1. INTRODUÇÃO
A ação de improbidade, conforme leciona José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 984), consiste em um poderoso instrumento de controle judicial sobre atos que a lei caracteriza como de improbidade.
Conforme ressalta Guilherme Freire de Melo Barros (2011, p.338), discussão bastante intensa em doutrina e jurisprudência diz respeito à prescrição da ação de ressarcimento de dano decorrente da prática de ato de improbidade administrativa, tema que será abordado no presente artigo.
2. DESENVOLVIMENTO
O reconhecimento da vedação aos atos de improbidade concretiza o principio da moralidade administrativa contemplado na Constituição Federal (art. 5º, LXXIII e 37, caput).
Nesse contexto, a Lei n. 8.429/92, diploma regulador da improbidade administrativa, agrupa os atos de improbidade em três categorias distintas, considerando os valores jurídicos afetados pela conduta e suscetíveis de tutela: 1ª) atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito; 2ª) atos de improbidade que causam danos ao erário; 3ª) atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública.
De acordo com o art. 23 da Lei n. 8.429/92, a ação de improbidade pode ser proposta: a) até cinco anos após o término do exercício do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; b) dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de ser o servidor titular de cargo público ou exercente de emprego público.
Não obstante a detalhada previsão legal de prazos prescricionais para a ação de improbidade administrativa, discute-se como referido dispositivo deve ser compatibilizado com a determinação constitucional prevista no art. 37, §5º, que assim dispõe:
A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
A discussão surge em razão da parte final do dispositivo, que enseja opiniões divergentes acerca da prescritibilidade da ação de ressarcimento de danos causados ao erário.
Como esclarece Guilherme Freire de Melo Barros (2011, p.338) balizada doutrina, podendo-se citar Cassio Scarpinella Bueno, entende que a segurança jurídica visa à garantia da estabilidade das relações jurídicas, sendo que um de seus institutos assecuratórios é, exatamente, a prescrição, não se podendo, portanto, entender que a parte final do dispositivo estabelece a imprescritibilidade da ação de ressarcimento de danos ao erário.
Na mesma linha de entendimento, Ada Pellegrini Grinover (2007) sustenta a ocorrência de prescrição da ação de ressarcimento ao erário, especialmente quando veiculada pela via da “ação civil pública de improbidade administrativa”. Afirma a autora:
A regra inserta no parágrafo 5º do art. 37 da Constituição Federal não estabelece uma taxativa imprescritibilidade em relação à pretensão de ressarcimento do erário, estando também tal pretensão sujeita aos prazos prescricionais estatuídos no plano infra constitucional (2007, p.27).
Por outro lado, a tese da imprescritibilidade é defendida pela maior parte dos intérpretes da Constituição, dentre os quais se pode citar José Afonso da Silva, Maria Sylvia Zanella de Pietro, Celso Antônio Bandeira de Melo, Diógenes Gasparini, Alexandre de Moraes, Fábio Medina Osório, dentre outros (RAMOS, 2011, p. 29-36). À guisa de ilustração, cumpre transcrever o entendimento do ilustre José dos Santos Carvalho Filho:
A prescrição não atinge o direito das pessoas públicas (erário) de reivindicar o ressarcimento de danos que lhe foram causados por seus agentes. A ação, nessa hipótese, é imprescritível, como enuncia o art. 37, §5º, da CF (2011, p. 984).
Dessa forma, de acordo com tal posicionamento, as sanções penais, administrativas e civis previstas na Lei n. 8.429/92 prescrevem pelo decurso do tempo, contudo, o ressarcimento do prejuízo causado ao ente público é imprescritível, podendo ser cobrado a qualquer tempo.
Na seara jurisprudencial, o precedente do Supremo Tribunal Federal foi o julgamento do Mandado de Segurança n. 26.210/DF, em que restou assentado que do § 5º do art. 37 da Constituição Federal se pode extrair a tese da imprescritibilidade da ação de ressarcimento por danos ao erário. Referido precedente tem sido replicado em diversas decisões monocráticas no STF, consolidando-se o entendimento do Tribunal no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimento de dano (RAMOS, 2011, p. 42).
No mesmo sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça que a pretensão de ressarcimento dos prejuízos ao erário é imprescritível. No Recurso Especial nº 1.038.762 – RJ, destacou o relator, Ministro Herman Benjamin, que, em época de valorização do metaprincípio da moralidade, não se admite a interpretação das ações de ressarcimento por atos de improbidade administrativa seguindo-se a lógica da vala comum dos prazos prescricionais, que tomaram por base conflitos individuais de natureza privada.
Observa-se, portanto, que, apesar da existência de posicionamentos divergentes, prevalece a tese da imprescritibilidade da ação de reparação de danos decorrentes de atos de improbidade administrativa.
Como destaca José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 1.015), conquanto a imprescritibilidade seja objeto de imensas críticas, em função da permanente instabilidade das relações jurídicas, sua adoção se justifica quando se trata de recompor o erário, relevante componente do patrimônio público e tesouro da própria sociedade.
Com efeito, não se pode aplicar a causas nas quais existe o interesse público a prescrição da reparação dos danos, quando se trata do ressarcimento de valores derivados de atos de improbidade administrativa. A toda evidência, não há segurança jurídica em obstar a compensação de valores aos cofres públicos, representativos do interesse público.
3. CONCLUSÃO
Como visto, na temática concernente à prescrição da pretensão de reparação dos danos ao erário, há um conflito de princípio. Como bem afirma Robert Alexy, os princípios são “mandados de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas[1]”. In casu, dentre os argumentos favoráveis à prescrição da pretensão invoca-se o principio da segurança jurídica, enquanto os partidários da possibilidade de ressarcimento a qualquer tempo invocam o principio da moralidade administrativa.
Pode-se, afirmar, contudo, que a maior parte da doutrina e da jurisprudência dirige-se ao entendimento de que o art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa não atinge as ações de ressarcimento a serem propostas pelo Poder Público em face de agentes que causem prejuízo ao erário, uma vez que essa espécie de demanda é imprescritível, conforme dispõe o art. 37, §5º, da Constituição da República de 1988. Assim, somente as demais sanções previstas na Lei de Improbidade serão atingidas pela prescrição, não o ressarcimento do dano, que poderá ser a qualquer tempo perseguido.
Conquanto a tese da imprescritibilidade rompa deliberadamente com o princípio de que o tempo erode o direito, ela estabelece um compromisso perpétuo com a proteção da moralidade administrativa e, por conseguinte, com o interesse público. Trata-se, com efeito, de um regime jurídico excepcional – frise-se – almejado pelo poder constituinte, em razão do significativo problema da lesão do patrimônio público.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Guilherme Freire de Melo Barros. Poder Público em Juízo para concursos. Ed. Jus Podivm, 2011.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. Ver. Ampl. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
GRINOVER, Ada Pellegrini . Ação de Improbidade Administrativa: decadência e prescrição. In: DUARTE, Bento Herculano; DUARTE, Ronnie Preuss. (Org.). Processo Civil: aspectos relevantes: Estudos em homenagem a Humberto Theodoro Junior. São Paulo: Método, 2007.
RAMOS, André de Carvalho ; PAULA, A. V. de ; AMARAL, A. L. ; ARAÚJO, S. M. ; ROTHENBURG, Walter Claudius . A imprescritibilidade da ação de ressarcimento por danos ao erário. In: André de Carvalho Ramos. (Org.). A imprescritibilidade da ação de ressarcimento por danos ao erário. Brasília - DF: Escola Superior do Ministério Público da União - ESMPU, 2011, v. 01.
Nota:
[1] Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. SP: Malheiros, 2.008, p. 90.
Advogada da União. Especialista em Direito Pública pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Formada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZAMORANO, Fernanda Raso. A (im)prescritibilidade dos danos decorrentes de atos de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41333/a-im-prescritibilidade-dos-danos-decorrentes-de-atos-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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