RESUMO: Através do presente trabalho será explanado como o modelo funcionalista moderado de Claus Roxin enxerga a relação da política criminal com o direito penal, destacando-se a importância dos critérios de imputação objetiva para a viabilização do ingresso de princípios de política-criminal no ordenamento jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: Política criminal, imputação objetiva, Claus Roxin.
1. INTRODUÇÃO
A teoria da imputação objetiva, nos moldes como desenvolvida pelos autores funcionalistas, não ocasionou uma quebra total de paradigma, mas uma complementação e aperfeiçoamento de conceitos anteriores aplicados em sistemas penais tradicionais como o clássico, o neoclássico e o finalista, mormente no tocante à ideia de tipicidade objetiva, que é acrescido de outros elementos necessários para a construção de uma tipicidade material.
Essa teoria enseja a consolidação de um sistema penal aberto no qual haja permeabilidade entre a política criminal e a dogmática jurídica, tornando possível a consecução da missão de proteção de bens jurídicos que é inerente ao ramo penal.
Conforme será tratado, isso ocorre pelo fato de que para os elaboradores da doutrina funcionalista do delito, responsáveis pela criação da moderna teoria da imputação objetiva, antes de se explicar o que seria crime, procura-se definir a missão do direito penal com base em estruturas sociológicas e em critérios político-criminais, submetendo a dogmática penal aos fins específicos do direito penal.
2. DESENVOLVIMENTO
Precursor da teoria funcionalista moderada ou teleológica, Roxin (2002 p. 205-211) ressalta a necessidade de se partir de dados normativos para a construção do sistema da teoria do delito, o qual deve estar voltado para a proteção de bens jurídicos, fim maior do Direito Penal.
Para tanto, as decisões valorativas do Estado devem compor esse sistema, a fim de que cada elemento do crime cumpra uma função político-criminal.
Tais decisões carreadas de valores estão constitucionalmente consagradas, representando os limites nos quais deverá atuar a política criminal do Estado, de sorte que, em um Estado Social e Democrático de Direito, a política criminal deve conferir ao Direito Penal uma função de tutela subsidiária de bens jurídicos, mediante a prevenção de lesão a esses bens.
2.1 O novo papel da política criminal
A quebra da barreira existente entre direito e política criminal pela teoria de Roxin é um marco histórico que permite o Direito a chegar a soluções mais justas e condizentes com os seus fins.
Passa a importar para o Direito Penal princípios político-criminais como o da intervenção mínima e da insignificância, uma vez que não se leva em conta apenas a tipicidade puramente formal (subsunção à letra da lei), mas, também, a substancialidade ofensiva do comportamento formalmente típico, razão pela qual, em certos casos, apesar do encaixe da conduta à lei haverá fato atípico. Nesse sentido, afirma Gomes (2011, p. 71):
Do ponto de vista formal (legalista) a conduta absolutamente insignificante ou o resultado totalmente irrelevante é típico. Porém, essa é uma tipicidade puramente forma. Do ponto de vista material (substancial), tendo em vista o princípio da intervenção mínima, não se justifica impor pena de reclusão a quem praticou um fato insignificante.
À primeira vista é possível que se questione a trivialidade da definição da missão do Direito Penal como de proteção a bens jurídicos, entretanto, comparando essa ideia com outras concepções, a exemplo da tese finalista, vê-se que houve um avanço significativo, na medida em que o funcionalismo de Roxin exige o desvalor da ação e do resultado, conjuntamente, para que se conclua pela imputação objetiva do resultado ao autor.
Isso porque, caso o comportamento proibido não gere um resultado lesivo não há o que se proteger e, portanto, não há razão para a interferência do Direito Penal no caso.
Diversamente, segundo o finalismo, bastaria o desvalor da ação, independentemente do desvalor do resultado, para que ocorresse a responsabilização do autor. O ânimo da ação do autor (sentido individual) é que atribuiria o seu significado delitivo e não os critérios de política criminal através da fixação dos limites do risco permitido (sentido social).
Assim, ainda que não houvesse piora da situação do bem jurídico com a ação do autor, este deveria ser responsabilizado penalmente.
Para Roxin (2009, p. 40) esta concepção encontra-se equivocada, uma vez que: “[...] ações típicas são sempre lesões de bens jurídicos na forma de realização de riscos não permitidos, criados pelos homens.” não sendo suficientes, para uma imputação objetiva do resultado, meras ações direcionadas a lesar tais bens jurídicos (desvalor da ação) se não possuem idoneidade para efetuá-las ou se não ultrapassam o risco permitido, sendo meros irrelevantes penais.
Frise-se que para a doutrina anterior a Roxin, principalmente por influencia de Von Liszt, entendia que: “A política criminal, que se importa com os conteúdos sociais e fins do direito penal, encontra-se fora do âmbito jurídico.” (ROXIN 2000, p. 12). É a partir do modelo funcionalista que se consolida o entendimento de que é a política criminal que conferirá o significado social das normas jurídico-penais e que vai fixar os limites do risco permitido, conceito central da teoria da imputação objetiva.
Nesse sentido, assevera Greco (2002, p. 65) que, tradicionalmente, a construção da política criminal era tarefa exclusiva do legislador, porém, como este não pode prever todos os casos possíveis da vida concreta, revela-se necessário, também, que o intérprete atue nas “zonas de indeterminação”, deixadas pelo legislador a fim de definir qual das possíveis opiniões a respeito do caso é a correta, de acordo com os fins perseguidos pelo Direito Penal. Explicando melhor a tarefa do legislador e do intérprete na construção da política criminal assevera Roxin (2009, p. 41):
Os planos legislativo e dogmático traçam, portanto, um processo de ponderação em dois níveis. O legislador só deve proteger bens jurídicos e, em consequência, deixar intacta a liberdade de atuação do cidadão. Por sua parte, o aplicador do Direito tampouco deve proteger os bens jurídicos de uma maneira absoluta, senão unicamente frente às lesões produzidas mediante riscos não permitidos.
A política criminal passa a ser tema de relevância não só para o plano legislativo, como também para o plano dogmático. Para tanto, com base em dados empíricos é que o intérprete verificará se o fato de considerar certa conduta como típica é eficaz para proteção dos bens jurídicos envolvidos, ou não, caso em que restará inadequada, portanto, dita interpretação.
Ilustrando essa situação, Greco (2002, p. 68) aduz que não é eficaz punir-se a culpa leve, pois, segundo o autor:
[...] dados empíricos demonstram que a eficácia intimidatória está comprometida: afinal, todos são passíveis de pequenos deslizes, sendo humanamente impossível manter-se as 24 horas do dia plenamente atento. Por outro lado, são igualmente dados empíricos que questionam a eficácia preventivo-geral positiva: uma vez que todos podem cometer erros leves, não se interpreta a lesão oriunda de culpa leve como uma agressão à vigência da norma e dos valores por ela tutelados, mas quase como um acidente, um fato da natureza.
Ademais, os dados empíricos são aplicados pelo intérprete a partir de uma série de grupos de casos apresentados pela doutrina como desdobramentos dos dois elementos fundamentais da imputação objetiva, complementadores do tipo objetivo: a criação de um risco não permitido e a realização desse risco no resultado, além de um terceiro elemento citado apenas por Claus Roxin entre os funcionalistas chamado de alcance do tipo.
2.2 O tipo objetivo como porta de entrada da política criminal
Para a correta aplicação da imputação objetiva sugerida por Roxin, além dos critérios de criação de um risco juridicamente desaprovado e à realização do risco no resultado, comumente apontados pelos adeptos da imputação objetiva, seria necessário, ainda, um terceiro nível de imputação chamado de “alcance do tipo”.
Segundo o mestre alemão, o tipo objetivo passaria, então a ser integrado por esses elementos valorativos que seriam somados aos elementos naturalísticos que já o integravam (conduta, nexo de causalidade e resultado).
Haveria, portanto, um deslocamento do centro de gravidade do delito para o tipo objetivo, pelo fato de que, anteriormente, a teoria finalista havia posicionado o dolo no tipo subjetivo, passando este a ser o ponto central do estudo da teoria do delito.
Agora, com os novos critérios axiológicos incorporados ao tipo objetivo, torna-se-ia possível a correta observância de princípios como o da ofensividade, da intervenção mínima, da fragmentariedade, da insignificância, entre outros político-criminalmente necessários ao Direito Penal pelo fato de que se passa a levar em conta, conjuntamente, o desvalor da conduta (criação do risco proibido relevante) e o desvalor do resultado (realização do resultado no âmbito de proteção da norma), representado pela ofensividade da conduta, o que é um grande avanço em relação às teorias mais tradicionais, nas quais ora se dá primazia a um e ora a outro a depender de qual seja adotada.
3. CONCLUSÃO
Percebe-se, destarte, que Roxin construiu um sistema aberto desvinculado de formalismos e de qualquer ideia central apriorística da qual fosse possível a extração das categorias e classificações do direito.
A visão de Roxin é de que o direito deve cumprir determinadas finalidades, não sendo mais uma ciência desvinculada da realidade social, como queria a doutrina penalista até então (sistema fechado).
Para o autor, a política criminal é que dá origem em cada instituto jurídico, de acordo com as necessidades sociais que se apresentam, uma vez que, segundo a proposta funcionalista, a elaboração da política criminal, que tradicionalmente é atribuída ao legislador, também cabe ao intérprete uma vez que o direito positivo não é capaz de prever todas as situações possíveis da vida concreta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GOMES, Luís Flávio. Teoria constitucionalista do delito e imputação objetiva: O novo conceito de tipicidade objetiva na pós-modernidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la imputación objetiva en derecho penal. Barcelona: Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2003.
ROXIN, Claus. A Proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. 2. ed. Org. e trad. André LuísCallegari, Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
______. Estudos de direito penal. Tradução: Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
______. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Intro. e trad. Luís Greco. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
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SÁNCHEZ, Jésus-María Silva. Aproximação ao direito penal contemporâneo. Tradução: Roberto Barbosa Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência: Uma contribuição à teoria do crime culposo. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
Assessor de Promotor de Justiça do Ministério Público da Paraíba, Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Philipe Amorim. A política criminal na teoria da imputação objetiva de Claus Roxin Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40308/a-politica-criminal-na-teoria-da-imputacao-objetiva-de-claus-roxin. Acesso em: 22 nov 2024.
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