Resumo: Este trabalho trata da justificativa a respeito das decisões judiciais que afastam o limite legal objetivo de que, para que o deficiente e o idoso façam jus ao benefício assistencial de prestação continuada, a renda mensal do núcleo familiar a que pertença não pode ser superior a um quarto do salário mínimo por componente.
Palavras-chave: LOAS. Direito Fundamental. Idoso. Deficiente. Inconstitucionalidade.
Introdução
Sou Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Atuo na Procuradoria Federa Especializada do Instituto Nacional do Seguro Social em Santo André – SP, fazendo o contencioso da Autarquia relativo aos benefícios previdenciários.
No meu dia-a-dia, deparo-me com questões relativas a violações de direitos fundamentais, como o caso do limite objetivo imposto pelo § 3º do art. 20 da Lei 8742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), segundo o qual, para fazer jus ao benefício assistencial de prestação continuada, o núcleo familiar do idoso ou do deficiente não pode receber mais que ¼ do salário mínimo por pessoa.
Não obstante seja uma tese vencida no Supremo Tribunal Federal - a questão foi decidida definitivamente no julgamento da repercussão geral dos RE 567985/MT, RE 580963/PR, rel. Min. Marco Aurélio - , a Procuradoria-Geral Federal ainda não se manifestou quanto a necessidade de que seus membros continuem defendendo a tese.
Apresentação do Problema
Em setembro de 1998, o Supremo Tribunal Federal assentou, em sessão de julgamento da ADI 1232/DF, que o referido limite de renda mensal per capta de ¼ do salário mínimo pelo núcleo familiar é constitucional.
Desde então, os Procuradores Federais que atuam na defesa da Autarquia previdenciária relativamente a benefícios previdenciários viam-se obrigados a recorrer das milhares de sentenças, pois, não obstante a decisão do Supremo Tribunal Federal, a questão era julgada favoravelmente aos autores na esmagadora maioria dos casos. E isso tinha uma justificativa fática: a dramática situação em que se encontram as pessoas que requerem o benefício assistencial.
Até que ponto uma lei pode restringir um direito fundamental? A problemática está em se estabelecer parâmetros para que as restrições não causem injustiças, como a que é feita pela adoção do critério objetivo da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
De outro ponto, como uma decisão judicial, em seu discurso de aplicação, pode afastar o discurso de justificação da lei?
Justificativa
Pela letra fria da Lei 8742/93, se o núcleo familiar do requerente tem uma renda per capta de R$1,00 superior a ¼ do salário mínimo, então o benefício é automaticamente indeferido pela Agência da Previdência Social.
Muitas vezes, o núcleo familiar do requerente ostenta uma renda superior ao limite legal, mas as possui muitas despesas com o tratamento da pessoa portadora de deficiência ou do idoso. Isso é totalmente ignorado pelo INSS.
O benefício assistencial ao idoso e ao deficiente é um direito fundamental previsto no art. 203, V da Constituição Federal, segundo o qual:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
Note ser uma garantia fundamental do princípio da dignidade da pessoa humana.
O texto da Constituição dá ao requerente o direito de comprovar a insuficiência de recursos financeiros para se prover. Todavia, o §3º do art. 20 da Lei 8742/93, injustificadamente retira a possibilidade de que o sujeito comprove sua miserabilidade caso sua renda familiar per capta ultrapasse o limite objetivo.
Referencial Teórico
Acunha, Fenando José Gonçalves, Texto base da disciplina de Direito Administrativo do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB – Há uma importante evolução histórica das formas de Estado, do modelo liberal ao Estado Democrático de Direito. Isso é importante para que seja justificado o atual paradigma e o modelo de proteção aos direitos fundamentais.
Netto, Menelick de Carvalho, Texto base 1 da disciplina de Direito Constitucional do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB – Esse texto traz a importância do conceito de paradigma para a contextualização do entendimento que se tem dos direitos fundamentais, a depender do momento histórico e do tipo de Estado. Isso justificaria a proteção do idoso e do portador de deficiência sem recursos financeiros.
Netto, Menelick de Carvalho, Texto base 2 da disciplina de Direito Constitucional do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB – Traz conceitos importantes da hermenêutica constitucional, notadamente os termos utilizados por Ronald Dworkin como argumentos de direito e de política, a única solução correta para os hard cases. Também traz o importante conceito de Lawrence Kohlberg a respeito do desenvolvimento dos estágios morais, de modo a poder relacionar a moral e o direito e se realmente as decisões judicias podem ser baseadas na moral. Também faz crítica a teoria de Robert Alexy e sua continuidade ao positivismo. Assim, pode uma decisão judicial que concede o benefício assistencial afastando a aplicação do limite LOAS, com base em argumentos morais?
Netto, Menelick de Carvalho, Texto base 5 da disciplina de Direito Constitucional do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB – Expõe as teorias externas e interna dos direitos fundamentais, o que é de suma importância para contextualizar a problemática do presente artigo. Dessa forma, até que ponto pode ser limitada a garantia fundamental do salário mínimo ao idoso e ao portador de deficiência?
Considerações finais
O Estado Democrático de Direito tem o dever de proteger as minorias. Por isso que ele é democrático, uma vez que o atual estágio da democracia não quer dizer apenas o governo da maioria, mas o governo que garante o direito das minorias, no caso, os deficientes e os idosos em condição de miserabilidade.
A Constituição Federal garante a subsistência dessa minoria no inciso V do art. 203, mas a lei faz uma restrição injusta. Nesse passo, é justificável a não aplicação dessa regra, uma vez que a norma constitucional garante o direito de que o requerente do benefício comprove não ter condições de suprir a própria existência. Por isso, os argumentos morais do julgador em seu discurso de aplicação são aptos a afastarem o discurso de justificação da LOAS.
Bibliografia
Acunha, Fenando José Gonçalves, Texto base da disciplina de Direito Administrativo do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB
Netto, Menelick de Carvalho, Texto base 1 da disciplina de Direito Constitucional do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB
Netto, Menelick de Carvalho, Texto base 2 da disciplina de Direito Constitucional do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB
Netto, Menelick de Carvalho, Texto base 5 da disciplina de Direito Constitucional do programa de pós graduação lato sensu em Direito Público da UnB
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