Resumo: A medida cautelar de indisponibilidade de bens na Lei n.º 8.429/92 deve ser deferida não apenas nos casos de dano ao erário e enriquecimento ilícito, mas, também, para assegurar o pagamento de multa civil. O deferimento desta medida prescinde da demonstração da dilapidação dos bens pelo réu, pois o periculum in mora nas ações de improbidade decorre da gravidade dos fatos e da proteção ao patrimônio público.
Palavras-chave: 1. Indisponibilidade de bens . 2. Improbidade Administrativa. 3 . Multa civil 4.Dilapidação dos bens 5. Periculum in mora.
A Lei n.º 8.429/92 representou uma grande conquista para a sociedade, pois teve por objetivo combater a corrupção e a desonestidade na administração pública.
Considera-se ímprobo aquele que age sem honestidade, qualidade, moralidade, demonstrando comportamento inadequado no trato com a res publica.
Sobre o tema, esclarecem Emerson Garcia e Rogério Pacheco:
Na senda de inúmeros Estados erguidos por sobre sólidos alicerces democráticos, onde os agentes públicos, além de exercerem a atividade finalística inerente à sua posição no organismo estatal, são efetivamente fiscalizados e consequentemente responsabilizados por seus desvios comportamentais, teve o Constituinte originário o mérito de prever a necessidade de criação de um microssistema de combate à improbidade.
Digna de encômios, igualmente, foi a iniciativa do legislador infraconstitucional de dispensar uma interpretação prospectiva à Constituição de 1988 e, consequentemente, romper com a acanhada e vetusta normatização então existente. Com isto, prestigiou o patrimônio público e o caráter normativo dos princípios, instituindo sanções para os agentes que, não obstante tenham assumido o dever de preservá-los, os vilipendiaram. (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 6. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 1293 p. 214/215)
A Lei de Improbidade Administrativa previu diversas sanções ao agente público que lese o erário, enriqueça-se ilicitamente ou viole os princípios que regem a administração pública (artigos 9º, 10 e 11).
A fim de assegurar a possibilidade de uma futura execução, a referida legislação previu, em seu artigo 7º, a medida cautelar de indisponibilidade de bens:
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
Essa medida já tinha previsão constitucional:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A indisponibilidade de bens não é sanção, mas sim uma medida assecuratória, sem caráter satisfativo, requerida nos próprios autos da ação principal.
Não conduz à perda da posse, sendo mantidos os direitos de usar e usufruir o bem. Impede-se, apenas, o direito de dispor dele.
O primeiro ponto a ser observado no presente trabalho é o objetivo da medida de indisponibilidade.
O artigo 12 da Lei n.º 8.429/92 estabeleceu as sanções derivadas dos atos ímprobos, quais sejam, ressarcimento do dano, perda dos valores acrescidos ilegalmente, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Percebe-se, portanto, que a repercussão patrimonial do ato de improbidade não se restringe ao ressarcimento do dano causado ao erário e à perda dos valores acrescidos ilegalmente, abrangendo também o pagamento de eventual multa civil.
Ainda que o artigo 7º da Lei n.º 8.429/92 se refira apenas ao dano e ao enriquecimento ilícito, é pacífico na jurisprudência que tal medida também é aplicável para assegurar o pagamento de multa civil:
Cite-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:
[...]
2. É pacífica no Superior Tribunal de Justiça a orientação de que a medida constritiva deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma (REsp. 1.347.947/MG, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 28.08.2013).
[...]
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Resp 1176440/RO, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia, 2013).
[...]
2. A indisponibilidade dos bens deve recair sobre o patrimônio dos réus de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma que venha a ser aplicada.
[...]
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1414569/BA, Relator: Min. Humberto Martins, 2014).
Portanto, o objetivo é evitar que, ao final do processo, não exista patrimônio do réu que suporte o ressarcimento dos danos e o pagamento de multa civil.
O segundo ponto a ser destacado refere-se aos requisitos da medida.
Está superada a tese de que seria necessária a prova da dilapidação do bem para o deferimento da indisponibilidade. Afinal, tal condição poderia tornar a medida inócua e sem resultado prático.
O periculum in mora na ação de improbidade decorre da gravidade dos fatos, do montante de prejuízo causado ao erário e do pagamento de multa civil, o que atinge toda a coletividade. Dessa forma, somente seria necessária a demonstração do fumus boni iuris.
Explicam, mais uma vez, Emerson Garcia e Rogério Pacheco:
Por tratar-se de medida cautelar, torna-se necessária a demonstração do fumus boni iuris, não fazendo sentido, data vênia, a imposição de tão grave medida senão quando o sucesso do autor na demanda se apresentar provável. Fumus boni iuris não significa, por certo, prova exauriente, vertical, mas é requisito inafastavel.
Quanto ao periculum in mora, parte da doutrina se inclina no sentido de sua implicitude, de sua presunção pelo art. 7º da Lei de Improbidade, o que dispensaria o autor de demonstrar a intenção de o agente dilapidar ou desviar o seu patrimônio com vistas a afastar a reparação do dano. Nesse sentido, argumenta Fábio Osório Medina que “o periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário”, sustentando, outrossim, “que a indisponibilidade patrimonial é medida obrigatória, pois traduz consequência jurídica do processamento da ação, forte no art, 37, § 4º, da Constituição Federal”.
E continuam:
De fato, exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, o irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal. Como muito bem percebido por José Roberto dos Santos Bedaque, a indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade é uma daquelas hipóteses nas quais o próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano. Deste modo, em vista da redação imperativa adotada pela Constituição Federal (art. 37, §4º) e pela própria Lei de Improbidade (art. 7º), cremos acertada tal orientação, que se vê confirmada pela melhor jurisprudência. (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Ob, cit., p. 919/920)
A Primeira Seção do STJ (REsp 1.319.515/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell, DJe 21.9.2012) firmou a orientação de que a decretação de indisponibilidade de bens não se condiciona à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, destacando que tal medida consiste em uma tutela de evidência, pois o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente de dilapidar seu patrimônio, e sim da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade.
Além disso, destacou que, estando presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao erário, o periculum in mora está implícito, conforme disposto no art. 37, § 4º, da Constituição Federal.
Confira-se:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI Nº 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA. FUMUS BONI IURIS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL PROPORCIONAL À LESÃO E AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO RESPECTIVO. BENS IMPENHORÁVEIS. EXCLUSÃO.
1. Trata-se de recurso especial em que se discute a possibilidade de se decretar a indisponibilidade de bens na Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92, sem a demonstração do risco de dano (periculum in mora), ou seja, do perigo de dilapidação do patrimônio de bens do acionado.
2. Na busca da garantia da reparação total do dano, a Lei nº 8.429/92 traz em seu bojo medidas cautelares para a garantia da efetividade da execução, que, como sabemos, não são exaustivas. Dentre elas, a indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º do referido diploma legal.
3. As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).
4. No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º).
5. A referida medida cautelar constritiva de bens, por ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade do provimento judicial que a deferir.
6. Verifica-se no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992 que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".
7. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Precedentes: (REsp 1315092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 133.243/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 24/05/2012; MC 9.675/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011; EDcl no REsp 1211986/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 09/06/2011.
8. A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.
[...]
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.319.515/ES, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho R.P/Acórdão : Ministro Mauro Campbell Marques, 2012).
Com essas considerações, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência são firmes quanto ao deferimento da indisponibilidade de bens para assegurar o pagamento de multa civil, bem como quanto à desnecessidade da demonstração do periculum in mora concreto e do início da dilapidação dos bens.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988
BRASIL. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 03 jun. 1992.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1176440/RO, Brasília, DF, 17 set 2013. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1176440&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO. Acesso em: 11set 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1414569/BA, Brasília, DF, 06 mai 2014. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1414569&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO. Acesso em: 11set 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REsp 1.319.515/ES,, Brasília, DF, 22 ago 2012 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1319515+&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO. Acesso em: 12 set 2014.
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 6. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 24. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
Analista em Direito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Graduada em Direito em dezembro de 2006, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós graduada em Direito Administrativo, Processual Civil e Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Mariana Barbabela de Castro. Breves considerações sobre a medida de indisponibilidade de bens prevista na Lei n.º 8.429/92 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41009/breves-consideracoes-sobre-a-medida-de-indisponibilidade-de-bens-prevista-na-lei-n-o-8-429-92. Acesso em: 22 nov 2024.
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