SUMÁRIO: Introdução 1. Pensão por Morte e rol de beneficiários na redacão original da Lei 8213- 2.Alteracões da MP- 1523-96. O ECA e a posicão do menor sob guarda na protecão dada a família na Constituição- 4. Posicões divergentes nos Tribunais e ADI 5083- 5. Consideracões finais- 6. Referências.
RESUMO: Embora na sua redação original a Lei 8213;91 tenha incluído entre os dependentes o menor sob guarda, a MP1.523/96 o excluiu. Posteriormente, a MP 1.523/96 foi convertida na Lei 9528/1997. Hoje está no STF a ADI nº 5083, onde se discute se a alteração legislativa da Lei não ofendeu o art. 227 da CF, que confere à criança, ao adolescente e ao jovem direitos previdenciários bem como se não afeta direitos fundamentais tutelados pela norma máxima de nosso ordenamento jurídico.Pretende-se com o presente estudo, esmiuçar o posicionamento dos Tribunais, analisando a melhor solução a ser dada ao caso pelo STF.
DESENVOLVIMENTO
A pensão por morte é benefício de beneficiário, não necessariamente filiado ou contribuinte, podendo ser de dependente de titular de filiação, ou seja, do segurado.
A dependência previdenciária encontra-se inserida no art. 1º da Lei 8213;91 e no art. 16, do Decreto nº 3048/90. Esses dispositivos estabelecem três classes de dependentes hierarquicamente sobrepostos. Os dependentes da mesma classe concorrem em igualdade de condições e excluem do direitoos das classes seguintes.
Na classe I encontram-se o cônjuge, o companheiro e filho, desde que este seja menor de 21 anos, não emancipado ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.
Esses dependentes são chamados de preferenciais, pois estão localizados na classe mais privilegiada dos dependentes previdenciários, excluindo todos os demais. Sua dependência econômica com o segurado é presumida por lei.
Na classe II figura como dependentes os pais do segurado.
Na classe III o dependente é o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.
Nessas duas últimas classes, há necessidade de se comprovar relação de dependência econômica com o segurado. Essa ajuda econômica não precisa ser absoluta, mas há de ser habitual e relevante. Exemplificando, pai aposentado, pode ser dependente de filho segurado, desde que este habitualmente contribua, de forma relevante, para o sustento daquele.
Ainda, segundo o art. 16, §2º, da Lei 8.213/91, o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprove a dependência econômica. É exatamente deste artigo que foi retirada a figura do menor sob guarda, como dependente do segurado.
A partir de 14.10.1996, por força da MP 1.523/96, o menor sob guarda deixou de ser dependente, sendo que, após a MP 1.523-3, de 10.01.1997, passou-se a exigir a comprovação de dependência econômica, que até então era presumida. Após sucessivas reedições, houve conversão na Lei 9.528/97. Todavia, em face dos princípios constitucionais protetivos do interesse do menor bem como do art. 33, §3 da Lei069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura à criança ou adolescente sob guarda todos os direitos, inclusive os previdenciários, discute-se se essa exclusão pode ser considerada.
De fato, este quadro está causando bastante discussão no âmbito de nossos Tribunais, afinal, o art. 33, §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários, concretizando a proteção prevista na nossa Constutição, no art. 227 e inciso II do §3º do mesmo artigo.
Por outro lado, a guarda, que obriga o seu detentor à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente (art. 33, caput, do ECA), em regra, destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção (art. 33, § 1°, do ECA). Não há muita dificuldade em enxergar a provisoriedade dessa espécie, pois ela não passa de fase anterior ao procedimento de tutela e adoção.
Já o § 2° do art. 33 do ECA dispõe sobre as hipóteses excepcionais, fora dos casos de tutela e adoção, em que se deferirá a guarda para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável.
A título de exemplo, os programas de acolhimento familiar ou institucional configuram situação peculiar, contudo, sua precariedade é nota intrínseca. Dois dos seus princípios esculpidos no art. 92 do ECA evidenciam essa conclusão: preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar e integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa.
A eventual falta dos pais também permite ao guardião representar o guardiado em determinada situação (ex.: menor, cujos pais estejam em outra localidade impedidos de se deslocarem, que necessita ser representado para retirada de FGTS).
Em suma, a guarda é (a) preparatória para a tutela ou adoção, (b) estágio para a reintegração familiar ou integração em família substituta ou (c) proteção aos interesses do menor diante de situação passageira. Diante do exposto, ela é meio e não fim, é estado não buscado a título de definitividade, mas como etapa prévia ou temporária àquela visada pelos próprios princípios de proteção à criação e ao adolescente. Aliás, sua natureza precária e provisória decorre de expressa previsão do art. 35 do ECA.
Isso faz com que alguns defendam que o que viola o princípio constitucional da isonomia é, na verdade, à equiparação do menor sob guarda ao tutelado pela simples razão de eles viverem situações desassemelhadas.
Já outros argumentam, numa posição intermediária que, assim como os enteados e tutelados, o menor sob guarda somente poderia obter prestações previdenciárias se comprovada com rigor a dependência econômica, de forma a excluir as guardas obtidas com o único propósito de fraudar o sistema previdenciário .
O STJ já esboçou em suas decisões preocupação com os pedidos judiciais de guarda que maquiavam a verdadeira intenção de enriquecimento ilícito, no sentido de que pretendiam criar situações jurídicas aptas a gerarem benefícios previdenciários.
Sabido é que atualmente, a inclusão voluntária de qualquer menor como dependente, sem a guarda ou tutela, não encontra suporte legal. A Lei n. 8.213/91, desde a redação dada pela Lei n. 9.032/95, não mais prevê a figura do dependente designado, e, sendo a pensão por morte regulada pela lei vigente à data do óbito, não há mais embasamento legal para este enquadramento.
Esse entendimento está em consonância com parte da jurisprudência do STJ, que tem tido posições variáveis sobre o tema. Admitiu, inicialmente, que o direito do menor sob guarda não mais existiria com a alteração legal citada (REsp. 773.944-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima), mas, em seguida, acabou por reconhecer a inconstitucionalidade da exclusão, em Questão de Ordem nos EREsp 727.716-CE, Rel. Min. Celso Limongi, julgada em 10/02/2010. Mais recentemente, a Corte, através do órgão especial, entendeu a exclusão constitucional, por decisão proferida no AI no EREsp 727.716-CE.
Vejamos algumas decisões sobre o tema:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR.
1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza específica.
2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90), norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II).
6. Havendo plano de proteção alocado em arcabouço sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício para quem dependa economicamente do instituidor.
7. Recurso ordinário provido.”
(RMS 36.034/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 15/04/2014)
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ART. 535 DO CPC - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO - DIREITO PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - MENOR SOB GUARDA JUDICIAL - ÓBITO POSTERIOR À MP 1.523/96 - IMPOSSIBILIDADE.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem decide, de forma suficientemente fundamentada, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. É firme o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça de que é indevida a concessão de pensão por morte a menor sob guarda nas hipóteses em que o óbito do segurado ocorreu na vigência da Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97. Precedentes.
3. Hipótese em que o óbito do segurado ocorreu em 19/04/2003 (certidão de fl. 21, e-STJ), em momento posterior, portanto, à alteração da legislação.
4. Recurso especial provido.”
(REsp 1328300/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/04/2013, DJe 25/04/2013)
CONCLUSÃO
A Previdência Social desempenha uma função primordial para o alcance dos meios indispensàveis à vida humana, principalmente nos momentos de vulnerabilidade dos indivíduos.O fim social da lei previdenciária é abarcar as pessoas que foram acometidas por alguma contingência na vida. Nesse aspecto, o Estado deve cumprir seu papel de assegurar a dignidade da pessoa humana a todos. O ECA representa uma políticapública de proteção à criança e ao adolescente, cumprindo mandamento do art. 227 da CF.
Não se mostra razoável a exclusão do menor sob guarda, uma vez que fere princípios constitucionais como o da isonomia, uma vez que todos são iguais perante a lei, o que traz uma contradição na exclusão do menor, deixando de aplicar ainda o princípio, também constitucional do interesse do menor, uma vez que a Constituição determina que a familia, o Estado e a sociedade têm o dever de assegurar ao menor o direito à vida, dentre muitos outros, e nestes estão incluídos os direitos previdenciários.
Ademais, não é dado ao intérprete atribuir à norma juridica atos atentatórioscontra principiosque são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento juridico.
Desse modo, embora a lei previdenciária aplicável ao segurado seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e o adolescente têm norma especifica que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos inclusive os previdenciários. (art. 33, §3 do ECA)
Aguarda-se pelo resultado da manifestação do STF na ADI 5083, proposta pela OAB, cujo Relator é o Ministro Dias Toffoli bem como está em tramitação na Câmara o Projeto de Lei 3.197/12 que tem como proposta a alteração do art. 16, da Lei 8.213/91, incluindo novamente o menor sob guarda judicial como dependente do segurado da Previdência Social.
Há inconstitucionalidade na nova redação da Lei, pois um dos princípios constitucionais, o princípio da isonomia, foi descaracterizado se é verdade que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza. A retirada do menor sob guarda judicial da dependência do segurado,traz uma contradição de pensamentos, fazendo com que seja totalmente questionável qualquer benefício que ao ser concedido, venha excluir o menor do direito de ser amparado pelos benefícios da Previdência Social.
Referências bibliográficas
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso deDireito Previdenciário, Tomo II, 2ªEd., – 2003
GONÇALVES, Ionas Deda. Direito Previdenciário. 2ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2007
IBRAHIM, Fábio Zambite. Curso de Direito Previdenciário. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013
ROCHA, Daniel Machado da. JUNIOR, José Paulo Baltazar. Comentários a Lei de Benefícios da Previdência Social. quarta edição. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora. Esmafe. 2004.Procuradora Federal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIXTO, Luisa Webber Troian. Menor sob guarda e a proteção constitucional em face da alteração legislativa que o excluiu do rol de beneficiários da pensão por morte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2014, 10:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41490/menor-sob-guarda-e-a-protecao-constitucional-em-face-da-alteracao-legislativa-que-o-excluiu-do-rol-de-beneficiarios-da-pensao-por-morte. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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