Diariamente nos Juízos e Tribunais deste país, os juízes, advogados e procuradores federais se deparam com a complexidade da prova da união estável para fins de concessão de pensão por morte. Essa complexidade se agrava se ainda mais se o suposto instituidor do benefício for um padre.
Como é sabido, a pensão por morte é o benefício pago aos dependentes do segurado, que falecer, aposentado ou não, conforme previsão do art. 201, V, da Constituição Federal, regulamentada pelo art. 74, da Lei 8.213/91. Diz o citado dispositivo:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: (Redação alterada pela MP nº 1.596-14/97, convertida Lei nº 9.528/97)
Assim, verifica-se que três são os requisitos para a concessão da pensão por morte: a) o óbito; b) a qualidade de segurado daquele que faleceu; c) a dependência econômica em relação ao segurado falecido.
O artigo 16 da Lei 8.213/91 estabelece o rol de dependentes do segurado:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
IV - a pessoa designada, menor de 21 (vinte e um) anos ou maior de 60(sessenta) anos ou inválida. (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
Para a comprovação da relação de companheirismo, o § 3º do art. 16, da Lei 8.213/91 prevê que “Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal”.
Regulamentando o mencionado dispositivo legal, o Decreto nº 3.048/99, em seu art. 16, § 6º, diz que: “Considera-se união estável aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar, quando forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, ou tenha prole em comum, enquanto não se separarem”. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO - PENSÃO POR MORTE - COMPANHEIRA - UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR NÃO COMPROVADA - IMPOSSIBILIDADE - ART. 16, I E §3º, DA LEI Nº 8.213/91 E ART. 13, I E §§5º E 6º, DO DECRETO Nº 611/92.
I - Conforme preconizado no art. 16, I, da Lei nº 8.213/91 e no art. 13, I, do Decreto nº 611/92, a companheira, na condição de dependente do segurado, faz jus aos benefícios deixados por ele.
II - No entanto, a qualificação de companheira, cuja dependência econômica é presumida, depende da comprovação da existência de união estável como entidade familiar com o segurado, a teor do disposto no §3º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91 e nos §§5º e 6º do Decreto nº 611/92.
[...]
IV- Uma vez não comprovada a união estável a que alude o §3º do artigo 226 da Constituição, não é de se considerar a Autora companheira do de cujus, sendo, portanto, impossível instituí-la na condição de beneficiária do ex-segurado.
III - Apelação e remessa necessária providas.
(TRF 2ª R. - AC 1999.50.01.001256-7 - 6ª T. - Rel. Des. Fed. Sérgio Schwaitzer - DJU 20.08.2003 - p. 232) JCF.226 JCF.226.3
A Lei 9.278/96, por sua vez, define o que se entende por união estável:
“art. 1º - É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
União estável, portanto, é a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Dessa definição legal, pode-se extrair que são requisitos fundamentais para a caracterização da união estável: que a convivência seja duradoura; pública e contínua; e com o objetivo de constituição de família.
A complexidade se dá no momento da produção da prova, em especial se um padre for o instituidor do benefício requerido. Como comprovar, por exemplo, a publicidade?
A prova da união estável se dá por meio de prova material e testemunhal, basicamente. Contudo, quando um padre está envolvido, essa prova se torna muito mais difícil. Talvez a convivência duradoura e contínua possa até ser comprovada por meio de comprovantes de endereço, conta conjunta, cartas, testemunhas, porém, como comprovar uma relação pública e que objetiva a constituição de família?
Sabemos que o celibato é uma norma da Igreja e que qualquer relacionamento envolvendo um padre não chegaria a ser totalmente público, pelo simples fato de que um sacerdote nessa situação estaria ferindo uma norma da Igreja. Num processo, no qual pude atuar, os superiores do suposto instituidor do benefício foram chamados como testemunhas, porém, por motivos até óbvios negaram qualquer conhecimento de relação amorosa entre a autora e o padre, suposto instituidor. É uma prova difícil de se produzir, porque reconhecer essa relação seria reconhecer também que compactuaram dessa infringência.
De outra parte, os padres hoje no Brasil não podem constituir família. Portanto, como admitir que um padre mantenha uma convivência duradoura, contínua, pública e com o objetivo de constituição de família, se a sua atividade, dentro do regramento que o rege, o proíbe?
Na experiência profissional que mencionei, a dificuldade da autora foi justamente provar essa publicidade e o objetivo de constituição de família. Conseguiu provar por documentos e testemunhas a convivência duradoura e contínua, comprovou ainda uma certa dependência financeira, mas não conseguiu demonstrar a publicidade e o objetivo de constituição de família, requisitos estes necessários para a comprovação da união estável. E essa dificuldade se deu muito mais em razão de envolver num dos pontos da relação um padre, submetido à Igreja e às suas normas internas, do que em razão dos elementos de prova que trouxe ao processo. Daí a complexidade que envolve esse tipo de processo e a tarefa árdua do julgador de resolver esses conflitos.
Por fim, fica um questionamento para um novo estudo: diante de uma situação semelhante relacionada a um padre, seria possível flexibilizar as exigências de publicidade e constituição de família para fins de caracterização da união estável?
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