Nas atividades de consultoria ou assessoria, o parecerista pode ferir mais de uma norma jurídica e assim atingir mais de um bem tutelado pelo direito. É o que esclarece Mônica Nicida Garcia:
Considerando-se que uma mesma ação humana pode estar submetida a diversas normas, cada uma delas reguladora e protetora de um bem da vida, pode-se concluir que, com uma só ação, uma pessoa poderá ocasionar ofensa a diversos bens, tutelados por diversas normas, devendo arcar com diversas conseqüências. Daí o reconhecimento da existência de esferas de responsabilidade, que podem ser invocadas simultaneamente, sem que uma exclua a outra, ainda que uma só seja a ação humana.[1]
Assim, o advogado público poderá ser responsabilizado na esfera cível, penal ou administrativa, se na elaboração de parecer jurídico praticar crime, violar dever funcional ou ocasionar dano à Administração ou a terceiros.[2] [3] No presente artigo, cuidaremos a responsabilidade administrativa.
Pressuposto genérico de responsabilização
Só há que se falar em responsabilização do advogado público, elaborador de parecer jurídico, se houver falha na prestação desse serviço. Pode-se comparar essa situação a falha na prestação do serviço público. Celso Antônio Bandeira de Mello expõe que: “ocorre a culpa do serviço ou “falta de serviço” quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, p. 844). Nessas circunstâncias não há que se falar em responsabilidade objetiva do Estado[4]. Explica o mestre que:
Há responsabilidade objetiva quando basta para caracterizá-la a simples relação causal entre um acontecimento e o efeito que produz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido. (2002, p. 847).
Assim, verificado objetivamente que as atividades de consultoria ou assessoria não foram prestadas a contento, passo seguinte será aferir-se se houve dolo ou culpa por parte do advogado. É crucial, portanto, a demonstração do elemento subjetivo do ato, seja a responsabilidade civil, penal ou administrativa.
No dolo o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo (art. 15 do Código Penal). Ensina Magalhães Noronha que “age dolosamente quem atua com conhecimento ou ciência de agir no sentido do ilícito ou antijurídico, ou, numa palavra: com conhecimento da antijuridicidade do fato.”[5] E esclarece: “conhecimento da antijuridicidade é a ciência de se opor à ordem jurídica, é a convicção de incorrer no juízo de reprovação social.”[6] O ilustre penalista ainda assevera: “a boa fé exclui o dolo, pois ela é a crença sincera e honesta de agir no sentido do lícito ou permitido.”[7]
Na culpa o resultado lesivo não é pretendido pelo agente, mas esse decorre de imprudência, negligência ou imperícia. Conforme esclarece Sílvio de Salvo Venosa:
[...] o agente não prevê o resultado, mas há previsibilidade do evento, isto é, o evento, objetivamente visto, é previsível. O agente, portanto, não prevê o resultado; se o previsse e praticasse a conduta, a situação se configuraria como dolo. (2003, p. 592).
Na elaboração de parecer jurídico, o dolo se caracteriza pela intenção deliberada de violar norma jurídica ou em assumir o risco de transgredi-la. Casuisticamente, pode-se imaginar diversas condutas: aprovar minuta de edital viciado para beneficiar alguém; induzir conscientemente o administrador a firmar contrato ilegal para prejudicá-lo; em processo disciplinar, sugerir a aplicação de pena desarrazoada e ilegal, por vingança, por antipatia ao réu, etc.
A culpa se verifica na imprudência, negligência ou imperícia. A imprudência verifica-se na conduta de analisar uma questão jurídica sem o devido zelo e cuidado. E. Magalhães Noronha esclarece que:
[...] a imprudência tem forma ativa. Trata-se de um agir sem a cautela necessária. É forma militante e positiva de culpa, consistente no atuar o agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, já por não atentar para a lição dos fatos ordinários, já por não perseverar no que a razão indica etc. (1980, p.152).
Paulo Luiz Netto Lôbo assevera que “o advogado tem obrigação de prudência (obligation de prudence).” (NETTO LÔBO, Paulo Luiz. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 176). E exemplifica: “Incorre em responsabilidade civil o advogado que, imprudentemente, não segue as recomendações do seu cliente nem lhe pede instruções para segui-las.” (2002, p. 152). É imprudente o advogado público que analisa às pressas um edital de licitação, embora pudesse fazer com mais vagar e atenção.[8]
A negligência, como esclarece E. Magalhães Noronha:
[...] é inação, inércia e passividade. Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica). Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso. (1980, p. 152).
Assim, é negligente o procurador público que não lê todas as cláusulas de uma minuta de contrato, que não fundamenta um parecer, que não se certifica da legislação e da jurisprudência em vigor em situação complexa, etc..
Imperito, socorrendo-se ainda das lições do nobre penalista, “é quem não possui o cabedal normalmente indispensável ao exercício de uma profissão.” (1980, p. 153). A imperícia pode ser verificada no profissional que não consegue expressar de forma razoável, inteligível, a solução jurídica para o problema em questão. É imperito também o parecerista que confere legalidade a um ato, flagrantemente inconstitucional por despreparo.
Deve-se frisar que seja a conduta dolosa ou culposa (na modalidade de culpa grave), haverá responsabilização. Todavia, o ato praticado com intenção deverá sofrer uma reprimenda maior do direito do que um ato cometido sem dolo. De todo modo, repudia-se aqui a responsabilidade objetiva, que prescinde da caracterização de dolo ou culpa, bastando o dano [9] e o nexo causal.[10]
Sílvio de Salvo Venosa leciona: “o advogado deve responder por erros de fato e de direito cometidos no desempenho do mandato.” (2003, p. 176). Esclarece, no entanto, que “o exame da gravidade dependerá do caso sob exame.” (2003, p. 176). Diz ainda:
O erro do advogado que dá margem à indenização é aquele injustificável, elementar para o advogado médio, tomado aqui também como padrão por analogia ao bonus pater familias. No exame da conduta do advogado, deve ser aferido se ele agiu com diligência e prudência no caso que aceitou patrocinar. (2003, p. 176).
Diante da relevância das funções atribuídas ao advogado público, da complexidade das questões que lhes são afetas diariamente, da necessidade de se proporcionar a esses profissionais um ambiente tranqüilo de atuação, sem a sombra permanente da preocupação quanto a uma eventual responsabilização funcional (sem o receio, o medo da punição), que muito prejudica o cumprimento de sua missão, é que se deve apenar esses operadores do direito apenas nas hipóteses de culpa grave ou dolo.
Nesse sentido, para responsabilizar-se o advogado público, deve restar caracterizada a culpa grave, que nas lições de Washington de Barros Monteiro “é a falta imprópria ao comum dos homens, é a modalidade que mais se avizinha do dolo.”[11]
Cumpre ressaltar o que dispõe o artigo 34 da Lei Complementar 73: “Qualquer pessoa pode representar ao Corregedor-Geral da Advocacia da União contra abuso, erro grosseiro, omissão ou qualquer outra irregularidade funcional dos Membros da Advocacia-Geral da União.”
Esse dispositivo legal ressalta o erro grosseiro como objeto de investigação da Corregedoria-Geral da Advocacia da União. É fato que o artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal, ao tratar do direito de regresso, não estabelece nenhuma distinção entre culpa grave, leve ou levíssima.[12] No entanto, a questão da responsabilidade deve ser interpretada em consonância com a relevância das atribuições conferidas pela própria Constituição a alguns agentes públicos. Nesse sentido, é a lição de Marcelo Rogério Barragat:
É preciso notar que, o maior grau de complexidade e alto nível das decisões a cargo dos membros das procuraturas constitucionais induzem a uma responsabilidade coerente com seus atos. De fato, a responsabilidade por erro daqueles que exercem funções menos complexas, em atos na maioria das vezes absolutamente vinculados, é totalmente diferente da responsabilidade de quem decide, à luz de fatos e conceitos complexos, matérias de alta indagação e atribuições de altíssimo relevo que a própria Constituição lhes cometeu. Se estiverem sob a ameaça constante da punição, de uma espada de Dâmocles, terão o justo receio de decidir. Isso causaria um verdadeiro engessamento do Estado, pelo razoável receio, quando da tomada de decisões, com aumento do número de consultas às Cortes de Contas; de indeferimentos administrativos; de litígios ineficientes e desnecessários. A sua responsabilização deve existir, como para todo e qualquer agente público, mas para os casos de dolo ou má-fé (ou erro crasso, conquanto hipótese que constitui forte indício daqueles), como característico dos agentes públicos. (2006, p. 6825).
Pode-se dizer que o erro não-grosseiro será suportado pelo Estado, pois essa atividade traz uma margem esperada e inevitável de erros, cujas conseqüências devem recair sobre toda a sociedade (e não exclusivamente sobre o operador do direito). Essas falhas dentro dessa margem previsível são aceitáveis.
De todo modo, a intensidade da culpa deve ser levada em consideração na responsabilização do agente, e contrastada com as demais circunstâncias de cada caso, como se verá mais adiante.
Responsabilidade Administrativa [13]
Hely Lopes Meirelles ensina que a responsabilidade administrativa “é a que resulta da violação de normas internas da Administração pelo servidor sujeito ao estatuto e disposições complementares estabelecidas em lei, decreto ou qualquer outro provimento regulamentar da função pública.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro, 28 ed. atual., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 470).
Porém, diante da ordem constitucional em vigor e da consagração do princípio da legalidade, regente da Administração Pública, só há que se falar em responsabilidade administrativa diante de violação legal. A violação a preceito infralegal só gerará eventual responsabilização se acarretar por via reflexa infração à lei. É uma decorrência direta do princípio da legalidade esculpido no artigo 5.ª, inciso II, da CF: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
José Armando da Costa destaca, contudo:
[...] mesmo tendo o Direito Disciplinar índole de Direito Penal geral, não se encontra, com o mesmo rigor do Direito Penal, jungido ao princípio da tipicidade, na medida em que este signifique absoluta correspondência entre a hipótese prevista na lei e o fato cometido pelo agente. [14]
Esclarece que: “o Direito Disciplinar, via de regra, adota o princípio da atipicidade, a menos quando se trate de punição grave, em que deverá predominar o princípio da previsibilidade legal.” (2002, p. 77).
A razão, porém, está com Romeu Felipe Bacellar Filho:
A Constituição de 1988 não se compatibiliza com afirmações do tipo ‘no Direito Administrativo Disciplinar admite-se a atipicidade da infração e a ampla discricionariedade na aplicação da sanção, que é renunciável pela Administração, possibilidades inconcebíveis em Direito Penal'. Afinal, o princípio da reserva legal absoluta em matéria penal (5.°, XXXIX, da Constituição Federal) – nullum crimen, nulla poena sine lege – estende-se ao direito administrativo sancionador.[15]
Marçal Justen Filho leciona que:
Embora não seja possível confundir Direito Penal e Direito Admininstrativo (Repressivo), é inquestionável a proximidade dos fenômenos e institutos. Como ensina GEORGE DELLIS, reconhece-se que ´a idéia clássica de autonomia pura e simples da ação administrativa e da ação penal está muito bem ultrapassada: a concepção da unidade do domínio repressivo ganha progressivamente terreno'. Por isso os princípios fundamentais de Direito Penal vêm sendo aplicados no âmbito do Direito Administrativo Repressivo, com a perspectiva de eventuais atenuações necessárias em face das peculiaridades do ilícito no domínio administrativo. Mas a regra é a de que os princípios fundamentais do Direito Penal devem ser respeitados, especialmente pela impossibilidade de distinção precisa e absoluta entre sanções administrativas e penais. (2004, p. 567).
Destaca Mônica Nicida Garcia que:
Efetivamente, a maior parte da doutrina atribui a ambos os delitos – administrativos e penais – a mesma natureza jurídica, sustentando haver não uma diferença ontológica, mas sim de grau. Todo o ato contrário à ordem dos serviços, ao bom funcionamento da Administração Pública, em que se revele o não cumprimento, pelo agente público, das obrigações e deveres previamente estatuídos, será considerado como ilícito administrativo, desde que previsto como tal. O ato pode se revestir; porém, de tamanha gravidade, que acaba por ofender não apenas a ordem interna da Administração Pública, mas transcende os limites da Administração, para colher a própria sociedade, e, portanto, o próprio interesse público. Tratando-se de ofensa mais ampla, que tem repercussões externas ao seio da máquina administrativa, o legislador alça o ato à categoria de crime. (2004, p. 180).
Contudo, em matéria disciplinar o número de condutas tipificadas como ilícitas delineadas em conceitos jurídicos indeterminados ainda é elevado.[16] Maria Sylvia Zanella di Pietro ensina que:
Não há, com relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal. A maior parte das infrações não é definida com precisão, limitando-se a lei, em regra, a falar em falta de cumprimento dos deveres, falta de exação no cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular, incontinência pública; poucas são as infrações definidas, como o abandono de cargo ou os ilícitos que correspondem a crimes ou contravenções. Isso significa que a Administração dispõe de certa margem de apreciação no enquadramento da falta dentre os ilícitos previstos na lei, o que não significa possibilidade de decisão arbitrária, já que são previstos critérios a serem observados obrigatoriamente; é que a lei (artigos 128 da Lei Federal e 256 do Estatuto Paulista) determina que na aplicação das penas disciplinares serão consideradas a natureza e a gravidade da infração e os danos que dela provierem para o serviço público”. (2005, p. 534).
De todo modo, como ressalva Marçal Justen Filho:
A indeterminação do âmbito da ilicitude é proporcional à ausência de restrição ao direito individual constante da sanção. À medida que se torna mais grave a sanção, tanto menos cabível se torna a indeterminação das cláusulas atinentes à ilicitude [...] É indispensável determinar, com um mínimo de tipicidade e precisão, o que se pode entender por 'infração grave'. Deve-se indicar os limites dentro dos quais se identifica, de modo inquestionável, a conduta apta a conduzir ao sancionamento. (2004, p. 602, 603).
Assim, à medida que aumenta a indeterminação do conceito, aumenta-se também a oportunidade de defesa e o rigor na aplicação aos princípios que regem o processo disciplinar.[17]
Maria Sylvia Zanella di Pietro leciona: “os ilícitos administrativos definidos na legislação estatutária apresentam os mesmos elementos básicos do ilícito civil: ação ou omissão contrária à lei, culpa ou dolo e dano.” (2005, p. 533). Porém, cumpre esclarecer que esse dano não necessariamente precisa ser passível de quantificação, a violação deliberada de um princípio regente da Administração já caracteriza um ilícito administrativo. Imagine-se, por exemplo, um parecer elaborado com desleixo, sem um mínimo de zelo e cuidado, sem nenhuma preocupação em se fazer claro e inteligível. Mesmo que essa conduta não acarrete um dano mensurável à Administração ou a terceiros, poderá configurar uma infração administrativa, como anteriormente exemplificado. Basta o dano à ordem jurídica. Entretanto, quando se está diante de um ilícito civil, o dano precisa ser quantificável. Deve haver prejuízo econômico passível de aferição. Ressalte-se também que a culpa, para acarretar punição ao advogado público, deve ser da espécie “grave”.
O artigo 27 da LC n.° 73/93 estabelece que “os membros da Advocacia-Geral da União têm os deveres previstos na Lei 8.112/90, sujeitando-se ainda às proibições e impedimentos estabelecidos nesta Lei Complementar.”
Os advogados submetidos à LC n.° 73/93, portanto, possuem os mesmos deveres previstos no Estatuto do Servidor Público Federal[18], mais algumas proibições e impedimentos específicos descritos na referida lei. O artigo 28 da citada lei dispõe:
Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos Membros efetivos da Advocacia-Geral da União é vedado: I - exercer advocacia fora das atribuições institucionais; II - contrair súmula, parecer normativo ou orientação técnica adotada pelo Advogado-Geral da União; III - manifestar-se, por qualquer meio de divulgação, sobre assunto pertinente às suas funções, salvo ordem, ou autorização expressa do Advogado-Geral da União.
O disposto no inciso II do referido dispositivo demonstra claramente a ausência de independência funcional e a presença de hierarquia, no âmbito dessa carreira. Desse preceito também pode-se extrair que, independentemente de dano materializável, é admissível a punição do advogado público, caso contrarie entendimento consolidado do chefe da instituição.
O artigo 29 traz situações de suspeição e o artigo 30 de impedimento.[19] O artigo 31, por sua vez, proíbe a participação em banca de concurso, ou intervenção no julgamento ou votação sobre organização de lista para promoção ou remoção, “quando concorrer parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o segundo grau, bem como cônjuge ou companheiro.” [20] Ainda no âmbito da Advocacia-Geral da União, compete à Corregedoria-Geral instaurar, de ofício ou por determinação superior, sindicâncias e processos administrativos contra os Membros da Advocacia-Geral da União (artigo 5.º da LC n.° 73/93). O artigo 4.ª da mencionada lei diz que compete ao Advogado-Geral da União “proferir decisão nas sindicâncias e nos processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral e aplicar penalidades, salvo a de demissão”.[21] Cumpre destacar que os membros da Advocacia da União estão sujeitos as sanções previstas no artigo 127 da Lei 8112/90: “(I) advertência, (II) suspensão, conversível em multa; (III) demissão; (IV) cassação de aposentadoria ou disponibilidade”. Na aplicação dessas penalidades, conforme o disposto no artigo 128 da mencionada lei, devem ser “consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.”
No julgamento, portanto, desses profissionais deve ser verificada as condições de trabalho a que estão sujeitos, a quantidade de serviços e atribuições (muitas vezes o advogado público acumula a atividade judicial, com a de consultoria), a complexidade das matérias[22]; o grau de suporte técnico, logístico e humano, dado ao profissional pelos superiores hierárquicos; a intensidade do dolo ou da culpa (ressaltando-se que só podem responder em caso de culpa grave); o tamanho do prejuízo causado à Administração ou a terceiro; o benefício pretendido ou efetivamente percebido pelo advogado; o histórico dentro da instituição, os serviços e benefícios prestados no exercício do cargo; o momento pessoal vivido pelo profissional, a carga elevada de estresse, doença ou luto na família. Todas as circunstâncias devem ser consideradas. Numa carga desarrazoada de trabalho, é inevitável o erro. Quanto maior a dificuldade no enfrentamento dos temas, maior também é a possibilidade de equívocos. Em algumas situações de fato é inconcebível a punição, pois inexistente a culpa. E mesmo que haja, não se deve punir com o mesmo rigor situações diferentes. Um advogado que tem 20 processos de complexidade elevada para analisar no mês, não deve ser julgado com o mesmo rigor que um profissional que tem sob sua responsabilidade 10 processos envolvendo questões reconhecidamente simples. Destaque-se que faz parte do cotidiano da advocacia pública trabalhar com uma quantidade elevada de processos judiciais ou administrativos, daí uma maior chance de erros nessas condições. Assim, deve-se analisar as circunstâncias de cada caso concreto, sem olvidar-se dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
[1] NICIDA GARCIA, Mônica. Responsabilidade do Agente Público. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 60-61.
[2] “Pode-se dizer que a responsabilidade criminal é aquela que resulta do cometimento de crimes pelo agente público, no exercício de sua função ou em razão do mesmo; a responsabilidade administrativa decorre da violação de dever funcional, que atenta contra o bom funcionamento do serviço público e dos fins visados; e responsabilidade civil é a invocada quando houver sido causado um dano que deve, assim, ser reparado”. (NICIDA GARCIA, Mônica, 2004, Responsabilidade..., p. 62).
[3] Cumpre ressaltar que um único ato poderá ocasionar ao mesmo tempo um ilícito civil, penal e administrativo.
[4] Defende Celso Antônio: “é mister acentuar que a responsabilidade por “falta de serviço”, falha do serviço ou culpa do serviço (faute du service, seja qual for a tradução que se lhe dê) não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós, às vezes, tem-se inadvertidamente suposto. É responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo), como sempre advertiu o Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.” (2002, p. 845).
[5] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, vol 1. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 145.
[6] NORONHA, loc. cit.
[7] NORONHA, passim.
[8]Também é imprudente o consultor jurídico que não procura acompanhar as alterações jurídicas sobre as matérias que lhe são afetas no dia-a-dia.
[10] “Na responsabilidade objetiva, como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa.” (VENOSA. Sílvio de Salvo, 2003, Direito Civil: Responsabilidade..., p. 18).
[11] MONTEIRO, Washington Monteiro. Curso de Direito Civil, 28. ed. rev., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 393. Para o consagrado civilista “culpa leve é a falta evitável com atenção ordinária. Culpa levíssima é a falta só evitável com atenção extraordinária, com especial habilidade ou conhecimento.” (1995, p. 393).
[12] Também o Estatuto da OAB no artigo 32 menciona apenas dolo ou culpa, sem nenhuma adjetivação. Dispõe o artigo 32, da Lei 8.904/94: “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.”
[13] Mônica Garcia Nicida leciona: “com a responsabilidade administrativa de um agente público, pela prática de um ilícito administrativo, pretende-se, pois, a tutela e a proteção da ordem interna dos serviços, do bom funcionamento da máquina administrativa e, conseqüentemente, do serviço público.” (2004, p. 178). Esclarece ainda: “a responsabilidade administratiiva do agente público é a que decorre de sua sujeição ao poder sancionatório disciplinar do Estado. Ressalte-se que o Estado dispõe de um poder sancionatório, inerente ao poder de polícia, que pode ser exercido, de uma maneira geral, sobre todos os administrados (impondo regras e sanções em caso de desobediência para, por exemplo, proteger o meio ambiente, a saúde pública) e, de maneira particular, sobre os agentes públicos, integrados em sua organização. É deste último caso que se trata na esfera de responsabilidade administrativa, na qual não se esgota, como se vê, a possibilidade de exercício, pelo Estado, de seu poder de aplicar sanções.” (2004, p. 178).
[14] COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Disciplinar, 4. ed. rev. atual. amp. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 76.
[15] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar, 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 174.
[16] Romeu Bacellar esclarece que “na doutrina espanhola, Eduardo GARCÍA DE ENTERRÍA e Tomás RAMON FERNANDEZ incluem a tipicidade entre os princípios do direito administrativo sancionatório, a exigir descrição legal de uma conduta específica conectada a uma sanção administrativa e a vedar (i) cláusulas gerais e indeterminadas de infração administrativa e (ii) aplicação analógica de normas definidoras de infrações ou sanções.” (2003, p. 185).
[17] José Armando da Costa leciona: “o fenômeno disciplinar, consistindo numa seriação de atos que são desencadeados, numa seqüência formal, com o objetivo de fundamentar uma base legal para que sobre ela seja editado o correspectivo ato punitivo, abebera-se em normas e princípios (...).” (2002, p. 64) Destaca os seguintes princípios: da legalidade objetiva no sentido de que “deve o processo administrativo disciplinar ter por fundamento de sua instauração a lei, impondo desenvolver-se de acordo com ela e ter por escopo a sua preservação (...).” (2002, 64); da publicidade - “desde que não diga respeito à res secreta do Estado, todo o proceder da Administração Pública, em que se inclui a feitura de procedimentos disciplinares, deve desencadear-se sob a égide da publicidade, a fim de que o serviço público seja o mais transparente possível (...).” (2002, p. 64); da oficialidade – “o procedimento disciplinar, qualquer que seja ele, sindicância ou processo, deverá ser agitado por impulso oficial.” (2002, p.65); da observância da forma - sobre esse princípio, ressalva que, “tendo por enunciado a circunstância de que os atos processuais devem ser postos em prática em estrita obediência às formas e aos procedimentos plasmados na lei ou no regulamento, encontra maior ressonância no processo judicial. Na cidadela do processo disciplinar, o formalismo só é de rigor quando, por si só, traduza essencialidade quanto ao modo e à intensidade de ser exercido o sacrossanto direito de defesa (...).”(2002, p.65) ; da ampla defesa - “nenhuma inflição disciplinar, por mais leve que seja, poderá ser imposta sem que o correspectivo procedimento apuratório assegure, ao servidor imputado, o necessário espaço para o exercício do mais irrestrito direito de defesa (...).” (2002, p. 66); do contraditório - “a contrariedade do processo, tornando o procedimento numa rua de mão dupla, impõe a desenvoltura de uma relação processual sob o influxo de uma movimentação dialética que assegure o equilíbrio entre a linha acusatória e a força motriz da defesa.” (2002, p. 67)”; da pluralidade de instâncias – traz a noção de que “a instância administrativa superior sempre poderá, de ofício ou por provocação do interessado, ser instaurada para reprocessar a questão disciplinar que fora exteriorizada no órgão inferior (...)” (2002, p. 67); da economia processual - “enuncia-se na idéia de que devem ser evitados os rigores formais não essenciais à elucidação dos fatos, pois que tais complexidades e delongas servem apenas para onerar ainda mais a Administração Pública, sem nenhuma vantagem para o servidor imputado (...).” (2002, p. 68); do informalismo - “são dispensáveis os rigores formais que prejudiquem a essência da verdade.” (2002, p. 68); da verdade material - “autorizada fica a Administração, dentro da processualística disciplinar, a recepcionar e levar em conta qualquer elemento de prova que tenha chegado ao conhecimento dos membros da comissão processante (...).Respeitados o direito de defesa e o contraditório, as provas processuais disciplinares, em consonância com o princípio da verdade material, podem ser carreadas ao processo até mesmo na fase do julgamento.” (2002, p. 68).
[18] Como destaca Celso Antônio Bandeira de Mello, ao comentar dos deveres do servidores públicos, “boa parte dos casos capitulados está ligada a procedimento incorreto com dinheiros públicos ou captação indevida de vantagem para si ou para outrem.” (2002, p. 267).
[19]“Art. 29. É defeso aos Membros efetivos da Advocacia-Geral da União exercer suas funções em processo judicial ou administrativo: I - em que sejam parte; II - em que hajam atuado como advogado de qualquer das partes; III - em que seja interessado parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o segundo grau, bem como cônjuge ou companheiro; IV - nas hipóteses da legislação processual; Art. 30. Os Membros efetivos da Advocacia-Geral da União devem dar-se por impedidos: I - quando hajam proferido parecer favorável à pretensão deduzida em juízo pela parte adversa; II nas hipóteses da legislação processual. Parágrafo único. Nas situações previstas neste artigo, cumpre seja dada ciência, ao superior hierárquico imediato, em expediente reservado, dos motivos do impedimento, objetivando a designação de substituto.”
[20] Art. 31. Os Membros efetivos da Advocacia-Geral da União não podem participar de comissão ou banca de concurso, intervir no seu julgamento e votar sobre organização de lista para promoção ou remoção, quando concorrer parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o segundo grau, bem como cônjuge ou companheiro.
[21] Art. 32. A atividade dos Membros efetivos da Advocacia-Geral da União está sujeita a: I - correição ordinária, realizada anualmente pelo Corregedor-Geral e respectivos auxiliares; II - correição extraordinária, também realizada pelo Corregedor-Geral e por seus auxiliares, de ofício ou por determinação do Advogado-Geral da União. Art. 33. Para a correição, o Corregedor-Geral deve apresentar ao Advogado-Geral da União relatório, propondo-lhe as medidas e providências a seu juízo cabíveis. Art. 34. Qualquer pessoa pode representar ao Corregedor-Geral da Advocacia da União contra abuso, erro grosseiro, omissão ou qualquer outra irregularidade funcional dos Membros da Advocacia-Geral da União.
Procurador Federal - AGU, ex-Procurador do Município de Praia Grande e especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RUFINO, Fernando Bianchi. A responsabilidade do advogado público na esfera administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41128/a-responsabilidade-do-advogado-publico-na-esfera-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
Por: Maria Vitória de Resende Ladeia
Por: Diogo Esteves Pereira
Por: STEBBIN ATHAIDES ROBERTO DA SILVA
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