Resumo: O presente texto busca, sem exaurir o tema, demonstrar a ineficiência da Administração Pública na perseguição dos seus créditos de pequeno valor. Em tempo, analisa as consequências jurídicas da posição adotada pela PFN, que com base no regramento legal vigente, deixa de inscrever em Dívida Ativa os créditos tributários ou não, inferiores a 1 (hum) mil reais. Buscamos, por fim, demonstrar a necessidade de se privilegiar o crédito público, conferindo a este, em virtude do caráter intercambiário do direito, a possibilidade de utilização de institutos do direito privado, a exemplo da inscrição no serviço de proteção ao crédito (SPC), sabidamente menos custoso à Administração.
Palavras-chave: Produto Perigoso. Transporte. Infração ao Dec. 96.044/88 e a Resolução 3.665/2011 ANTT. Autuação abaixo de 1 (hum) mil reais. Impossibilidade de inscrição em Dívida Ativa da União. Lei 10.522/02 e Portaria STN 685 de 14/09/2006 e Portaria MF/2012. Ausência de métodos eficazes de cobrança e de cadastro nacional das infrações. Lei sem sanção, estímulo ao ilícito administrativo.
1. Introdução
O Código de Trânsito Brasileiro[1] regula o tráfego de veículos automotores nas vias urbanas e rurais abertas ao público, tipificando infrações e exigindo, quando do licenciamento[2] do automotor, que haja a respectiva quitação dos débitos anteriores.
Nesse diapasão, em relação ao CTB a Administração possui instrumentos coercitivos hábeis, a fim de exigir o adimplemento[3] das dívidas oriundas de infrações às normas de trânsito quando do licenciamento do bem. O mesmo não ocorre em relação ao transporte de produto perigoso, explico.
2. Desenvolvimento
O transporte de produtos perigosos possui legislação específica, qual seja o Dec. 96.044/88 e a Resolução 3.665/2011 ANTT. Desta feita, a cobrança quanto às autuações não se dá como no CTB, vinculando a dívida ao licenciamento do veículo, na espécie, uma vez fiscalizado e autuado, após o devido processo, constitui-se a dívida pecuniária advinda da autuação, a qual nasce atrelada à pessoa jurídica embarcadora e/ou transportadora.
Assim sendo, a cobrança da sanção pecuniária por infração ao transporte de produtos perigosos dá ensejo a dívida de valor, seguindo a sistemática de créditos não tributários da Fazenda, ou seja, a execução fiscal[4].
Nessa senda, temos que a inscrição de créditos em dívida ativa[5] da União tem regulação na lei 10.522/02[6] e Portaria STN 685 de 14/09/2006[7] e Portaria MF/2012[8].
Tais diplomas aduzem, em apertada síntese:
Créditos |
Acima de R$ 20 mil reais |
Inscrição e Execução |
Portaria MF/2012 |
Acima de 10 mil reais |
Inscrição obrigatória em DUA |
lei 10.522/02 |
|
Acima de 1 e abaixo de 10 mil reais |
Inscrição no CADIN a critério do órgão |
lei 10.522/02 |
|
Até R$ 999,99 reais |
Não inscreve |
Portaria STN 685 de 14/09/2006 |
Assim dispõe a Portaria MF/2012 :
Art. 1º Determinar:
I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e
II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
No mesmo sentido a Portaria STN 685 de 14/09/2006 :
Art. 1º Os valores a serem observados para a inscrição dos débitos de pessoas físicas e jurídicas no CADIN serão os seguintes:
I - dívidas iguais ou inferiores a R$ 999,99 – vedada inscrição;
II - dívidas iguais ou superiores a R$ 1.000,00, até o limite de R$ 9.999,99 – inscrição a critério do órgão credor;
III - dívidas iguais ou superiores a R$ 10.000,00 – inscrição obrigatória
Assim dispõe a lei 10.522/02:
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)
Abstraída a discussão jurídica acerca da alteração do valor do art. 20 da lei 10.552/02 por meio da portaria MF 75/12, haja vista não ser o foco do artigo, certo é que a não inscrição em DUA (Dívida Ativa da União), fragiliza o sistema de fiscalização de transporte. Tendo como regra que as infrações por produto perigoso não suplantam o piso de hum mil reais, deixar de inscrevê-las em DUA é o mesmo que conceder um “anistia” àqueles que pratiquem infrações cujo valor não ultrapasse o limite mínimo.
É indene de dúvidas a importância que tem a fiscalização para a segurança do trânsito.
A penalidade prevista no Dec. 96.044/88 e resolução 3.665/2011 ANTT, visa reprimir ilegalidades administrativas, gerando no infrator (prevenção especial), e em potenciais infratores (prevenção geral) a sensação de que não vale a pena transgredir a norma;
A prevenção, geral e especial, encontra-se prejudicada diante do caso posto em comento, explico.
Frente a tal situação, cabe à Administração se utilizar dos meios de cobrança disponível. No CTB é exigível a cobrança quando do licenciamento do automotor, o que não ocorre em relação às autuações de produto perigosos, como sobredito.
Na espécie, resta ao poder público a inscrição no CADIN, DUA, ou ainda execução fiscal acaso se mantenha a empresa inadimplente.
Eis que, quanto aos débitos abaixo de hum mil reais, com fundamento nos diplomas constantes da tabela supracitada, o poder público fica inerte, aguardando que, um dia, se, caso, o débito alcance o patamar de hum mil reais se promova a respectiva inscrição.
Saliente-se, tamanha é a inação administrativa, que sequer existe um cadastro nacional para estas infrações. Esta afirmação, implica em dizer que mesmo autuado diversas vezes, em unidades federativas distintas, não haverá o respectivo somatório a fim de alcançar o limite mínimo de inscrição em DUA.
A título de exemplo, citamos o caso de uma empresa ser autuada pela Polícia Rodoviária Federal em Sergipe, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, entre outras unidades federadas. Face à inexistência de um sistema de apuração de valores, mesmo autuada em vários estados, e suplantando o somatório das multas o valor para inscrição, esta não se efetuará posto que, o DPRF não possui um sistema que possa identificar que tal veículo possui esse conjunto de infrações de transporte de produto perigoso.
Diante desta situação, acaso o poder público não adote meios eficazes de persuasão na cobrança, a sanção tipificada vira letra morta, incentivando sua transgressão, gerando prejuízo à Administração e à coletividade.
Não estamos perquirindo o custo da medida de inscrição no CADIN e DUA, o que certamente já foi objeto de análise quando da elaboração do art. 1º, I da Portaria MF/2012. O que discutimos é a eficácia da norma sancionatória inserida no Dec. 96.044/88 e Resolução 3.665/2011 ANTT, isto porque, enquanto não ultrapassado o limite de R$ 999,99 (novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos) não há sanção.
Em verdade, a estipulação do valor mínimo para inscrição em DUA ou CADIN toma por base, apenas e tão somente, o valor nominal da dívida, deixando ao largo de analisar o dispêndio da administração com o custo do serviço do poder de polícia, e pior, com o custo social gerado pela aplicação de penalidade sem a devida sanção. A estes argumentos, acrescente-se a necessidade de inserir no âmago destas empresas a necessidade de cumprimento da lei;
Quanto à execução fiscal, seu custo e volume, o congresso laborou na alteração legislativa do parágrafo único do art. 1º da Lei n.° 9.492/97, modificado pela Lei n.° 12.767/2012, autorizando o protesto da CDA, procedimento mais barato e eficaz de recuperação dos créditos fiscais.
Ainda nessa esteira, diminuição de custos e efetividade da cobrança da dívida pública, o TJ/SC em decisão exarada no Agravo de Instrumento[9] n.° 2013.034281-2, abaixo colacionado, passou a entender possível a inscrição de débitos em serviço de proteção ao crédito:
“Se o protesto, em tal contexto, não é vedado, seria um contrassenso obstar que o credor, previamente à propositura da execução fiscal, levasse o nome do inadimplente aos órgãos restritivos, como SPC e SERASA, porque se trata de uma via eficaz de recuperação extrajudicial da dívida e que pode dar importante contribuição à redução significativa do número de processos em curso no judiciário brasileiro.”
(…)
“A providência de negativação, creio eu, é uma das mais eficazes e efetivas para a recuperação de créditos. Imagine-se o alcance disso no âmbito da dívida ativa. Os inadimplentes, ao saberem que irão para o SPC e SERASA, seguramente vão procurar com muito mais intensidade acertar suas pendências.”
Atualmente, observamos que o direito não comporta divisão estanque entre ramo público e privado, há um intercambiamento de relações e princípios.
Conferir somente aos créditos privados a possibilidade de inscrição em cadastro de proteção ao crédito é privilegiar o crédito privado frente ao público, impondo à Administração e coletividade meio mais custoso, prejudicando o erário, e por via de consequência a sociedade;
O dinheiro público é de todos, e necessário para implementação de políticas sociais. Se há tratamento facilitado a ser dado na recuperação dos créditos, este deve ser conferido à Administração tendo em vista a supremacia do interesse público frente ao privado.
No âmbito legislativo, temos que o protesto é classificado pelo art. 1º da Lei 9.492/97, vejamos:
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Nesse diapasão, o termo “título e outros documentos” compreende não só a CDA, mas também documentos que atestem dívida líquida e certa, desde que tenha sido ofertado o contraditório e ampla defesa ao devedor, formalizados em processo próprio, a exemplo das autuações que ora se discute.
3. Conclusão
Frente à problemática exposta, é preciso que a Administração Pública, considerando o princípio da eficiência[10], passe a adotar meios menos onerosos de cobranças de seus créditos, a exemplo da inscrição no SPC/SERASA, assim como faz o comércio, desde que, atendido ao devido processo legal.
Temos que a manutenção da situação como ora se encontra importa em descrédito ao cumprimento da legislação de trânsito, desestímulo à fiscalização, e perda de arrecadação da União, o que precisa ser revisto pelos podres constituídos.
[1]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm
[2] Art. 130. Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semirreboque, para transitar na via, deverá ser licenciado anualmente pelo órgão executivo de trânsito do Estado, ou do Distrito Federal, onde estiver registrado o veículo.
[3] Art. 131. § 2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.
[4]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm
[5]Lei 6830/80 - Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
[6]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10522.htm
[7]http://www3.tesouro.gov.br/legislacao/download/cadin/port685_140906.pdf
[8]http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Portarias/2012/MinisteriodaFazenda/portmf075.htm
[9]http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=20130342812&Pesquisar=Pesquisar
[10]Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Advogado da União. Consultor Jurídico da União no Estado do Acre.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Leonardo Toscano de. Autuações por transporte de produto perigoso e o limite de inscrição da certidão de dívida ativa, um incentivo ao descumprimento da lei Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41031/autuacoes-por-transporte-de-produto-perigoso-e-o-limite-de-inscricao-da-certidao-de-divida-ativa-um-incentivo-ao-descumprimento-da-lei. Acesso em: 22 nov 2024.
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