RESUMO: O presente artigo consiste em uma análise da necessidade de conhecimento de ofício da tempestividade (requisito recursal extrínseco), como matéria de ordem pública, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
PALAVRAS-CHAVE: Tempestividade. Recurso. Matéria. Ordem. Pública. Jurisprudência. STJ.
1. INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico brasileiro, conforme leciona José Carlos Barbosa Moreira[1], todos os recursos estão sujeitos a uma dupla análise: o juízo de admissibilidade, destinado a verificar se foram atendidos os requisitos intrínsecos (concernentes ao poder de recorrer) e extrínsecos do recurso (relativos ao modo de exercê-lo), e juízo de mérito, o qual consiste na apuração da existência ou inexistência de fundamento para a postulação recursal. Segundo o mesmo autor, embora o juízo de mérito “se revista, em perspectiva global, de maior importância, constituindo o alvo normal a que tende a atividade do órgão, a primeira [juízo de admissibilidade] tem prioridade lógica, pois tal atividade só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos indispensáveis para tornar legítimo o seu exercício”[2].
Theotonio Negrao, ao comentar ao art. 518 do CPC, enumera, como pressupostos de admissibilidade dos recursos em geral: a regularidade da representação processual do recorrente; a legitimidade e o interesse recursal; seu cabimento; sua tempestividade; o preparo (quando for o caso); e as razões do pedido de reforma da decisão. Tais pressupostos recursais, sobretudo aquele concernente ao requisito da tempestividade, traduzem matéria de ordem pública[3].
Nesse contexto, partindo da premissa de que a tempestividade dos recursos constitui matéria de ordem pública, propõe o presente artigo um estudo, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acerca não só da possibilidade de apreciação de ofício desse pressuposto recursal, pelos órgãos julgadores, mas, sobretudo, da necessidade de análise, independentemente de provocação da parte.
2. a tempestividade como matéria de ordem pública. necessidade de conhecimento de ofício. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
De acordo com a doutrina processualista, a tempestividade é um pressuposto recursal extrínseco, o que significa que o não atendimento a esse requisito constitui vício insanável, impossibilitando o conhecimento do recurso pelo órgão judicante.
Marinoni e Arenhart explicam que
Assim como acontece com qualquer espécie de procedimento, também o procedimento recursal submete-se a pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto. (...)
Observe-se que os pressupostos recursais constituem a matéria preliminar o procedimento recursal. Vale dizer, se não atendido qualquer destes pressupostos, fica vedado ao tribunal conhecer do mérito do recurso. (...). Faltando algum dos pressupostos recursais, deve o tribunal deixar de conhecer do recurso[4].
Nesse sentido, a tempestividade pode ser reexaminada de ofício pelo magistrado ou Tribunal, ou seja, independentemente de provocação da parte, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, constituindo, portanto, matéria de ordem pública.
Esse foi o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 992.690, no qual o Ministro Castro Meira, na qualidade de relator, asseverou, no voto condutor do acórdão, in verbis:
(...)
A tempestividade é requisito extrínseco de admissibilidade do recurso e constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição.
Dessa forma, mesmo que, a exemplo do ocorrido no caso concreto, a parte não informe a intempestividade do recurso nas contra-razões apresentadas, nada impede que, após o julgamento do apelo, a Corte regional aprecie a argumentação no âmbito dos embargos declaratórios manejados com a específica finalidade de debater esse assunto.
Outrossim, não é dado à Corte de origem furtar-se de examinar o tema sob o fundamento de que a intempestividade não foi declarada no momento apropriado, pois, como sublinhado, esta pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição[5].
(grifos nossos)
Em se tratando de pressuposto recursal passível de apreciação de ofício, a ausência de manifestação do recorrido acerca da intempestividade do recurso não gera preclusão, conforme, aliás, decidiu a Corte Superior no julgamento proferido nos EDcl no AgRg nos EREsp 877.640/SP, cuja ementa consignou o seguinte:
(...)
3. A ausência de manifestação do recorrido acerca da intempestividade do recurso especial em suas contra-razões não conduz à ocorrência de preclusão, haja vista que o referido pressuposto recursal deve ser apreciado ex officio, quer seja no juízo de admissibilidade a quo, quer seja no ad quem. Precedente da Corte Especial.[6]
Corroboram esse entendimento os seguintes julgados: AgRg no RMS n. 29.509/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 08/03/2010; AgRg no AgRg no Ag n. 896.642/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 19/08/2009; AgRg no Ag 982.940/AM, Relator Ministro Ari Pargendler, 3ª Turma, DJe 05/12/2008; EDcl no REsp 959.404/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2.ª Turma, DJe 29/10/2008; REsp 700.084/MT, Relator Ministro João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ 19/12/2005; REsp 426.030/SP, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma, DJ 05/12/2005; AgRg no Ag 446.875/SP, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 28/10/2002.
No caso específico dos recursos nos quais o juízo de admissibilidade é bifásico, como é o caso, por exemplo, do recurso especial, a apreciação realizada pelo tribunal a quo não vincula o tribunal ad quem[7]. Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DENEGATÓRIA DO RECURSO ESPECIAL QUE O AFIRMA TEMPESTIVO.
Não importa que, na instância ordinária, a decisão denegatória do recurso especial lhe tenha afirmado a tempestividade; são comuns erros, a esse respeito, até mesmo no exercício da jurisdição, nada fazendo presumir que deles o Presidente do Tribunal a quo, ou quem lhe faça as vezes, esteja imune ao emitir juízo sobre a admissibilidade do recurso especial – de modo que a tempestividade deste só pode ser aferida pela certidão de intimação do acórdão. Agravo regimental não provido[8].
Observa-se, portanto, que na apreciação dos recursos, exerce o órgão julgador um juízo de cognição ampla de toda a controvérsia posta em discussão, o que lhe permite reexaminar os requisitos recursais intrínsecos e extrínsecos[9].
3. CONCLUSÃO
Desse modo, consoante a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, o requisito da tempestividade dos recursos, por se tratar de matéria de ordem pública, deve ser examinado de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, não havendo que se falar em preclusão e nem mesmo em vinculação do tribunal ad quem à análise porventura realizada pelo tribunal a quo.
Notas:
[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, volume V. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 258 e 260
[3] NEGRÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 45ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 675.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento, 5ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2006, pp. 525 e 529
[5] REsp n. 992.690/BA, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 17.12.2007, p. 167
[6] AgRg nos EREsp 877.640/SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18.6.2009
[7] EDcl no Ag n. 980.964/RJ, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 06/10/2008
[8] AgRg no Ag n. 364.277/RJ, Relator Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, DJ 14.4.2003, p. 168
[9] AgRg no AgRg no Ag 896642/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 19.8.2009
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