RESUMO: O presente artigo tem como objetivo tecer algumas considerações sobre a possibilidade de extensão da pensão por morte aos dependentes maiores de 21 anos, diante do conceito de dependência estabelecido pela legislação tributária, que considera dependente os maiores até os 24 anos de idade, desde que estudem em curso universitário ou técnico, que tem sido acompanhado pelo entendimento jurisprudencial no Direito de Família, no que se refere à extensão da pensão alimentícia.
Palavras-chave: pensão por morte; dependentes; pensão por morte aos maiores de 21 anos; pensão por morte aos universitários; pensão por morte até os 24 anos.
No Direito Previdenciário, a pensão por morte concedida ao filho, à pessoa a ele equiparada (enteado e menor tutelado) e ao irmão do segurado falecido[1] extingue-se ao completarem 21 anos de idade, conforme previsto no artigo 77, §2º, inciso II, da lei 8.213/91, in verbis:
Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.
(...)
§ 2º A parte individual da pensão extingue-se:
(...)
II - para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos, pela emancipação ou ao completar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;
Já no Direito de Família, a pensão alimentícia decorrente do dever de sustento é concedida ao filho, em regra, apenas até os 18 anos, quando cessa o poder familiar (art. 229 da CF; art. 22 do ECA; art. 1.568 do Código Civil).
Embora o Código Civil de 2002 tenha reduzido a maioridade de 21 para 18 anos, a legislação previdenciária permaneceu inalterada, garantindo a pensão por morte aos dependentes até os 21 anos. Segundo Fábio Zambitte Ibrahim, a dependência econômica prevista na legislação previdenciária deve “prevalecer sobre a redução de idade do Código Civil, em virtude de tratar-se de lei específica”[2].
Por outro lado, na legislação tributária (lei 9.250/05), consideram-se como dependentes para a declaração de imposto de renda os filhos até os 24 anos de idade, desde que ainda estejam cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica:
Art. 35 (...)
(...)
§ 1º Os dependentes a que se referem os incisos III e V deste artigo poderão ser assim considerados quando maiores até 24 anos de idade, se ainda estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau.
Nesse contexto, no Direito de Família, a jurisprudência estendeu a pensão alimentícia aos filhos maiores, para além dos 18 anos, desde que permaneçam estudando em estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. CURSO SUPERIOR CONCLUÍDO. NECESSIDADE. REALIZAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. O advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado. 2. É presumível, no entanto, - presunção iuris tantum -, a necessidade dos filhos de continuarem a receber alimentos após a maioridade, quando frequentam curso universitário ou técnico, por força do entendimento de que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional. 3. Porém, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco, que tem por objetivo, tão só, preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado. 4. Em rigor, a formação profissional se completa com a graduação, que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior especialização, podendo assim, em tese, prover o próprio sustento, circunstância que afasta, por si só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante. 5. Persistem, a partir de então, as relações de parentesco, que ainda possibilitam a percepção de alimentos, tanto de descendentes quanto de ascendentes, porém desde que haja prova de efetiva necessidade do alimentado. 6. Recurso especial provido. Grifei.
(STJ, REsp 1218510/SP, 2010/0184661-7, Relatora Ministra Nancy Andrighi (1118), Órgão Julgador 3ª Turma, Data do Julgamento 27/09/2011, Data da Publicação/Fonte DJe 03/10/2011, RSTJ vol. 225, p. 524)
Como consequência, surge o questionamento se também seria possível estender o pagamento da pensão por morte aos filhos, enteados, menores tutelados e irmãos até os 24 anos, ou até mesmo após essa idade, desde que permaneçam estudando em curso universitário ou técnico, com fundamento na isonomia no que se refere ao conceito de dependência, bem como no direito à educação.
Para Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, é cabível a prorrogação do benefício de previdenciário de pensão por morte até que o dependente complete 24 anos de idade, na hipótese de ser estudante universitário, por analogia ao art. 35, §1º, da lei 9.250/95[3].
Ocorre que, em matéria previdenciária, há vedação expressa à extensão de benefícios previdenciários, porquanto a Constituição Federal dispõe expressamente que nenhum benefício será criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (art. 195, § 5º, da CF).
A extensão da pensão por morte para além dos 21 anos de idade viola o princípio da seletividade das prestações previdenciárias (art. 194, III, da CF), segundo o qual “o legislador escolhe e seleciona os riscos que estão protegidos através da legislação ordinária, de acordo com a capacidade econômica do Estado”[4] e que, portanto, contém nítido caráter programático.
Conforme observado por Jediael Galvão Miranda, a legislação previdenciária é taxativa e expressa quanto aos limites objetivos da condição de dependente até os 21 anos e não deve ser ampliada pelo Poder Judiciário:
A simples invocação do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a alegação de promoção e incentivo à educação não servem para ampliar a hipótese de dependência do filho, constituindo fundamentos que devem, com maior propriedade, informar políticas públicas específicas, direcionadas quando muito à área assistencial, não cabendo ao administrador ou ao Poder Judiciário, sob a ótica do exercício interpretativo, atuar como legislador positivo[5].
Caso a sociedade pretenda custear a extensão da pensão por morte aos maiores de 21 anos, com fundamento na isonomia e no dever do Estado de propiciar educação, deve valer-se dos meios constitucionais de exercício da soberania popular, com ampla discussão acerca da seletividade e da indicação da prévia fonte de custeio total em respeito à Constituição Federal.
A atuação do Poder Judiciário na extensão de benefício previdenciário sem previsão legal afronta a separação de Poderes e gera risco ao próprio Estado Democrático de Direito:
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. ART. 77, § 2º, INC. II, DA LEI 8.213/91. FILHO MAIOR DE 21 ANOS. UNIVERSITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Ressalvada a Lei nº 8.213/91, o benefício de pensão por morte é devido até o momento em que o beneficiário, na condição de filho, complete 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se comprovada a invalidez (art. 77, § 2º, inc. II, da Lei nº 8.213/91). 2. Não há falar em equidade, interpretação extensiva ou teleológica para estender a dependência econômica presumida prevista em lei a outras situações que a própria lei não abarcou, por mais justificável que possa parecer, pois, no caso, invocar a condição de universitário como regra à exceção da extinção do pagamento do benefício de pensão por morte, para conceder prestação que não está prevista na legislação previdenciária, seria criar um direito para o cidadão e uma obrigação para o INSS que não foi imposta pela lei. 3. A extensão do pagamento do benefício além de 21 (vinte e um) anos, até o implemento da idade de 24 (vinte e quatro) anos, ou até que conclua o ensino superior, fere o princípio da legalidade, uma vez que não pode ser criado um direito para o cidadão que demande uma obrigação para o INSS sem previsão na legislação previdenciária. Ademais, o fato de autora estar desempregada ou ter efetuado matrícula em estabelecimento de ensino superior, por si só, não justifica o restabelecimento da pensão por morte, porquanto não se trata de benefício assistencial, mas previdenciário. 4. Apelação da parte autora improvida. Grifei.
(TRF3, AMS – Apelação Cível em Mandado de Segurança – 281511, Processo: 0003227-58.2004.4.03.6104, UF: SP, Órgão Julgador: 10ª Turma, Data do Julgamento: 16/01/2007, Fonte: DJU 31/01/2007, Relator Desembargador Federal Jediael Galvão).
Cumpre mencionar, ainda, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO PREVISTO NO ARTIGO 557, § 1º, DO CPC. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO. ESTUDANTE DE CURSO UNIVERSITÁRIO. PRORROGAÇÃO ATÉ OS 24 ANOS DE IDADE. IMPOSSIBILIDADE. - A pensão pela morte de genitor será devida até o limite de vinte e um anos de idade, salvo se inválido, não se podendo estender até os 24 anos para os estudantes universitários, pois não há amparo legal para tanto. - Tratando-se de apelação manifestamente improcedente, cabível acionar o disposto no artigo 557, caput, do CPC. - Agravo legal a que se nega provimento. Grifei.
(TRF3, AC – Apelação Cível 1943326, Processo: 0002940-77.2013.4.03.6105, UF: SP, Órgão Julgador: 8ª Turma, Data do Julgamento: 18/08/2014, Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA 29/08/2014, Relatora Desembargadora Federal Therezinha Cazerta)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. FILHO NÃO-INVÁLIDO. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DA PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ OS 24 ANOS DE IDADE. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que a pensão por morte é devida ao filho menor de 21 anos ou inválido, não sendo possível, em face da ausência de previsão legal, a prorrogação do recebimento desse benefício até os 24 anos, ainda que o beneficiário seja estudante universitário. 2. Agravo Regimental desprovido. Grifei. (STJ, AgRg no AREsp 68457/DF, Agravo Regimental no Agravo em Resp 2011/0246690-6, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (1133), Órgão Julgador 1ª Turma, Data do Julgamento 13/08/2013, Data da Publicação/Fonte DJe 22/08/2013).
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO ATÉ 24 ANOS DE IDADE. IMPOSSIBILIDADE. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES DO STJ.
1. O STJ entende que, havendo lei que estabelece que a pensão por morte é devida ao filho inválido ou até que complete 21 (vinte e um) anos de idade, impossível estendê-la até aos 24 (vinte e quatro) anos de idade quando o beneficiário for estudante universitário, tendo em vista a inexistência de previsão legal. 2. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1347272 / MS, Resp 2012/0207015-4, Relator Ministro Herman Benjamin (1132), Órgão Julgador 2ª Turma, Data do Julgamento 18/10/2012, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2012)
Vale ressaltar, ainda, a Súmula editada da Turma Nacional de Uniformização quanto à impossibilidade de concessão de pensão por morte aos maiores de 21 anos:
Súmula 37. A pensão por morte, devida ao filho até os 21 anos de idade, não se prorroga pela pendência do curso universitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, a pensão por morte somente é devida aos filhos, às pessoas a eles equiparadas e aos irmãos do segurado falecido até completarem 21 anos de idade.
Embora haja entendimento em sentido contrário, a doutrina e a jurisprudência majoritárias consideram indevida a extensão da pensão por morte para maiores de 21 anos pelo Poder Judiciário, uma vez que a lei 8.213/91 tem natureza especial e foi elaborada a partir das premissas constitucionais da prévia fonte de custeio e da seletividade das prestações previdenciárias.
REFERÊNCIAS
DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 9. ed. rev. atual. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.
HORWATH JR., Miguel. Direito Previdenciário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
[1] Art. 16 da lei 8.213/91.
[2] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 472.
[3] DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 9. ed. rev. atual. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 567.
[4] HORWATH JR., Miguel. Direito Previdenciário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 87.
[5] MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 152.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Escola Superior da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TSUTSUI, Priscila Fialho. A concessão de pensão por morte ao maior de 21 anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41411/a-concessao-de-pensao-por-morte-ao-maior-de-21-anos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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