Os Juízes e Tribunais deste país diariamente se deparam com pedidos de reconhecimento como tempo especial, com direito a cômputo diferenciado para fins de aposentadoria, de períodos laborados no exercício da medicina. A questão é controvertida notadamente com relação à prova desses períodos e merece nossa reflexão.
A matéria é regida pela legislação previdência (Lei 8213/91) e regulamentada por decretos. Até 06/03/1997 são aplicados os Decreto nº 53.831/1964 e 83.080/1979 e após tal data, deve-se aplicar o Decreto n.° 2.172/1997 até 06/05/1999 e o Decreto n.° 3.048/1999 a partir de 07/05/1999.
Enquadra-se no quadro anexo do Decreto nº 53.831/1964 os “trabalhos permanentes expostos ao contato direito com germes infecciosos” e “trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes”, nos serviços e atividades profissionais citadas no anexo, código 1.3.0 (rol de atividades exemplificativo).
1.3.2
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Germes infecciosos ou parasitários humanos.
Animais – Serviços de Assistência Médica, Odotológica e Hospitalar em que haja contato com organismos doentes ou com materiais infecto-contagiantes
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Trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infecta-contagiantes - Assistência médica, odontológica, hospitalar e outras atividades afins.
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Insalubre
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25 anos
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Jornada normal ou especial ficada em lei. Lei 5.999, de 15.12.1961. Art. 187 da CLT. Portaria Ministerial 262, de 06.08.1962
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Enquadra-se no quadro anexo do Decreto nº 83.080/1979, os “trabalhos permanentes em que haja contato com produtos de animais infectados”, “trabalhos permanentes em que haja contatos com carnes, vísceras, glândulas, sangue, ossos, pelas dejeções de animais infectados”, “trabalhos permanentes expostos ao contato com animais doentes ou materiais infecto-contagiantes”, “trabalhos permanentes em laboratórios com animais destinados ao preparo de soro, vacinas ou outros produtos”, “trabalhos em que haja contato permanente com doentes ou materiais infecto-contagiantes”, “trabalhos nos gabinetes de autópsia, de anatomia e anátomo-histopatologia”, “nas atividades profissionais citadas no anexo, código 1.3.0.
1.3.4
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Doentes ou materiais infecto-contagiantes
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Trabalhos em que haja contato permanente com doentes ou materiais infecto-contagiantes (atividades discriminadas entre as do código 2.1.3 do quadro II: médicos, médicos-laboratoristas (patologistas), técnicos de laboratórios, dentistas, enfermeiros).
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25 anos
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O Decreto 3.048/99, por sua vez, assim estabelece:
3.0.1
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MICROORGANISMOS E PARASITAS INFECTO-CONTAGIOSOS VIVOS E SUAS TOXINAS (Redação dada pelo Decreto nº 4.882, de 2003)
a) trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados;
b) trabalhos com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos;
c) trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia;
d) trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados;
e) trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto;
f) esvaziamento de biodigestores;
g) coleta e industrialização do lixo.
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25 ANOS
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Pela leitura das normas, constata-se que o contato eventual aos agentes biológicos explicitados, em razão do ambiente de trabalho, não serve como fundamento para o reconhecimento da atividade como especial, já que não é o risco de contaminação que justifica o direito de contagem privilegiada, mas sim a certeza de que o próprio exercício da função, por si só, é garantia de contato permanente com o material infecto-contagioso.
As normas mencionadas são claras ao mencionar que a atividade deve expor o profissional, médico, ao contato permanente com organismos doentes ou materiais infecto-contagiantes.
Portanto, a habitualidade e a permanência da exposição a agentes nocivos deve restar plenamente comprovada. A simples demonstração de exercício da atividade em hospital ou clínica não é suficiente para o enquadramento como especial. O decreto 3.048/99 é ainda mais expresso nesse sentido: “trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados”.
Cabe mencionar ainda o exercício da medicina, em qualquer dos períodos mencionados, não autoriza o automático enquadramento da atividade como especial. E deve ser levado em contado a especialidade e a atividade específica desenvolvida pelo profissional. O Decreto 83.080/1979 não faz menção a qualquer médico e ainda estabelece os agentes a que o profissional deve estar exposto:
2.1.3
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MEDICINA-ODONTOLOGIA-FAMÁCIA E BIOQUÍMICA-ENFERMAGEM-VETERINÁRIA
Médicos (expostos aos agentes nocivos-código 1.3.0 do Quadro I).
Médicos-anatomopatologistas ou histopatologistas.
Médicos-toxicologistas.
Médicos-laboratoristas (patologistas).
Médicos-radiologistas ou radioterapeutas.
Técnicos de raios X.
Técnicos de laboratórios de anatomopatologia ou histopatologia.
Farmacêuticos-toxicologistas e bioquímicos.
Técnicos de laboratórios de gabinete de necrópsia.
Técnicos de anatomia.
Dentistas (expostos aos agentes nocivos - códigos 1.3.0 do Quadro I).
Enfermeiros (expostos aos agentes nocivos – códigos 1.3.0 do Quadro I).
Médicos veterinários (expostos aos agentes nocivos – código 1.3.0 do Quadro I).
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O código 1.3.0 mencionado se refere a exposição a agentes biológicos, assim considerados bactérias, fungos, protozoários, parasitas, vírus e outros que tenham a capacidade de causar doenças ou lesões em diversos graus nos seres humanos e que por isso podem ser chamados de patógenos.
Assim, a análise da legislação permite que se conclua que os agentes biológicos que se enquadram na legislação de regência da aposentadoria especial para qualquer período são aqueles de natureza infecto-contagiosa, ou seja, de alta transmissibilidade e, por exemplo, existentes nos setores de isolamento de hospitais, trabalhos com autópsias, laboratórios de anatomopatologia, trabalhos em biodigestores, fossas sépticas e galerias, trabalhos com lixo urbano ou rural, manipulação de vacinas, etc.
Portanto, não há como afirmar que todo médico tem direito ao enquadramento de sua atividade como especial, já que não há como afirmar que um clínico geral ou oftalmologista, um demartologista, ortopedista ou cardiologista, a título de exemplos, fique exposto necessariamente de modo habitual e permanente a agentes biológicos.
Por tudo isso, essa questão deve ser melhor analisada e com bastante ponderação pelos juízes e Tribunais.
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