RESUMO: O presente artigo consiste em uma análise, a partir de julgados do Supremo Tribunal Federal, das hipóteses de cabimento de recurso extraordinário contra decisões do Superior Tribunal de Justiça: quando a violação à norma constitucional exsurge do julgamento do recurso especial, e os casos excepcionais, em que o julgamento emanado do STJ apoia-se em premissas que conflitem, diretamente, com o disposto no art. 105, inciso III e alíneas, da Constituição Federal.
PALAVRAS-CHAVE: Recurso. Extraordinário. Cabimento. Decisão. STJ. Art. 105. Inciso III. Constituição.
1. INTRODUÇÃO
Segundo a doutrina constitucionalista, os órgãos jurisdicionais ordinários têm como finalidade precípua solucionar a controvérsia posta em Juízo, atendendo à necessidade das partes. Já os tribunais superiores funcionam como guardiões da legislação ordinária, tendo sua atuação pautada na uniformidade das decisões, objetivando sempre a garantia da segurança jurídica[1].
O sistema constitucional vigente prevê a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar, como guardião da Constituição, em sede de recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida contrariar dispositivo do Estatuto Magno, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da CF/88 ou julgar válida lei local contestada em face de lei federal (Constituição Federal, art. 102, inciso III, caput e alíneas).
Na esteira da competência definida na Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência admitindo a interposição de recurso extraordinário contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça quando a violação à norma constitucional exsurgir por ocasião do julgamento do recurso especial.
Consolidou-se, ainda, no âmbito da Corte Suprema, o entendimento de que não cabe recurso extraordinário para reexame de decisão do Superior Tribunal de Justiça, referente aos pressupostos de admissibilidade do recurso especial. Todavia, admite o Supremo Tribunal Federal, excepcionalmente, a utilização da via extraordinária para impugnar decisão do STJ que, no exame do cabimento do recurso especial, contenha proposição contrária, em tese, ao disposto no art. 105, inciso III e alíneas, do Estatuto Magno.
Neste artigo estudaremos essas duas hipóteses nas quais o STF tem admitido a interposição de recurso extraordinário contra acórdão do STJ, conferindo um enfoque maior à situação excepcional, em que se admite o RE quando ocorre ofensa, em tese, ao dispositivo constitucional que trata dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial.
2. O cabimento de recurso extraordinário quando, do julgamento proferido pelo STJ, exsurge violação à norma constitucional
Da análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, observa-se que são relativamente comuns os casos de interposição de recurso extraordinário contra decisões do STJ quando, no julgamento proferido pela Corte Superior, supostamente ocorre violação à norma constitucional.
Todavia, são raros os casos de provimento desse tipo de recurso, pois exige-se que a questão debatida na instância extraordinária seja diferente daquela apreciada na jurisdição ordinária. Isso significa que a violação ao dispositivo da Constituição Federal deve surgir durante o julgamento prolatado pelo STJ. Além disso, a ofensa ao texto constitucional deve ser direta, e não apenas reflexa, como se verifica quando a caracterização da afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório, da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e da prestação jurisdicional, depende de análise das normas infraconstitucionais[2].
Nesse sentido, é vasta a jurisprudência da Corte Suprema:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL. PRECLUSÃO. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal somente admite a interposição de extraordinário contra acórdão proferido no recurso especial, quando a violação à norma constitucional exsurge no julgamento do Superior Tribunal de Justiça. 2. Hipótese em que a violação à norma constitucional, se procedente a alegação, teria ocorrido na decisão do Tribunal de Justiça. Agravo regimental não provido[3]. (RE 293.672 AgR)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGO 543 DO CPC. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESCABIMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 5º, LIV e LV, DA CF. OFENSA REFLEXA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE QUESTÃO SUSCITADA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO.
I – (...)
II – (...)
III – (...)
IV – Esta Corte firmou orientação no sentido de ser inadmissível, em regra, a interposição de recurso extraordinário para discutir matéria relacionada à ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, quando a verificação dessa alegação depender de exame prévio de legislação infraconstitucional, por configurar situação de ofensa reflexa ao texto constitucional. Precedentes.
V – (...)
VI – Agravo regimental improvido[4].
3. A hipótese excepcional de cabimento de recurso extraordinário contra decisão do STJ que, no exame do cabimento do recurso especial, contenha proposição contrária, em tese, ao disposto no art. 105, inciso III e alíneas, da Constituição
Em regra, não cabe recurso extraordinário para reexame de acórdão do Superior Tribunal de Justiça, referente aos pressupostos de admissibilidade do recurso especial. No entanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de se admitir, excepcionalmente, o manejo do apelo extremo, quando o acórdão do STJ contrariar, em tese, o disposto no art. 105, inciso III, da Carta Magna.
Sobre o assunto, o Ministro Néri da Silveira, no voto condutor do acórdão proferido no RE 190.104, deixou consignado que:
(...) definida a área de competência de ambas as Cortes, pela Constituição, certo está que o Supremo Tribunal Federal, pela competência excepcional prevista no caput do art. 102 do Estatuto Magno, enquanto guarda da Constituição, pode, em princípio, conhecer de recurso extraordinário também de decisão, em causa de competência do STJ, quer originária, quer em recurso ordinário, quer em recurso especial (art. 105, I, II e III), desde que o julgado contrarie dispositivo da Constituição, inclusive o art. 105, III.[5]
Um bom exemplo dessa excepcional situação é o caso do RE 153.831, aviado contra decisão do STJ, que concluíra pela inadmissibilidade do recurso especial interposto contra acórdão que decidiu agravo de instrumento.
Naquela oportunidade, entendeu a Corte Superior que o agravo de instrumento não seria uma “causa”, conforme previsto no art. 105, inciso III, consistindo em um mero incidente processual. Por isso, o recurso especial foi inadmitido.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso extraordinário (RE 153.831), tendo a relatora Ministra Ellen Gracie, concluído em seu voto que “o termo ‘causa’ empregado no aludido dispositivo constitucional [art. 105, inciso III] compreende qualquer questão federal resolvida em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios, ainda que mediante decisão interlocutória”[6].
Registrou a Ministra, ainda, naquele voto, que o próprio Superior Tribunal de Justiça já havia modificado seu entendimento, culminando com a edição da Súmula 86, segundo a qual “cabe recurso especial contra acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento”.
A Corte Suprema também aceitou a utilização da estreita via extraordinária (RE 273.351) contra decisão do STJ que inadmitiu o recurso sob o fundamento de que a ofensa a convênio celebrado entre Estados não ensejaria a interposição do especial. Neste caso, como o convênio tratado na espécie tinha força de lei complementar, por expressa disposição constitucional (ADCT, art. 34, §8º), entendeu o STF que a inadmissibilidade do recurso especial configurava ofensa ao art. 105, inciso III, da Constituição[7].
4. CONCLUSÃO
Da análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, observa-se que a parte recorrente dificilmente consegue demonstrar, no âmbito do recurso extraordinário, a ofensa direta ao texto constitucional, sendo ainda mais difícil, por se tratar de situações pontuais e excepcionalíssimas, a configuração da contrariedade, em tese, ao art. 105, III, da CF/88, ocorrida nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, o que leva ao desprovimento da grande maioria dos recursos extraordinários interpostos com esse fundamento.
[1] MITIDIEIRO, Daniel. O Processo Civil no Estado Constitucional. JusPODIVM. 1ª ed. 2012
[2] AI-AgR 622.814, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 8.3.2013
[3] RE 293.672 AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 11.10.2001, p. 16
[4] AI 830.875 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 21.8.2013
[5] RE 190.104, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 14.11.1997. p. 460
[6] RE 153.831, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.3.2003, p. 39
[7] RE 273.351, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25.8.2000, p. 74
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Processual Civil - Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL - conclusão em junho/2008. Graduada em Direito - Universidade Federal de Uberlândia - UFU - conclusão em janeiro/2000.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Letícia Mota de Freitas. O cabimento de recurso extraordinário contra decisões do Superior Tribunal de Justiça - Uma visão jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40741/o-cabimento-de-recurso-extraordinario-contra-decisoes-do-superior-tribunal-de-justica-uma-visao-jurisprudencial. Acesso em: 22 nov 2024.
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