A Lei a partir do estado de direito enquanto invenção burguesa vem dar as garantias necessárias ao funcionamento da imensa engrenagem da propriedade privada dos meios de produção. A expulsão dos camponeses das terras comunais pelos cercamentos para a criação de ovelhas destinadas a produção de lã para as indústrias são exemplos materiais dessas transformações e normalizações disciplinares da modernidade.
A norma como ciência e técnica se constitui na mais poderosa engrenagem burguesa de biopoderes da nossa sociedade ocidental amarrando por pactos sociais limites ao Estado Soberano e conferindo proteção à propriedade privada dos meios de produção, conferindo liberdade para vender a força de trabalho mediante um salário miserável. Tudo sob as bênçãos de Deus. A vida e a morte passam das mãos da inquisição para os examinadores especializados na técnica do julgamento. Do corpo como máquina domesticada, dócil, submisso. Pela disciplina se forma nas palavras de Foucault, uma ‘anatomia-política do corpo humano’. E o controle e regulamentação da reprodução, do nascimento, da mortalidade, da saúde, enquanto biopoder típico do capitalismo. “O tempo, a vida, a morte, o amor, a alegria, o sofrimento, o castigo” no capitalismo muitas vezes tem um preço que significa um ter em detrimento do ser. A lei terá uma função primordial de garantir uma ordem e progresso para poucos. Seu caráter corretivo, repressivo, utilitarista, do castigo físico sanguinários até a morte para a racionalização dos comportamentos sexuais dos saberes e poderes individuais e sociais. As relações sanguíneas no plano psíquico vão se forjando desde os laços familiares do que é proibido ou permitido, desejos proibidos ou reprimidos como caso do incesto considerado proibido. As normalizações sociais e a concepção da família monogâmica no ocidente como base do Estado de Direito são exemplos das normalizações que se constituem da lei à norma. A própria concepção do homem como chefe de família, hoje modificada pela grande inserção da mulher e seu poder na sociedade se constituem em normalizações disciplinares que nos remete a discussão porque não o outro, homossexual nas relações familiares, eis o grande desafio do nó a ser desatado nas normalizações a vontade de verdade de rompa com a própria concepção judaico-cristã de vida em sociedade e passa-se à pluralidade de atores sociais. Novas configurações, mutações burguesas das uniões homoafetivas ou poliafetivas no plano normativo enquanto formas de liberdade e resistências de poder. Essas questões dizem respeito a história da sexualidade. E os desejos permitidos ou reprimidos, a felicidade humana, os valores como dignidade e solidariedade precisam ser resgatados no presente rompendo-se com a tradicional família patriarcal e monogâmica nas relações saber-poder, e de dominação na constituição de biopoderes uma técnica disciplinar para além do si do cuidado de si e que diga respeito ao nós. As disciplinas assumem novas configurações mutacionais nas teias de poderes, na fluidez da modernidade, porém estará a ética protestante aberta ao diálogo do si para com o outro? A história da sexualidade, dos desejos, sensações, felicidade para além do aspecto religioso, parece indicar uma mudança normalizadora inclusiva dentro do panóptico burguês, consumista como plástica, moldável, o problema diz respeito no plano da predestinação realmente a questão das diferenças enquanto sinal que define a posição no corpo social, no plano das desigualdades culturais, sociais, étnicas a ser superado.
Nesse sentido da lei à norma revela a criminalização dos pobres, pelas características que definem descritivamente esses como “ameaça ao corpo social”, inicialmente proibindo a mendicância posteriormente transformando a ociosidade enquanto valor moral num mal a ser combatido e o trabalho num bem e sinal de que com este se alcançará a salvação e será sinal de prosperidade aos que exploram e lucram com a miséria alheia. Legitima-se pela normalização as desigualdades sociais, econômicas, políticas a partir das leis que separa ou aproxima valores morais marcadamente burgueses.
Referência
BERTEN, André. Michel Foucault: Da disciplina à autodisciplina. In Modernidade e Desencantamento. Saraiva. São Paulo. 2011.
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