º do art. 515, do CPC, que a causa verse sobre questão exclusivamente de direito e o processo encontre-se em condições de julgamento ("maduro"), requisitos que devem ser atendidos simultaneamente.
Na hipótese dos autos, a relação processual sequer chegou a ser "angularizada", não se podendo, sob qualquer hipótese, concluir que o processo esteja em condições para julgamento por esta Corte, requisito necessário para aplicação do § 3º do art. 515 do CPC.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA para anular a r. sentença recorrida, determinando o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau para regular processamento.
Desta forma, as conclusões que podem ser extraídas da regra em comento são: 1. É indispensável que a causa verse sobre questão unicamente de direito e que esteja em condição de imediato julgamento; 2. Não é exigido o requerimento expresso do recorrente para que o Tribunal analise o mérito da causa nas hipóteses de extinção em primeiro grau sem resolução do mérito; 3. Não se aplica a regra em comento caso não tenha havido a citação do réu (angularização da relação processual, como exposto na decisão transcrita acima).
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