SUMÁRIO: introdução – a problemática da aplicabilidade da justa causa em razão do alcoolismo; a) dados relevantes sobre o alcoolismo; b) pequena retrospectiva histórica do alcoolismo; c) a embriaguez nos tribunais trabalhistas; d) o alcoolismo e a previdência social; e) projetos que tramitam no Congresso Nacional; conclusão.
PALAVRAS-CHAVE: embriaguez – doença - alcoolismo- justa causa-direito do trabalho suspensão-congresso nacional-previdência social.
INTRODUÇÃO
A PROBLEMÁTICA DA APLICABILIDADE DA JUSTA CAUSA EM RAZÃO DO ALCOOLISMO
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê, no art. 482, alínea “f”, a possibilidade do empregador demitir, por justa causa, o empregado no caso de embriaguez habitual, visto que considerada falta grave. Ocorre que o referido artigo não faz distinção entre embriaguez habitual simples e embriaguez habitual patológica.
O alcoolismo é doença catalogada no item - F 10.2 - da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Portanto, é considerado patologia que gera compulsão, impelindo o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa, retirando-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos.
Neste artigo destaca-se alguns aspectos jurídicos-sociais do trabalhador alcoólatra e da aplicação da justa causa com a consequente demissão nessa modalidade. O destaque doutrinário-jurisprudencial tenta chamar a atenção para uma nova perspectiva jurídica, enquadrando o dependente como vítima de um processo social, e carecedor de auxílio, necessitando de tratamento.
Certo é que a dependência do álcool é doença, por causar sequelas físicas e mentais, e por retirar de seu portador o discernimento necessário à execução de seus atos, inclusive no ambiente de trabalho. Por isso, atendo-se aos princípios da função social da empresa, da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho, deveria o empregador, antes de qualquer ato de punição, encaminhar o trabalhador para tratamento médico específico, ainda que às expensas do INSS, a teor do que aduz o artigo 59 da Lei 8.213/91, a fim de proporcionar a sua competente reabilitação e retorno de forma digna à vida laboral, mediante a percepção de benefício previdenciário por incapacidade, enquanto durasse o tratamento, ficando suspenso o contrato de trabalho.
Nos últimos tempos, têm aumentado os casos de reversão de demissão por justa causa em casos de embriaguez habitual por se entender que o alcoolismo é doença crônica.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), no final de 2012, condenou a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, revertendo a justa causa de um carteiro demitido por ter ofendido os colegas de trabalho. Segundo o que foi apurado, as ofensas foram proferidas quando o trabalhador estava sob o efeito de remédios controlados e álcool, e inclusive estava em licença para tratamento médico.
Todavia, há que se fazer a distinção entre a situação de um episódio isolado de embriaguez e a situação do alcoolismo com dependência química.
Os casos em que o trabalhador é saudável, mas comparece bêbado ao trabalho, ainda são considerados falta grave, o que pode justificar a demissão, como será apontado nas decisões de Tribunais Trabalhistas abaixo destacadas.
Essa diferença entre as hipóteses é tema de um projeto de lei, que se arrasta no Congresso Nacional, que pretende excluir a embriaguez habitual da relação de faltas graves, mantendo apenas a embriaguez em serviço e acrescentando que, nos casos de alcoolismo crônico, a demissão só se dê se o empregado se recusar a receber tratamento.
No meio da interpretação dessas duas situações está tanto o trabalhador como o empregador. Este fica numa situação difícil de interpretação: demite o empregado, correndo o risco de ser condenado a realizar uma reintegração e pagar indenização por danos morais, ou mantém o trabalhador, torcendo para que ele não cause – e nem sofra – algum acidente de trabalho (e nem venha a causar outro prejuízo à empresa).
De uma maneira geral, a Justiça do Trabalho tem entendido que a empresa deve esgotar os recursos e possibilidades disponíveis para preservar a saúde do trabalhador, deixando como último recurso a demissão.
Creio que o melhor caminho para o empregador seja o de ter provas consistentes de que encaminhou o trabalhador a algum programa de recuperação ou mesmo ao INSS, para que possa se reabilitar antes de voltar ao trabalho. Portanto, os empregadores devem esgotar as medidas de restabelecimento da saúde do empregado antes de qualquer tipo de despedida, ou seja, seja ela com ou sem justa causa.
Porém, caso a questão seja judicializada, caberá ao empregador provar, como acima destacado, que se utilizou de todos os recursos possíveis para a recuperação do trabalhador e para a manutenção do contrato de trabalho, com o propósito de não sofrer condenação judicial indevida.
a) DADOS RELEVANTES SOBRE O ALCOOLISMO
Chama-se a atenção para o fato de que para a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao menos 2,3 milhões de pessoas morrem por ano, no mundo, em consequência de problemas relacionados ao consumo de álcool, referindo-se a 3,7% da mortalidade mundial.
Como já amplamente divulgado pela Presidência da República no ano de 2007, “o álcool é a droga mais consumida no mundo. Segundo dados de 2004 da Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas. Seu uso indevido é um dos principais fatores que contribui para a diminuição da saúde mundial, sendo responsável por 3,2% de todas as mortes e por 4% de todos os anos perdidos de vida útil. Quando esses índices são analisados em relação à América Latina, o álcool assume uma importância ainda maior. Cerca de 16% dos anos de vida útil perdidos neste continente, estão relacionados ao uso indevido dessa substância, índice quatro vezes maior do que a média mundial.”[1]
Outrossim, a pesquisa "Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira" apontou, em 2007, que 52% dos brasileiros acima de 18 anos faz uso de bebida alcoólica pelo menos uma vez ao ano. Entre os homens adultos, 11% bebem todos os dias e 28 % de 1 a 4 vezes por semana.
A admissão como doença do alcoolismo crônico foi formalizada pela OMS (Organização Mundial de Saúde). O mal foi classificado pela entidade como síndrome de dependência do álcool, cuja compulsão pode retirar a capacidade de compreensão e discernimento do indivíduo.
Os dados estarrecedores destacados, demonstra que se trata de um problema de saúde pública, situação que requer a imediata agilização dos parlamentares no sentido de modificar a legislação trabalhista também neste ponto, como forma de contribuir para a saúde da população economicamente ativa e para a pacificação das relações entre patrões e empregados, considerando os princípios da função social da empresa, da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho,
b) RETROSPECTIVA HISTÓRICA DO ALCOOLISMO
A norma do art. 482, alínea “f”, da CLT, que prevê a possibilidade de demissão por justa causa do empregado em caso de embriaguez habitual, data de 1943, quando o alcoolismo não era considerado uma doença pela OMS.
Os legisladores da década de 40, ao preverem a embriaguez como justificadora da rescisão do contrato de trabalho, não pretenderam punir o portador da síndrome de dependência do álcool, mas, sim, proteger o trabalhador que em tal estado poderia sofrer um prejuízo maior que a própria justa causa, decorrente de acidente grave do qual poderia decorrer sua morte.
O dramático quadro social advindo desse vício impõe que se dê solução distinta daquela prevista na década de 40 do século passado, hoje anacrônica. O que se pretende hoje em dia é um tratamento, e não uma punição.
No entanto, enquanto não ocorre uma imprescindível mudança do modo de pensar da sociedade brasileira, nossos doutrinadores, de forma majoritária, bem como a jurisprudência, tem realizado a revisão do disciplinado na lei trabalhista, de modo a impedir a dispensa por justa causa ao trabalhador alcoólatra (embriaguez habitual), apontando pela suspensão do contrato de trabalho durante o tempo necessário ao tratamento médico. Destaca-se, ainda, que naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, é imperiosa a adoção de medidas necessárias a aposentadoria por invalidez.
Embora a patologia seja questão de saúde pública, tem-se que a responsabilidade pela recuperação do trabalhador não é somente do Estado, mas também do empregador que tem, em tal medida, papel fundamental no encaminhamento ao tratamento e na consequente reintegração ao trabalho, de modo a pacificar a sociedade e atingir a função social para o qual fora admitida a existência da empresa.
c) A EMBRIAGUEZ PERANTE OS TRIBUNAIS TRABALHISTAS
A visão de que a embriaguez habitual é um desvio de conduta é afastada pela jurisprudência trabalhista, que considera o alcoolismo como doença, conforme decisões proferidas que seguem, proferidas pelo TRT da 4ª Região, um dos Tribunais mais respeitados do País. Em seu entendimento jurisprudencial, não aceita sequer a condição desidiosa prevista na alínea “e” do art.487:
“JUSTA CAUSA PARA DESPEDIDA. DESÍDIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ALCOOLISMO. Sendo o empregado portador de doença que compromete suas funções comportamentais e cognitivas, catalogada pela Organização Mundial de Saúde no Código Internacional de Doenças sob o título de síndrome de dependência do álcool, não há falar em conduta desidiosa hábil a justificar a rescisão do contrato de trabalho. (...)” (TRT da 4ª Região, 0010473-40.2012.5.04.0664 (RO) origem 4ªVara do Trabalho de Passo Fundo, em 03/07/2014, Desembargador Redator George Achutti integrante da 4ª Turma )
"RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO. TRANSTORNO MENTAL E COMPORTAMENTAL. ÁLCOOL. COCAÍNA. SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Incontroversa a dependência química do autor. Laudo pericial médico concluindo pela ocorrência de transtorno mental e comportamental decorrente do uso de álcool, cocaína, múltiplas drogas e substâncias psicoativas (CID 10) é fundamento para o entendimento de que o 'comportamento desidioso' de ausência ao serviço 'sem justificativas', alegado pelo reclamado, é, na verdade, decorrente da doença que acomete o autor. Nesse contexto, não se sustentam as razões do recurso quanto à manutenção da despedida por justa causa (artigo 482, e', da CLT)." (TRT da 04ª Região, 4a. Turma, 0002249-48.2011.5.04.0018 RO, em 26/09/2013, Desembargador Gilberto Souza dos Santos - Relator. Participaram do julgamento: Desembargador George Achutti, Juiz Convocado João Batista de Matos Danda).
“Ementa: (...omissis...).JUSTA CAUSA. MOTORISTA DE CAMINHÃO. EMBRIAGUEZ. PROVA INDICIÁRIA. CONFIGURAÇÃO. O fato de o motorista de caminhão recusar-se a se submeter ao teste de alcoolemia, não exclui o estado de alcoolização na condução do veículo. Mormente quando a prova indiciária estabelecida no Auto de Constatação de Sinais de Embriaguez pela autoridade policial denotou hálito alcoólico, desorientação, falta de coordenação motora, de equilíbrio e outros capazes de prejudicar o tirocínio na direção do veículo, colocando em risco a própria vida e a segurança de terceiros. Correta a justa causa aplicada”.( TRT da 12ª Região - processo: Nº 0000260-69.2012.5.12.0011 –Juíza Ligia M. Teixeira Gouvêa – Publicado no TRTSC/DOE em 14-02-2013)
“Ementa: RESCISÃO CONTRATUAL. FALTA GRAVE. JUSTA CAUSA. Em face da função exercida, mecânico de aeronaves, o fato de comparecer ao local de trabalho em estado de embriaguez coloca em risco a sua segurança e integridade física, além de terceiros, configurando falta grave capaz de ensejar a ruptura do contrato de trabalho por justa causa.” (TRT da 12ª Região –processo nº 001075-53.2010.5.12.0038. Juiz Amarildo Carlos De Lima - Publicado no TRTSC/DOE em 04-02-2013)
Também em relação ao alcoolismo, existem circunstâncias em que acabam sendo proferidas a seguintes decisões:
“Suspensão disciplinar. Embriaguez. Considerando que a embriaguez em serviço se reveste de gravidade suficiente para ensejar a despedida por justa causa, nos termos do artigo 482, letra "f", da CLT, não há falar em inobservância da gradação das penas disciplinares quando ao trabalhador foi imposta apenas suspensão disciplinar. Poder disciplinar que se tem por adequadamente exercido pela ré. (...)” – grifei(TRT da 4ª Região - Acórdão - Processo 0000091-76.2013.5.04.0203 (RO) 10ª Turma – Redatora Denise Pacheco , JULGADO EM 20/03/2014- processo oriundo da 3ª Vara do Trabalho de Canoas).
Todavia, em nossos Tribunais Pátrios, a tendência é de que o alcoolismo seja tratado como uma doença:
“JUSTA CAUSA – ALCOOLISMO – AUSÊNCIA DE EXAMES MÉDICOS DEMISSIONAIS – A embriaguez habitual, segundo a jurisprudência mais moderna e consentânea com os anseios que ora se constatam em relação ao alcoolismo, tanto cível como trabalhista, tem afirmado tratar-se de doença como todas as demais enfermidades graves, e não desvio de conduta. Anulação da despedida por justa causa que se declara, sendo devidas as parcelas decorrentes da extinção do ajuste sem motivo, sendo indevida a reintegração postulada. A ausência de exames médicos demissionais, ainda que importe afronta ao art. 168, II da CLT e às disposições da NR-7, itens 7.1 e 7.22, da Portaria nº 3217/78, não autoriza se declare a ineficácia da despedida e, tampouco, se entenda protraída a eficácia da mesma, ressalvada a posição da Relatora. Recurso parcialmente provido.” (GOIÁS. Tribunal Regional do Trabalho. Justa Causa – Alcoolismo – Ausência de Exame Médicos Demissionais. 18ª Região, Ro 2.012/1991, Ac. nª 1.285/1992, Rel. Juiz Heiler Alves da Rocha, DJGO 27.08.1992).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO. O Regional consignou que, diante do conjunto probatório acostado aos autos, tornou-se evidente que o reclamante agia sob a influência do alccolismo crônico, enfermidade registrada na Classificação Internacional das Doenças como um transtorno mental e comportamental (CID 10,F.10). Desse modo, não se vislumbra, no caso, ofensa ao art. 482 da CLT, dados os pressupostos fáticos nos quais se lastreou o Tribunal de origem, que, ao analisá-los, concluiu não estarem presentes os requisitos necessários à aplicação da justa causa, ante a peculiaridade dos fatos. Decisão regional em conformidade com a jurisprudência desta Corte. Óbice no art. 896, § 4º, da CLT, e da Súmula 333 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido.” (Processo: AIRR - 123300-03.2011.5.21.0002 Data de Julgamento: 08/10/2014, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/10/2014.)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ALCOOLISMO CRÔNICO. No caso, restou incontroverso nos autos que o autor é portador de alcoolismo crônico. A Corte Regional enfatizou a questão de que a autarquia, mesmo sabendo da gravidade do estado de saúde do autor, não o encaminhou para a previdência social. Frisou que a conduta da autarquia em despedir o autor sem justa causa teve cunho discriminatório, violando os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Constatada a dispensa discriminatória, em razão de o autor ser portador de alcoolismo crônico, não há que se cogitar de violação do artigo 186 do Código Civil. A decisão regional está em consonância com a jurisprudência deste c. Tribunal. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e não provido.” (Processo: AIRR - 550-92.2011.5.02.0433 Data de Julgamento: 20/08/2014, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/08/2014.)
“RECURSO DE REVISTA. DOENÇA GRAVE. ALCOOLISMO. DISPENSA ARBITRÁRIA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. 1. Trata-se de hipótese de empregado portador de síndrome de dependência do álcool, catalogada pela Organização Mundial de Saúde como doença grave, que impele o portador à compulsão pelo consumo da substância psicoativa, tornando-a prioritária em sua vida em detrimento da capacidade de discernimento em relação aos atos cotidianos a partir de então praticados, cabendo tratamento médico. 2. Nesse contexto, a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa da empresa, ainda que sem justa causa, contribuiu para agravar o estado psicológico do adicto, culminando em morte por suicídio. 3. A dispensa imotivada, nessas condições, configura o abuso de direito do empregador que, em situação de debilidade do empregado acometido de doença grave, deveria tê-lo submetido a tratamento médico, suspendendo o contrato de emprego. 4. Desse modo, resta comprovado o evento danoso, ensejando, assim, o pagamento de compensação a título de dano extrapatrimonial ou moral. 5. O dano moral em si não é suscetível de prova, em face da impossibilidade de fazer demonstração, em juízo, da dor, do abalo moral e da angústia sofridos. O dano ocorre -in re ipsa-, ou seja, o dano moral é consequência do próprio fato ofensivo, de modo que, comprovado o evento lesivo, tem-se, como consequência lógica, a configuração de dano moral, exsurgindo a obrigação de pagar indenização, nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR - 1957740-59.2003.5.09.0011. Data de Julgamento: 15/12/2010, relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, p. em 04/02/2011).
“Ementa: RECURSO DE REVISTA. DISPENSA ARBITRÁRIA. INDÍCIO DE ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, F, DA CLT. 1. O comparecimento do empregado ao serviço por três vezes consecutivas, em estado de embriaguez, ainda que decorrido lapso de tempo entre uma e outra ocorrência, desperta suspeita de alcoolismo,circunstância em que o empregador, por cautela, e considerando a classificação como doença crônica pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, deve encaminhá-lo ao órgão previdenciário para diagnóstico e tratamento, consoante lhe assegura o art. 20 da Lei n° 8.213/91. 2. A evolução natural da sociedade propiciada pelo desenvolvimento científico realizado na área médica e de saúde pública permite novo enquadramento jurídico ao fato - embriaguez habitual ou em serviço - cujas consequências não mais se restringem ao indivíduo e à relação jurídica empregado-empregador. Nesse quadro, o art. 482, -f-, da CLT deve ser interpretado em consonância com os princípios fundamentais tutelados pela Constituição Federal entre os quais da dignidade humana (art. 1°, III), efetivada, no caso, por meio do acesso universal e igualitário às ações e serviços que viabilizem a promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196 da CF/88 c/c a Lei n° 8.213/91).3. Nesse contexto, revela-se juridicamente correto o acórdão recorrido ao concluir que o desfazimento do pacto laboral do autor, por iniciativa da reclamada, com fundamento no art. 482, -f-, da CLT, materializou procedimento obstativo ao direito de ser encaminhado ao INSS para tratamento da enfermidade e, em caso de irreversibilidade, a concessão de aposentadoria provisória, o que revela a arbitrariedade da dispensa efetivada.Recurso de revista conhecido e não provido.” (Processo: RR - 194700-73.2007.5.09.0092 Data de Julgamento: 13/08/2014, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014).
d) O ALCOOLISMO E A PREVIDÊNCIA SOCIAL
Segundo Flávia Villela - repórter da agência Brasil (edição de Valéria Aguiar) “O alcoolismo é o principal motivo de pedidos de auxílio-doença por transtornos mentais e comportamentais por uso de substância psicoativa. O número de pessoas que precisaram parar de trabalhar e pediram o auxílio devido ao uso abusivo do álcool teve um aumento de 19% nos últimos quatro anos, ao passar de 12.055, em 2009, para 14.420, em 2013.”
Destaca-se que nos dados obtidos junto ao site supramencionado, São Paulo teve o maior número de pedidos em 2013 por uso abusivo do álcool, com 4.375 auxílios-doença concedidos, seguido de Minas Gerais, com 2.333.
Estatísticas da Organização Mundial do Trabalho (OIT) apontam o Brasil entre os cinco primeiros do mundo em número de acidentes no trabalho. São em média 500 mil por ano e quatro mil deles resultam em morte. Os setores mais afetados são: construção civil, indústrias metal-mecânica, eletro-eletrônica, moveleiras e madeireiras.
Certamente o Brasil perde anualmente bilhões de reais em decorrência de acidentes e enfermidades causadas pelo uso do álcool. E todos sabemos que as pessoas intoxicadas machucam a si mesmas e aos outros.
A mudança legislativa é absolutamente necessária para se alterar, inclusive, a legislação previdenciária objetivando o melhor encaminhamento para tratamento de dependentes do álcool.
e) PROJETOS QUE TRAMITAM NO CONGRESSO NACIONAL
Na Câmara dos Deputados tramita o substitutivo do senado federal ao projeto de lei nº 206-C, de 2003, que “revoga a alínea f do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho –CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de excluir a embriaguez habitual ou em serviço como causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador” de autoria do deputado Roberto Magalhães.
A propositura original apresentada na Câmara dos Deputados acrescentava um parágrafo ao art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelecendo que a demissão por justa causa motivada por embriaguez habitual ou em serviço só poderia ocorrer após “licença para tratamento específico da doença do alcoolismo, com duração mínima de sessenta dias”.
Durante sua tramitação o projeto original sofreu significativa alteração, porém, o substitutivo aprovado no Senado Federal, retoma a ideia original, porém com alguma alteração. O texto da Casa Alta mantém a possibilidade de demissão por justa causa. Contudo, determina que, se o empregado apresentar sintomas de dependência crônica do álcool, o empregador deverá suspender a vigência do contrato de trabalho e determinar que o empregado submeta-se a perícia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para concessão de auxílio-doença e posterior tratamento, sendo cabível justa causa em caso de “negativa do benefício ou recusa ou resistência do empregado ao tratamento médico cabível”.
Diante do problema, sinalizamos novamente, que tramitou no Senado um projeto tombado sob o número 48/2010 (de autoria do Senador Marcelo Crivella) que pretendia alterar as situações que motivam a dispensa do empregado por justa causa na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), tendo o mesmo sido aprovado e remetido para a Câmara do Deputados. O objetivo era excluir a embriaguez habitual, mantendo-se a embriaguez em serviço na lista.
Além disso, seria acrescentado que, no caso de alcoolismo crônico, a demissão só poderá ocorrer se o empregado se recusar a se submeter a tratamento.
A última movimentação daquele projeto, que tramita perante a Câmara, data de 21/11/2012 com parecer do Relator, Dep. Lael Varella junto a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).
Portanto, torna-se premente que seja ultimada a tramitação desses projetos de lei, visto que nem os trabalhadores, nem as empresas podem ficar no limbo das interpretações, às vezes equivocadas, dadas pelos Tribunais.
CONCLUSÃO
É de nosso entendimento que uma doença não pode constituir justa causa para o afastamento do empregado de seu posto de trabalho e, ainda, que o Direito do Trabalho deve buscar sempre a realização da função social da empresa. Por conseguinte, conclui-se que o art. 482, alíena “f”, da CLT, merece apenas espaço histórico e jamais aplicação efetiva, bem como, que um trabalhador acometido pela patologia do alcoolismo deve ter seu contrato suspenso, caso venha a aceitar o devido tratamento.
Ainda, ressalta-se que o alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de - síndrome de dependência do álcool -, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos, razão pela qual, se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado para tratamento, preferencialmente com amparo pelo INSS.
Finalmente, destaca-se que o alcoolismo é uma questão de saúde pública e, dessa forma, é um problema da alçada do Estado, que deve assumir o cidadão doente, e não do empregador que não é obrigado a tolerar o empregado alcoólatra que pela sua condição pode estar vulnerável a acidentes de trabalho, problemas de convívio e insatisfatório desempenho de suas funções. Em sendo assim, é preciso que se ultimem as alterações legislativas pendentes, para que o empregador tenha amparo legal e segurança jurídica para proceder nesses casos, consoante previsão legislativa específica, para o fim de suspender o contrato de trabalho com o encaminhamento do empregado para tratamento, sem correr o risco de, posteriormente, ser penalizado por força de posicionamentos judiciais os mais diversos, em decorrência de lacuna legislativa. A medida, além de conferir segurança jurídica ao empregador, garantirá ao empregado a possiblidade de reinserção social e laboral, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, mediante a preservação da saúde do trabalhador.
Referências bibliográficas:
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-CODO, Wanderley. O Trabalho Enlouquece?: um encontro entre a clínica e o trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
-Laranjeira R, Romano M (2004). Consenso Brasileiro de Políticas Públicas sobre Álcool. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 26, p. 68-77 (www.rbpbrasil.org.br/portal/edicoesanteriores/2004/rev-bras-psiquiatr-v-26-upl-1-sao-paulo-maio-2004).
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-Makela P e cols. (2001). Episodic Heavy Drinking in Four Nordic Countries: a Comparative Survey. Addiction, 96:1575-1588.
-Mendes R & Dias EC. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Rev. Saúde Pública [online]. 1991:25(5). 341-9.
-Neto, Carlos F. Zimmermann – Direito do Trabalho, Editora Saraiva, 2a edição 2006, São Paulo;
-Rodriguez, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1996.
-Saraiva, Renato – Processo do Trabalho, 5a Edição, 2009, Editora Método, São Paulo;
-Schilling RSF. More effective prevention in occupational health practice. Journal of the Society of Occupational Medicine, 1984:39;71-9.
Pesquisas na INTERNET:
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http://www.bls.gov/cps/ (The Current Population Survey – CPS);
http://www.cdc.gov/nchs/nhanes.htm(National Health and Nutrition Examination Survey – NHANES);
http://www.ibge.gov.br/– site do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-02/alcoolismo-e-o-principal-motivo-de-pedidos-de-auxilio-doenca-por-uso-de-drogas - acesso em 23/10/2014
Artigos pesquisados na Internet:
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- MELO, Raimundo Simão de. Responsabilidade civil do empregador pelos danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2796, 26 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18580>. Acesso em: 23 out. 2014.
[1] I LEVANTAMENTO NACIONAL SOBRE OS PADRÕES DE CONSUMO DE ÁLCOOL NA POPULAÇÃO BRASILEIRA - Presidência da República - Gabinete de Segurança Institucional Secretaria Nacional Antidrogas – Ano 2007.
Graduada em Direito pela UFRGS. Procuradora Federal desde 2006, atual Procuradora Chefe da Procuradoria Seccional Federal em Canoas/RS e da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS de Canoas/RS. Como Procuradora Federal, atuou nas matérias de direito tributário, execução fiscal, execução fiscal trabalhista, contencioso trabalhista, contencioso previdenciário e assessoramento jurídico do INSS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHEDID, Eunice Maria Ludwig. Efeitos da embriaguez habitual sobre o contrato de trabalho: justa causa ou suspensão? Necessidade de alteração legislativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41404/efeitos-da-embriaguez-habitual-sobre-o-contrato-de-trabalho-justa-causa-ou-suspensao-necessidade-de-alteracao-legislativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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