É interessante notar que independentemente da espécie de parecer, vinculante ou não, obrigatório ou facultativo, poderá haver responsabilização do seu autor. É o que se verá a seguir.
Hely Lopes Meirelles traz a seguinte lição:
O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subseqüente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.[1]
Esclarece ainda:
O parecer, embora contenha um enunciado opinativo, pode ser de existência obrigatória no procedimento administrativo e dar ensejo à nulidade do ato final se não constar do processo respectivo, como ocorre, p.ex., nos casos em que a lei exige prévia audiência de um órgão consultivo, antes da decisão terminativa da Administração. Nesta hipótese, a presença do parecer é necessária, embora seu conteúdo não seja vinculante para a Administração, salvo se a lei exigir o pronunciamento favorável do órgão consultado para a legitimidade do ato final, caso em que o parecer se torna impositivo para a Administração. (2003, p. 189).
Celso Antônio Bandeira de Mello descreve o parecer como “a manifestação opinativa de um órgão consultivo expendendo sua apreciação técnica sobre o que lhe é submetido” e os inclui também entre os chamados atos de instrução, que, dentro do procedimento (ou processo) administrativo, “se destinam a instrumentar e preparar as condições de decisão, tais as informações, perícias, documentações, pareceres, “acertamentos etc.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 391, 393, grifo nosso).
Embora ambos os doutrinadores caracterizem o parecer como uma manifestação de caráter opinativo, é certo que a lei pode conferir-lhe uma natureza vinculante, como ressaltou Hely Lopes Meirelles ao afirmar que o parecer “pode se tornar impositivo para a Administração.” (2003, p. 189).
O artigo 42 da Lei 9.784/99 reconhece expressamente a possibilidade de um parecer ser vinculante ou não vinculante, obrigatório ou facultativo. Nesses termos:
Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo.
§ 1o Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.
§ 2o Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
Pode-se dizer que no parecer não vinculante, o administrador não está obrigado a acolher o direcionamento dado pelo parecerista. Funciona como um “norte jurídico” a ser seguido ou não pela autoridade pública. Já no parecer vinculante, a escolha jurídica eleita pelo advogado obriga o administrador, que não poderá contrariar o seu conteúdo. Ademais, a lei pode considerar o parecer obrigatório ou facultativo. Sérgio Ferraz e Adilson de Abreu Dallari observam que:
A distinção que efetivamente pode ocorrer é entre pareceres obrigatórios ou facultativos. Em determinadas situações as normas sobre processo administrativo podem determinar a obrigatória emissão de um parecer jurídico antes da tomada de decisão. Em outras situações pode ficar a cargo de quem decide a opção entre solicitar ou não um parecer jurídico. De qualquer forma, quem decide tem o poder/dever de fazê-lo, tendo também a livre convicção e a responsabilidade disso decorrente.[2]
Ocorre que, como já se disse, seja o parecer opinativo ou vinculante, obrigatório ou facultativo, o dever do parecerista é o mesmo, atender ao interesse público por meio de uma orientação jurídica correta.
A função do advogado não é apenas de opinar, aconselhar, é dar uma solução jurídica adequada para o caso, conforme à lei e à Constituição.[3] Se o administrador irá seguir ou não a orientação, não é da alçada do advogado, porém, cumpre a ele fazer a sua parte, sob pena de, no mínimo, violar dever funcional.
Não haveria razão de o Estado possuir todo um corpo de advogados, com mera função opinativa e descompromissada com o resultado final. O Estado não precisa de agentes que tenham apenas a função de palpitar, a existência desses profissionais no quadro de servidores justifica-se pelo fato de estarem habilitados a demonstrar o direito vigente em cada caso concreto.[4]
Paulo Luiz Netto Lôbo, ao falar da responsabilidade civil do advogado, ressalta que:
Na hipótese de consulta jurídica, o conselho insuficiente deve ser equiparado à ausência de conselho, sendo também imputável ao advogado a responsabilidade civil. O parecer não é apenas uma opinião, mas uma direção técnica a ser seguida, e, quando é visivelmente colidente com a legislação, a doutrina ou a jurisprudência, acarreta danos ao cliente que o acompanha. (2002, p. 176, grifo nosso)
Cumpre anotar que no parecer vinculante, com muito mais razão, poderá haver responsabilização do advogado, pois o eventual ato inválido estará embasado inteiramente no parecer. No opinativo, mesmo que o administrador não seja obrigado a acatá-lo, se assim o fizer, e se o conteúdo do parecer induzir à prática de um ato contrário à lei, por dolo ou culpa grave do seu elaborador, não há razão para eximi-lo de responsabilidade. Nesse último caso, ainda que o administrador não acolha o parecer assim formulado, poderá ser caracterizada violação de dever funcional. O mesmo se diga na hipótese de um parecer ininteligível ou sem fundamentação.
O parecer pode até ser dispensável pela lei, mas se for elaborado, o seu autor deve responder pelo seu conteúdo e pelos efeitos que ele gerar. Por que não haveria de responder o advogado público nessa circunstância? O fato do administrador poder adotar ou não a manifestação jurídica não retira o dever de cumprir com sua obrigação, demonstrando a via legal cabível. Cumpre haver, entretanto, um nexo causal entre o parecer e o ato ilícito. O administrador deve nele se embasar para caracterizar a responsabilidade do parecerista. Porém, mesmo que não haja nenhuma relação causal, se posteriormente for constatada que a atuação do advogado público foi aquém da esperada de um servidor, essa conduta, por si só, poderá gerar responsabilização funcional, como nos exemplos do parágrafo acima.
É evidente que no parecer vinculante a responsabilidade do advogado público ficará ainda mais ressaltada, sendo certo que poderá servir até como uma excludente de responsabilidade para o agente administrativo prolator do ato final. Carlos Pinto Coelho Mota assim sustenta:
[...] a finalidade da assessoria jurídica interna é justamente esta: instrumentalizar as decisões do ordenador, dando-lhe suporte e segurança jurídicos; motivo pelo qual é inaceitável a responsabilização deste, caso tenha decidido com amparo em parecer jurídico.[5]
O Professor Márcio Cammarosano afirma, no mesmo sentido:
[...] se determinada autoridade administrativa decide por expedir este ou aquele ato, celebrar este ou aquele contrato, baseando-se em parecer jurídico que solicita, emitido por profissional do próprio quadro de servidores ou a ele estranho, e desde que o parecer que se lhe apresenta esteja redigido em termos tais que lhe possa inspirar confiança, considerando-o com a prudência que é de se esperar do bom administrador, esse mesmo administrador não poderá ser responsabilizado se porventura sua decisão vier a ser anulada pelo Judiciário ou considerada ilegal pelo Tribunal de Contas.[6]
E continua o nobre administrativista:
Não se pode esquecer de que responsabilidade pessoal do administrador público só há se tiver agido com dolo ou culpa. Se decide com base em parecer do qual, de acordo com seu prudente critério, e em face do que consta do processo administrativo em que tenha sido juntado, não tem por que desconfiar, mesmo porque aparentemente bem fundamentado e com conclusões plausíveis, não pode ser punido. (1997, p. 229).
O Tribunal de Contas da União traz diversos julgados neste sentido (TCU, TC n.° 016.626/94-0; TCU, TC n.° 25.707/82-5; TCU, TC n.° 004.797/95-7), eximindo o administrador de responsabilidade se respaldado em parecer jurídico.
Conclui-se daí que, se o administrador não responde, por estar amparado em parecer bem fundamentado, de tese jurídica razoável, a responsabilidade poderá recair, num primeiro momento, sobre o parecerista, independentemente da espécie de parecer. Comprovado o dolo ou a culpa grave, suportará as conseqüências de sua irregular manifestação.
O artigo 38 da Lei 8666/93 traz hipótese de parecer obrigatório e vinculante: “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.” Ao comentar esse dispositivo Marçal Justen Filho defende a responsabilidade pessoal e solidária da assessoria jurídica. Afirma que:
[...] há dever de ofício de manifestar-se pela invalidade, quando os atos contenham defeitos. Não é possível os integrantes da assessoria jurídica pretenderem escapar aos efeitos da responsabilização pessoal quando tiverem atuado defeituosamente no cumprimento de seus deveres: se havia defeito jurídico, tinham o dever de apontá-lo.[7]
Diz ainda: “[...] poderá (deverá) punir-se o servidor público que adota interpretação contrária ao Direito, aberrante, ou se o prolator do parecer desvirtuar os fatos ocorridos, adotando versão não fundada em documentos ou provas.” (2004, p. 372, 373).
Entretanto, cumpre ressalvar que a responsabilidade só será solidária, se não for possível afastar a culpa do administrador, pois, conforme se anotou, situações há em que o parecer exclui totalmente a responsabilização do agente público. Diante da impossibilidade do agente estatal constatar a ilegalidade do edital ou do contrato, os reflexos da invalidação serão suportados exclusivamente pela assessoria jurídica.
Por tudo o que se disse até agora, a fundamentação do Senhor Ministro Carlos Velloso nos autos do Mandado de Segurança n.° 24.073-3, livrando a assessoria jurídica de responsabilidade por conta da natureza jurídica do parecer, mostra-se equivocada. Uma das razões de decidir foi a seguinte: “o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa [...]”[8] Todavia, apesar da natureza do parecer, poderia ter havido responsabilização, em caso de dolo ou culpa grave dos advogados. No caso, esta não houve, com razão, em virtude de órgão técnico ter prestado informação inverídica ao corpo de advogados. Esse órgão declarou que só uma empresa tinha condições de contratar com a Administração, constatando-se posteriormente que essa informação não se sustentava.[9]
Por fim, cumpre mais uma vez trazer à baila as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Os pareceres alocam-se no campo da administração consultiva e configuram atos que visam a informar, elucidar, questões a serem decididas por outros órgãos [...] Nada resolvem e também não contêm em si nem autorização para a prática de outros atos, nem aprovação, ratificação ou homologação deles. Não é sua tipologia. São simplesmente juízos técnicos que elucidam as autoridades competentes para adotarem as providências de suas respectivas alçadas. Assim, não reproduzem o conceito literal apontado na lei para identificação dos sujeitos passivos de ação popular.[10]
Contudo, apesar desse entendimento, é interessante constatar que o consagrado jurista não isenta o parecerista de responsabilidade:
Nada obstante, o que se quer realçar é que o autor do parecer não poderá ser responsabilizado pelo ato profligado na ação popular a menos que haja incorrido em imperícia ou eventualmente em imprudência ou negligência ou – pior que isto – em dolo.[11]
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro, 28 ed. atual., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 189.
[2] FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 145.
[3]Conforme ressalta o professor Ricardo Marcondes: “toda função estatal consiste no cumprimento da Constituição Federal, mais especificamente, na aplicação dos princípios constitucionais.” MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, p. 42.
[4] O parecer é um ato administrativo opinativo, conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que ora se adota. Todavia, deve ser conferido aos pareceres da Advocacia-Geral da União e das demais Procuradorias Jurídicas dos Estados e Municípios o caráter vinculante. O advogado público é quem mais tem condições de aferir a conformidade do ato com a legislação em vigor, seja em decorrência da habilitação jurídica, seja por força do vínculo que os une ao Estado. Já o administrador não necessariamente possui habilitação técnica, além de manter um vínculo temporário com a Administração. O que preserva mais o interesse público? Qual a razão de se manter uma equipe de advogados com preparação para descrever o direito, se seus pareceres não vinculam os demais agentes? Cumpre assim reformular-se a legislação atribuindo expressamente a essas manifestações jurídicas força vinculante.
[5] Motta, Carlos Pinto Coelho.Responsabilidade e Independência do Parecer Jurídico e de seu Subscritor. Fórum Administrativo - Direito Público - FADM, Belo Horizonte, n. 21, ano 2 nov. 2002.
[6] CAMMAROSANO, Márcio. Da responsabilidade de autoridades governamentais por atos que expedem tendo por suporte pareceres jurídicos, e dos autores destes. ILC n. 37, mar. 1997, p. 229.
[7]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10. ed. São Paulo:Dialética, 2004 , p. 372.
[8]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucional. Administrativo. Mandado de Segurança n.° 24.073-3/Distrito Federal. Sessão Plenária. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 6 de novembro de 2002.
[9] Ibid.
[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Considerações sobre a ação popular. RTDP, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 63.
[11] Ibid., loc. cit.
Procurador Federal - AGU, ex-Procurador do Município de Praia Grande e especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RUFINO, Fernando Bianchi. A responsabilidade do advogado público no parecer vinculante e no não vinculante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 out 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41121/a-responsabilidade-do-advogado-publico-no-parecer-vinculante-e-no-nao-vinculante. Acesso em: 22 nov 2024.
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