RESUMO: A definição das espécies normativas reflete o modelo de Estado adotado por um Poder Constituinte, predominando, num modelo de Estado liberal, as sanções negativas. Ao Estado Democrático de Direito, que exige tanto do Estado quanto dos governados uma postura ativa, deve corresponder a adoção de um maior número de sanções positivas. A Constituição Federal de 1988, ao buscar conciliar os interesses da livre iniciativa – de viés liberal – com um extenso rol de direitos de cunho social, optou pelo Estado Democrático de Direito, o que resta evidenciado pelo tratamento dado ao bem ambiental, ao que deveria corresponder à adoção massiva de sanções premiais. No entanto, as previsões legislativas na esfera federal limitam-se à prever a possibilidade da adoção de incentivos, sem contudo conferir efetividade aos comandos constitucionais de proteção ao meio ambiente, mais bem resguardado por normas que incentivam as condutas conforme à norma do que exclusivamente por meio de punições ao seu descumprimento.
Palavras-chave: Liberalismo. Estado Democrático de Direito. Neoliberalismo. Proteção Ambiental. Sanção Premial.
A sucessão histórica de modelos de atuação estatal reflete de maneira direta nas espécies de sanções que predominam num dado ordenamento jurídico, conformando não só o alcance das políticas públicas como a conduta dos cidadãos, em especial relevo na seara ambiental.
De outra parte, ao lado do crescimento econômico, caminha, evidentemente, a busca desmesurada por recursos naturais, levando-os à escassez iminente.
Na análise do tema proposto, procurou-se fazer uma reflexão sobre a problemática referida, acrescida da tese que o meio ambiente é melhor protegido diante da previsão de consequências positivas em favor daquele que pauta seu comportamento de acordo com o que quer a norma jurídica. Para tanto, foram utilizadas fontes escritas, em especial aquelas voltadas para meio ambiente e sua relação com o direito de Estado, além de uma bibliografia geral e específica sobre o tema em tela, acompanhada de posicionamentos pontuais da autora, bem como a utilização da Constituição Federal.
No caso da questão das fontes, é necessário dizer que elas não estão prontas, como queria o positivismo científico. Carecem de análises e interpretações sob várias óticas. Daí a importância de se pesquisar, caso deste trabalho, a relação das espécies de sanções nas normas protetivas ações do meio ambiente à luz da Constituição Federal, para conferir-lhe um sentido político e buscar conferir-lhes maior eficácia.
O presente artigo está estruturado em análise de uma bibliografia geral e específica sobre o tema, da Constituição Federal e de posicionamentos pontuais da autora. Por fim, estão as considerações finais, onde foram retomadas as constatações feitas pela autora.
2 AS ESPÉCIES DE SANÇÕES E O MODELO DE ESTADO
Antes de tratar da eficácia das normas de proteção ao meio ambiente, impende analisar a natureza das sanções presentes no ordenamento jurídico de um determinado Estado.
O Direito é usualmente definido a partir do conceito de sanção, qual seja,
Toda consequência que se agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seu cumprimento obrigatório. Sanção, portanto, é somente aquela consequência querida, desejada, posta com o fim específico de tutelar a regra. (REALE. 1996, p. 260).
Essa consequência mencionada pelo autor se faz necessária porque o Estado, como única fonte de normas jurídicas, necessita de instrumentos para garantir a efetividade das normas que produz.
Nesse passo, é evidente a relevância das sanções para a própria existência de um dado ordenamento jurídico, que podem ser consequência tanto do descumprimento da norma (sanções negativas), quando de sua obediência (sanções premiais, ou positivas).
Cediço que o ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que protege os cidadãos do poder arbitrário, é um instrumento para seu controle e dominação (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 32), refletindo o modelo de Estado adotado pelo poder constituinte e as circunstâncias históricas e sociais em que se encontra o aplicador da norma (REALE, 1996, p. 583).
Nas palavras de Calmon de Passos (2013, p. 120 e 140),
[...] os homens só podem sobreviver em sociedade e [...] para isso é indispensável a existência de regulação social, possibilitadora da convivência da liberdade que é cada homem enquanto indivíduo. Sem coerção, a regulação social é impensável. [...] Assim, o Direito é um dizer prescritivo que se reveste de algo que lhe é específico e não está presente em nenhuma outra modalidade de dizer prescritivo do homem – sua coercitividade institucionalizada [...] por estar associado ao monopólio do uso legítimo da força.
Por conseguinte, o predomínio de um ou outro tipo de sanção deve, em tese, refletir o modelo de Estado adotado por um poder constituinte.
Enquanto perduraram soberanas as ideais liberais, bastava ao Estado uma postura não intervencionista, voltada à preservação de interesses meramente individuais, por meio de restrições e proibições. Não lhe cabia promover o bem-estar social ou restringir a livre iniciativa.
Nesse contexto, o Estado buscava mais impedir comportamentos do que promovê-los (BOBBIO, 2007), restando evidente a primazia de normas que, descumpridas, acarretavam sanções de natureza punitiva, pois “a interferência prescritiva do Estado [devia] ser mínima” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 120).
Contudo, a despreocupação com o aspecto social característico do liberalismo, ou simplesmente Estado de Direito, revelou-se nefasta, pois o conjunto de direitos e liberdades que pregava era garantido apenas sob o aspecto formal.
Surgiu, assim, a necessidade do intervencionismo estatal, e o Estado liberal “torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento [...] e a realização da justiça social” (SUNDFELD, 2006, p. 38-39).
A partir da década de 1970, também o Estado Social entrou em crise, em razão de sua expansão desordenada, da explosão demográfica, do envelhecimento populacional e da globalização econômica, perdendo o domínio da economia e a capacidade de formular e implementar políticas públicas (LEITE, 2012).
Nesse ponto, preceitua Carlos Henrique Bezerra Leite (2012, p. 153),
surge [...] o Estado Democrático de Direito, [...] cujos fundamentos se assentam não apenas na proteção e efetivação dos direitos humanos de primeira (direitos civis e políticos), e segunda (direitos sociais, econômicos e culturais) dimensões, mas também nos direitos de terceira dimensão (direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos).
Por conseguinte, objetiva o Estado Democrático de Direito a composição de interesses contrapostos, sem olvidar da tutela dos direitos individuais e coletivos lato sensu.
Observa Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2008. p. 28):
Passou-se a reclamar um papel ativo do Estado no socorro dos valores ambientais, conferindo outra noção ao conceito de desenvolvimento. A proteção do meio ambiente e o fenômeno desenvolvimentista (sendo composto pela livre iniciativa) passaram a fazer parte de um objetivo comum, pressupondo a convergência de objetivos das políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural e de proteção ambiental.
Nesse passo, a concretização dos valores do Estado Democrático de Direito exige uma postura ativa do Estado, como regulador e fiscalizador da atividade econômica.
Dentre os instrumentos postos à sua disposição para tanto, destacam-se as chamadas sanções positivas, normas que visam garantir prêmios e incentivos para aquele que pratica uma conduta tida como desejável pela ordem jurídica, de forma a tornar a observância da norma mais vantajosa do que sua violação.
Sobre tal instituto, preceitua Norberto Bobbio (2007, p. 13):
[...]é possível distinguir, de modo útil, um ordenamento protetivo-repressivo de um promocional com a afirmação de que, ao primeiro interessam, sobretudo, os comportamentos socialmente não desejados, sendo seu fim precípuo impedir o máximo possível a sua prática; ao segundo, interessam, principalmente, os comportamentos socialmente desejáveis, sendo seu fim levar a realização destes até mesmo aos recalcitrantes.
Assim, a introdução das sanções positivas num ordenamento jurídico passa necessariamente pela mudança de paradigma na produção normativa, exigindo também uma postura ativa dos indivíduos, que devem pautar sua conduta pelas exigências do bem comum.
Nesse ponto reside o caráter democrático das sanções premiais, que são, como preceitua Darci Guimarães Ribeiro (apud FURLAN, 2008, p.184):
[...] uma forte característica do Estado Democrático de Direito, na medida em que este persegue novos fins para a realização do ordenamento jurídico através do incremento de normas de organização que incentivem os indivíduos em sociedade a cumprirem ou superarem as expectativas dos preceitos normativos.
À opção de um poder constituinte pelo Estado Democrático de Direito deveria, por conseguinte, corresponde a produção predominante de normas cujo cumprimento acarretaria uma sanção premial, sem excluir, evidentemente, a aplicação de sanções negativas pelo descumprimento da regra.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003, p. 121), acrescenta:
Ora, o Estado contemporâneo, caracterizado por sua extensiva intervenção no domínio econômico, tornou a tese da essencialidade da sanção, no sentido de um ato de coação enquanto um mal, demasiadamente estreita. Hoje se fala, cada vez mais, de sanções premiais, como são, por exemplo, os incentivos fiscais, cuja função é o encorajamento de um ato (sanção-prêmio) e não o seu desencorajamento (sanção-castigo).
Por conseguinte, a adoção de normas veiculadoras de sanções positivas revela seu evidente caráter democrático, na medida em que estimula a participação da sociedade na gestão dos bens tidos como relevantes pela ordem constitucional. A adoção dessa técnica é mais consentânea com o Estado Democrático de Direito, já que exige uma postura ativa tanto do Estado como da sociedade.
3 O BEM AMBIENTAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E AS SANÇÕES PREMIAIS
Adotando os ideais do Estado democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 buscou conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental, e para tanto erigiu a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica em seu artigo 170, VI:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. (BRASIL, 1988).
A exploração dos recursos naturais deve observar, por conseguinte, a limitação imposta pelo artigo 225 daquele diploma, que preceitua o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, ao afirmar que “[t]odos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, [...] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).
Na lição de André Ramos Tavares,
a exploração dos recursos naturais necessários ao desenvolvimento econômico do país deve ser pautada pelas diretrizes do chamado desenvolvimento sustentável, opondo-se à devastação ambiental inconsequente e desmedida. É, pois, um limite expresso ao desenvolvimento econômico... (2006, p. 186).
Da conjugação daqueles dispositivos, é possível depreender a postura conciliatória e democrática adotada pelo constituinte brasileiro que, de um lado, destacou a importância da livre iniciativa, de viés eminentemente liberal, e de outro atribuiu natureza difusa e transgeracional ao bem ambiental, determinando sua proteção como necessário ao bem-estar social.
Com efeito, se o meio ambiente é essencialmente ligado às relações sociais, pois imprescindível ao bem-estar das presentes e futuras gerações, sua proteção não busca impedir o desenvolvimento econômico, mas antes imprimir-lhe fórmulas sustentáveis, pois ambos visam atingir a adequada qualidade de vida.
E, diante da constatação da finitude dos recursos naturais em face das infinitas necessidades humanas, surge a noção de desenvolvimento sustentável, buscando conferir adequado regramento e racionalidade à sua exploração.
Para a efetivação dos direitos que consagra, a Constituição Federal de 1988 exige expressamente uma postura ativa do Estado, ao indicar meios e instrumentos para o alcance dos princípios fundamentais, especialmente no seu título VIII, relativo à Ordem Social.
Edis Milaré (2009, p.156-158) pontua:
[...] [possui] o Poder Público um dever constitucional, geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, isto é, de zelar pela defesa (defender) e preservação (preservar) do meio ambiente. Não mais, tem o Poder Público uma mera faculdade na matéria, mas está atado por verdadeiro dever. Quanto à possibilidade de ação positiva de defesa e preservação, sua atuação se transforma de discricionária em vinculada.
A despeito da importância que alçaram os direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira, dentre eles o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a realidade está aquém do que exige a Constituição Federal.
O arcabouço legislativo não tem sido suficiente para frear a degradação ambiental, e a utilização da sanção premial não é adotada de forma veemente, em especial na seara ambiental, onde a "a maciça maioria das normas [...] é de cunho protetivo-repressivo” (FURLAN, 2008, p.14).
Tal postura reflete ainda uma exacerbada valoração do capital em detrimento do bem-estar social, ou como alertava Calmon de Passos (2013, p. 57) “[o] conhecimento não foi posto como um ganho social [mas] cooptado pelo sistema capitalista e colocou-se a serviço de sua lógica implacável...”, o que, a toda evidência, não corresponde à postura conciliatória do Estado Democrático de Direito.
Com efeito, as políticas governamentais de modernização agrícola da década de 1970 criaram extensas áreas para monocultura, ao mesmo tempo em que expulsaram grandes contingentes de mão-de-obra do campo para a cidade e ampliaram o desmatamento, em prol do incremento da produção industrial.
Ainda, as inspirações liberais - agora sob o rótulo neoliberalismo - retornaram com grande fôlego, especialmente a partir de 1989, quando economistas do Fundo Monetário Internacional - FMI e do Banco Mundial passaram a pregar um conjunto de medidas que previa, dentre outras recomendações, a redução de gastos sociais e da presença estatal na economia, firmes na ideia de que o estado mínimo a economia de mercado seriam a solução para todos os problemas econômicos e sociais. Chamado de Consenso de Washington, aquelas recomendações rapidamente foram adotadas pelo Brasil, como fizeram diversos países em desenvolvimento, o que refletiu na gestão do bem ambiental em busca do aumento geral da produtividade.
Outrossim, o espírito coletivo que perpassa a constituição brasileira não refletiu na conduta da população que, em regra, ainda pauta suas ações pelo individualismo, muito querendo em seu favor e pouco fazendo pelo todo. Não é demais lembrar que, se a inspiração do constituinte brasileiro foi evidentemente empreender relevo aos ideais democráticos, muito se previu a título de direitos, pouco de deveres.
É neste ponto que se revela mais eficaz para a proteção dos interesses da coletividade a adoção das sanções premiais, como esclarece Rômulo Soares Valentini (2012, p. 40):
a grande vantagem da utilização desse sistema [consiste em] canalizar o pensamento economicista e o individualismo exacerbado da sociedade contemporânea para garantir o cumprimento das normas jurídicas. [...] Enquanto em um modelo de ordenamento jurídico meramente repressivo tende a predominar uma relação conflituosa - na qual os jurisdicionados buscam esconder suas atividades e mascarar condutas ilícitas de modo a evitar a sanção estatal - no modelo promocional é o próprio jurisdicionado que buscará expor suas ações e condutas para o Estado, de modo a comprovar o cumprimento das normas e, consequentemente, ser beneficiado com o prêmio correspondente.
Destarte, numa sociedade que considera o dinheiro um de seus maiores valores, a utilização das sanções positivas nasce da constatação da insuficiência da imposição de punições para evitar danos advindos das condutas lesivas à coletividade, em especial ao meio ambiente. A adoção de estímulos ao agir conforme o que quer a norma tem como consequência direta conferir cunho democrático ao comportamento de seus destinatários.
De outra parte, no que concerne ao meio ambiente, a simples punição das condutas desviantes não é a postura mais adequada, pois, ocorrido o dano, sua reparação dificilmente estabelecerá o status quo ante.
Além disso, a titularidade difusa conferida ao bem ambiental pela Constituição Federal tem contribuído mais para sua degradação do que para a sua preservação, pois, a lógica individualista tem estimulado o empreendedor a apropriar-se dos bens de produção de forma ilimitada, na medida em que o faz sentir-se dono absoluto daquele potencial.
A adoção de sanções positivas na seara ambiental nada mais é do que a efetiva aplicação do princípio do protetor-recebedor, cuja definição nos dá Célia Regina Ferrari Faganello (apud FURLAN, 2008, p. 229/230):
De acordo com o princípio protetor-recebedor, o agente público ou privado que protege um bem natural em benefício da comunidade, devido a práticas que conservam a natureza, deve receber os benefícios como incentivo pelo serviço de proteção ambiental prestado. São exemplos de tais benefícios: a compensação – a transferência de recursos financeiros dos beneficiados de serviços ambientais para os que, devido a práticas que conservam a natureza, fornecem esses serviços; o favorecimento na obtenção de crédito; a garantia de acesso a mercados e programas especiais; a isenção de taxas e impostos e a disponibilização de tecnologia e capacitação, entre outros.
Alguns diplomas federais brasileiros, ainda que de maneira tímida, revelam a adoção daquele princípio.
De início, destaca-se a 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), que em seu artigo 12 estabelece a necessidade de prévio licenciamento ambiental para empresas que pretendam obter financiamentos públicos, exigindo que constem dos respectivos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e a melhoria da qualidade do meio ambiente.
Por sua vez, a Lei 9.984/2000 dispõe, em seu artigo 4º, XVII que cabe à Agência Nacional de Águas-ANA propor ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos o estabelecimento de incentivos, inclusive financeiros, à conservação qualitativa e quantitativa de recursos hídricos.
De igual importância ainda a Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, que menciona expressamente a adoção do princípio do protetor-recebedor em seu artigo 6º, e elenca diversos instrumentos de incentivos econômicos, financeiros e creditícios às práticas de preservação ambiental.
Por derradeiro, a Lei 12.727/2012 alterou a Lei 12.651/2012 (Código Florestal), acrescentando-lhe o art. 1º-A, parágrafo único, VI, erigindo como princípio norteador daquele diploma “a criação e mobilização de incentivos econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis” (BRASIL, 2012).
A Lei 12.651/12 ainda prevê, em seu capítulo X, intitulado “Do programa de apoio e incentivo à preservação e recuperação do meio ambiente”, pagamentos ou incentivos a serviços ambientais; compensações diversas pelas medidas de conservação ambiental.
Evidentemente, a tarefa legislativa não se exaure naqueles diplomas, que se limitaram a prever de forma genérica a possibilidade da adoção das sanções premiais. É necessário não só regulamentá-los e aplicá-los, como também criar outros de caráter promocional.
Por certo que a adoção de estímulos ao comportamento ambientalmente correto não exclui a aplicação de punições para aquele que descumprir os comandos legais. Contudo, tem o poder de conformar os comportamentos dos titulares/usuários do bem ambiental às exigências do bem comum de maneira mais efetiva, conferindo eficácia aos comandos constitucionais de proteção ao meio-ambiente.
Urgente a edição de um maior número de normas de índole promocional, seja porque mais adequadas ao Estado Democrático de Direito, seja porque revelam um espírito conforme com a postura participativa que quer a Constituição Federal do Estado e do cidadão.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa visão essencialmente liberal-individualista, os bens ambientais sempre foram tidos como ilimitados e gratuitos. Ao Estado, bastava tutelar as liberdades individuais e aplicar sanções punitivas àqueles que transgredissem as normas proibitivas.
No entanto, essa conduta meramente negativa revelou um descompasso com a realidade, evidenciada pela crescente degradação ambiental.
Com o surgimento do Estado Social e, posteriormente, do Estado Democrático de Direito, bem como ante o desenvolvimento tecnológico e o crescimento populacional, tornou-se necessária uma postura ativa do Estado, a fim de efetivar direitos individuais e coletivos latu sensu.
Essa foi a opção da Constituição Federal de 1988 que, à par de sua índole essencialmente democrática, trouxe um extenso rol de direitos, dentre eles a valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, privilegiando a ideia de desenvolvimento sustentável.
Contudo, esse espírito conciliatório não refletiu na produção legislativa de maneira veemente, e prevalecem ainda no ordenamento jurídico brasileiro as normas de cunho repressivo, o que revela ainda a prevalência dos interesses individuais, de inspiração liberal, em descompasso com o do Estado Democrático de Direito.
Assim, à opção democrática, deve corresponder uma postura ativa tanto do Estado como do indivíduo, pelo que o Direito deve assumir um viés mais ativo em sua função promocional, incentivando comportamentos desejáveis por meio da adoção das sanções positivas.
A utilização das sanções positivas, por certo, não exclui a responsabilização das condutas desviantes por intermédio das sanções punitivas; antes, dá relevo àquela postura conciliatória, própria da composição de interesses adotada na Constituição Federal de 1988.
Ademais, é evidente que a adoção exclusiva de normas protetivo-repressivas não tem garantido o efetivo respeito ao meio ambiente, eleito pelo Constituinte como bem de extrema relevância, em face de sua importância para a sobrevivência das presentes e futuras gerações.
Nesse passo, adquire ainda maior importância a previsão das sanções positivas, conformando os interesses individuais às exigências do bem comum, em nítida aplicação do princípio do protetor-recebedor, destacando a necessidade de criação de um maior número de normas dessa espécie.
O Estado, ao valorizar e incentivar a postura ativa do destinatário das normas ambientais por meio da sanção premial, nada mais faz do que dar efetividade ao espírito democrático pelo qual optou a Constituição Federal de 1988, harmonizando o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente.
Necessária, assim, uma mudança de paradigma, seja do legislador, seja do indivíduo, dando-se relevância à função promocional do direito, privilegiando-se a produção de normas que exijam uma postura democrática e de acordo com as exigências do bem comum.
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Analista Judiciária - Justiça Federal do Paraná, especialista em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, Ariane. Estado democrático de direito e proteção ambiental: a adoção das sanções Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41044/estado-democratico-de-direito-e-protecao-ambiental-a-adocao-das-sancoes. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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