RESUMO: Ao longo da história verificamos diferentes formas de disciplina e poder, desde o medievo até a sociedade dita pós-moderna, parece haver algo em comum a ameaça às liberdades individuais, em especial pelas mutações de biopoderes a que são submetidos os indivíduos até o alcance da normalização. Nesse sentido a lei se traduz no mais refinado instrumento de controle social.
Palavras-chave: Disciplina. Normalização. Poder.
Na genealogia discute-se o poder pelo desejo de verdade traduzido no discurso. Do ponto de vista interno do discurso destacamos a disciplina como técnica que permite a classificação, a ordem. Por outro lado a “vontade de verdade” pode ser traduzida na desconstrução das formas de exclusão e compreensão da relação entre saber e poder enquanto campo da normatização. Essas reflexões extraídas da ordem do discurso enquanto método genealógico ganha sentido em vigiar a punir quando estudamos o posicionamento disciplinar do poder na relação entre o sujeito e o objeto da normalização que conduz a “autonomia” forjada sobre o corpo. Assim aos poucos os castigos físicos vão sendo refinados pelo castigo psíquico, repressivo, orgânico substituídos pelo olhar do panóptico que vê em minúcias como sobre à luz, num olhar profundo ocorre a disciplina pelo gesto que une ou separa, pelo quadriculamento que examina em minúcias nas teias do poder (microfísica). A técnica disciplinar na modernidade se constitui na normalização do sujeito pela produção de uma individualidade marcante que condena o criminoso, aponta suas características peculiares, rotula, julga e pune severamente. O poder normalizador define o lugar do sujeito na sociedade pelas qualidades ou defeitos que marcam sua autonomia de parte orgânica do corpo social e pressupõe a vontade, o querer, o poder-saber, a consciência de si. A técnica-ciência interfere na subjetividade e organicidade do tempo-espaço das disciplinas normalizadoras na produção e reprodução de poderes, a norma jurídica é uma das técnicas refinadas de definição das posições sociais, econômicas, políticas enquanto ferramenta nas mãos de quem sabe e pode fazer o direito (valoração do fato em norma). Por isso o direito serve a quem pode fazê-lo na hierarquia social. A vontade de verdade é libertação ou prisão, absolvição ou condenação na luta interna das partes que unem o corpo social. A hierarquia definidora no big brother é um exemplo de como se exerce o biopoder, pelo olhar através da luz de quem vê nas entrelinhas normativas. O grau de penetração vai milimetricamente esquadrinhando as relações sociais de dentro para fora e de fora para dentro no que a autonomia é produzida nessa teia de relações de poderes, portanto as relações de poderes são cíclicas, costuradas pelo saber-poder que define o lugar de cada indivíduo enquanto membro do grande corpo da anatomia política. O ser projeta-se com vigor pela ascese do querer enquanto força pulsante. Por isso a história da sexualidade é tão relevante na descoberta do corpo pelo entendimento do saber-poder e seus limites, na descoberta do desejo permitido ou reprimido, mas que permite a liberação de sentimentos íntimos do ser, talvez a parte mais prazerosa do corpo em que podemos exprimir emoções inimagináveis. E ao mesmo tempo a disciplina sobre o desejo e a vontade de querer pode ser uma técnica magnífica de poder individual e social. Não por acaso a confissão foi bastante utilizada no medievo, pois era reveladora das intimidades que condenam multidões e minuciosamente a quantidade e qualidade dos pecadores, são segredos de vida e de morte numa sociedade estamental. Não por acaso a igreja não revelava seus segredos carnais apenas os espirituais.
A técnica da confissão enquanto instrumento de poder e individualização definia salvações ou condenações ao fogo do inferno. A reflexão subjetiva direta entre o pecador e Deus vai permitir a libertação do jugo opressor da sentença eclesiástica. A possibilidade da verdade construída pela fé racional se constitui em novas formas de poder pelos costumes sociais e pela relação íntima do indivíduo com sua espiritualidade, seria preciso uma nova disciplina sobre o desejo, o sexo, para além da função reprodutora, mas por permitir que parte do desejo fosse reprimida e parte permitida até certo ponto a disciplina vai se refinando enquanto um discurso racional capaz de mostrar outras qualidades humanas, e outras funções de desejo sexual, por isso a confissão liberta multidões em especial pelo protestantismo fomentador de uma nova concepção individual que pelas práticas dos eleitos, pelas qualidades, pelo desejo de servir sem intermediários e a salvação reside nas ações e na fé individual, uma autonomia, poder e descoberta de outras verdades possíveis enquanto ideal ascético.
Porém essa teia de poderes burgueses a partir da confissão não passa com bem esclarece Foucault de um ritual de discurso e de poder a partir de novas técnicas disciplinares, e acrescento em especial sobre o corpo individual e social. A liberdade se constitui em instrumento de dominação pela acumulação de qualidades físicas, sociais, econômicas e de opressão normatizadas de uns sobre os outros, refinando-se características que distingue, por exemplo, os eleitos e não eleitos, e legitima relações de poderes numa teia de expiação das virtudes e defeitos, o maniqueísmo se revela com outros biopoderes, são novas técnicas disciplinares que visam normatizar e conferir autonomia dentro de certos padrões burgueses de medições por novos panópticos modernos. E vamos mais além, se a característica da solidariedade cristã e a demografia populacional permitia uma rede de solidariedade e cuidado com os pobres no medievo, na modernidade a prosperidade com a ética protestante passa a ser sinal de virtude divina e a pobreza sinal de afastamento das qualidades dos eleitos. Legitima-se ainda mais as desigualdades, as injustiças sociais e rompem-se de vez os laços de solidariedade. A separação dos tipicamente estranhos enquanto negação do outro, do mais vulnerável e fora dos padrões burgueses se constitui num dilema dos séculos seguintes só se agravando até nossos dias.
Referência
BERTEN, André. Michel Foucault: Da disciplina à autodisciplina. In Modernidade e Desencantamento. Saraiva. São Paulo. 2011
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