Resumo: Tentar definir processo é uma tarefa muito difícil, vez que o conceito é amplo demais para ser compactado em uma frase absoluta, sem que haja maiores discussões doutrinárias a respeito. Ao longo do tempo, de acordo com o grau de evolução da ciência jurídica, inúmeras foram as teorias que tentaram definir processo e a sua importância para o Direito. Nesse pequeno artigo, traça-se, brevemente, linhas gerais da ciência processual conceitual, apenas a fim de identificar a natureza jurídica do instituto e, assim, enquadrá-lo no ordenamento jurídico.
Palavras chave: processo, conceito, teorias, evolução, procedimento.
1- Introdução
De modo geral, o processo é o instrumento utilizado para solucionar os litígios e buscar uma vida social harmônica. Assim, é através do processo que o sujeito terá que levar ao conhecimento do Estado-Juiz os fatos que pretenda comprovar, visando um provimento final.
É cediço que várias foram as teorias, ao longo do tempo, que tentaram traduzir conceito de processo, havendo àquelas levantadas na fase imanentista, na fase privatista e, por fim, na fase publicista, que é a atual.
Parece contraditório falar em um conceito de processo para a teoria imanentista, vez que, como se sabe, nessa época havia uma negação da autonomia da ciência processual, pois entendiam que processo e relação jurídica de direito material se confundiam. De toda sorte, é importante dizer que nesse momento histórico, equivaliam-se os conceitos de processo e de procedimento. Imaginava-se que os atos processuais praticados durante a relação jurídica em trâmite perante o Poder Judiciário, que formavam o procedimento necessário e suficiente para a tutela do direito material, representassem o próprio processo. (CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, 7 ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, v. 1,p.125).
2- Desenvolvimento
É possível concluir, num primeiro momento, que tal confusão de conceitos se deu numa fase histórica em que o direito processual era apenas uma reação do direito material após sofrida uma agressão. Não cabia falar, nesse momento, em princípios próprios do processo.
Superado esse momento, e seguindo a história processual, na tentativa de enquadrar o processo em fenômenos jurídicos privatistas, teve muita força nos séculos XVIII e XIX, a teoria do processo como contrato, que tratava o processo como um negócio jurídico volitivo das partes. (NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil- 2 ed- Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2010, p. 44). Todavia, atualmente, esta teoria guarda apenas uma importância histórica, porque a ideia de subordinação das partes ao processo e a seu procedimento é um dos princípios da jurisdição, qual seja, o da inevitabilidade. Assim, uma vez instaurada a relação jurídica processual, ninguém poderá, por sua própria vontade, se negar a esse “chamado jurisdicional”. Percebe-se, como se vê, que se afasta totalmente a noção de negócio jurídico.
Instaurada a corrente processual publicista, várias foram as teorias que traziam conceitos para o processo. Entre elas, mister se faz mencionar a teoria do Processo como relação jurídica, de Oskar von Bullow e a teoria do processo como situação jurídica, de James Goldschmidt.
Uma importante teoria, contudo, diz respeito àquela defendida por Elio Fazzalari, que trouxe a ideia de Processo como procedimento em contraditório. Para o autor “o processo é um procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa obliterar as suas atividades”. (Fazzalari, Elio, Instituições de Direito Processual- Campinas: Bookseller, 2006, pag.118-119)
O procedimento é visto atualmente como a sucessão de atos interligados de maneira lógica e sequencial com escopo em um provimento final. Trata-se, como afirma a doutrina, na exteriorização do processo, em seu aspecto visível. Em outras palavras, o procedimento é uma seqüência de normas, atos e posições subjetivas, que se encadearão até a realização do ato final, na qual a norma precedente – que estabelece uma conduta valorada como lícita ou devida – é pressuposto para realização da conseqüente. A primeira norma e a conduta dela decorrente ligam-se à segunda como um pressuposto ou como sua fattispecie. (Fazzalari, Elio, Instituições de Direito Processual- Campinas: Bookseller, 2006, pag. 92-93).
Assim, não há que se falar na confusão de conceitos. O procedimento é a parte visível do processo, é a soma dos atos que o compõe e que o conceituam.
Todavia, por óbvio, processo não se resume a, por exemplo, um pedido de vista, uma produção de provas, uma decisão interlocutória ou um despacho saneador. Esses fatos citados são atos que ocorrem dentro de um processo. O procedimento está dentro do conceito de “processo”, mas este é mais do que um simples procedimento. “Ninguém considera que a participação do privado consiste no pedido de licença de caça, e a participação do órgão consultivo que fornece ao autor do provimento o próprio parecer transforme o procedimento em processo. É necessária alguma coisa a mais e diversa; uma coisa os arquétipos do processo nos permitem observar: a estrutura dialética do procedimento, isto é, justamente, o contraditório.” (Fazzalari, Elio, Instituições de Direito Processual- Campinas: Bookseller, 2006, pag.118-119).
Para Elio Fazzalari, assim, o contraditório é o plus que somado ao procedimento formam o conceito de processo. E o processo é uma espécie do gênero procedimento, que possui o contraditório como elemento definidor de sua estrutura. O processo, como procedimento em contraditório, exige que os interessados e os contra-interessados – entendidos como os sujeitos do processo que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento – participem em simétrica paridade do iter procedimental, para a formação do provimento.
O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos. (GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992, p. 68)
Percebe-se que a noção de processo é teleológica, ou seja, possui sua razão de ser voltada para atingir um provimento final, um resultado. Já a concepção de procedimento é puramente formal, significando uma sucessão de atos que visam um fim.
Dessa forma, superada a fase imanentista, que confundia os termos processo e procedimento, não há o menor sentido, nos dias atuais, em confundir os dois conceitos. Todavia, como já dito, o processo não existe sem que haja o procedimento, “tanto essa constatação é verdadeira que os próprios defensores modernos da teoria da relação jurídica explicam que a teoria da relação jurídica não é processo, sendo sempre necessária a presença de um procedimento, ainda que impulsionado pelos participantes da relação jurídica processual no exercício contínuo de suas posições jurídicas ativas e passivas” (NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil- 2 ed- Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2010, p. 47).
Concluindo, seja adotando a teoria que define o processo como relação jurídica, seja adotando a teoria do processo como procedimento em contraditório, processo e procedimento são conceitos que não se confundem entre si. Possuem autonomia e devem ser tratados como institutos diferentes.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Política. Trad.: Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2002.
AROCA, Juan Montero. Proceso y Garan"a. El proceso como garan"a de libertad y de responsabilidad. Valencia: Tirant lo blanch. 2006
BURNIER Jr., João Penido. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Campinas: Copola, 2000.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, 7 ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
FAZZALARI, Elio, Instituições de Direito Processual- Campinas: Bookseller, 2006.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992.
NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil- 2 ed- Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2010.
Procuradora Federal, Graduada em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais- PUC-MG, e pós graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília- UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Mariana Savaget. O processo e sua evolução conceitual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jul 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40231/o-processo-e-sua-evolucao-conceitual. Acesso em: 22 nov 2024.
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