Sumário: Introdução; 1. As compras realizadas pelo Poder Público e o dever de licitar; 2. A divisibilidade do objeto e a licitação por item. Alguns entendimentos do TCU; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo expor, em breve síntese, alguns aspectos importantes acerca da licitação, nas hipóteses de compra por parte da Administração Pública, no que toca à divisibilidade do objeto e a licitação por item.
No desenvolvimento deste breve estudo, será apresentado o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) acerca de pontos importantes que geram intensa discussão entre os estudiosos e operadores do direito.
Com isto, espera-se fornecer elementos que ajudem a melhorcompreender as balizas normativas e administrativas da licitação, no tema relativo às compras efetivadas pela Administração pública.
1. As compras realizadas pelo Poder Público e o dever de licitar
A Lei Federal nº 8.666/93 foi editada, com o escopo de regulamentar o art. 37, inciso XXI, da CRFB/88, o qual possui o seguinte teor:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (g.n.)
Referido ato legislativo direciona-se à Administração Pública e demais entidades indicadas pela legislação pátria, na forma do seu artigo primeiro:
“Art. 1o. Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios” (g.n.).
Como se percebe dos destaques feitos aos dispositivos legais transcritos acima, a licitação destina-se às hipóteses de realização de obras – que será objeto de uma abordagem mais detalhada mais adiante –, bem como daqueles relacionadas à contratação de serviços e efetivação de aquisições, por parte da Administração Pública, entre outros negócios jurídicos por esta formalizado.
O processo administrativo de licitação tem três objetivos essenciais, de acordo com o art. 3º da Lei 8.666/93, quais sejam: a) promover o respeito ao princípio constitucional da isonomia; b) permitir que o Poder Público selecione a melhor proposta dentre as possíveis/existentes; e c) estimular o desenvolvimento sustentável do país. In verbis:
Art. 3o. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
A partir dessa breve introdução, fica evidenciada a necessidade, em princípio, da realização de licitação para as situações de compra quando envolvida a Administração Pública, tema que será um pouco melhor desenvolvido no tópico seguinte.
2. A divisibilidade do objeto e a licitação por item. Alguns entendimentos do TCU
Tratando-se mais especificamente sobre as compras realizadas pelo Poder Público, válido trazer à tona o conceito de compra contido na mencionada Lei 8.666/93, em seu art. 6º, inciso III: “Art. 6o. Para os fins desta Lei, considera-se:III - Compra - toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente”.
Pois bem. O detalhamento que se busca fazer neste sucinto artigo acerca das aquisições administrativas – que, em regra, deverão ser processadas por meio do sistema de registro de preços (art. 15, II, da Lei 8.666/93) – tem a ver com a possibilidade de divisão do objeto licitado, sendo certo que o art. 15, IV, da Lei de Licitações consigna expressamente que: “Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade” (g.n.).
Ora, a divisibilidade do objeto a ser adquirido permite uma maior competitividade na oferta, eis que amplia a margem daqueles possíveis licitantes que podem ofertar parte do objeto, mas não o objeto como um todo.
Nesse sentido, esclarece a doutrina com base em entendimento do TCU:
“Conforme destacado pelo TCU, o parcelamento do objeto, aplicável às compras, obras e serviços, acarreta a pluralidade de licitações, pois cada parte, item, etapa ou parcela representa uma licitação isolada em separado (ex.: construção que pode ser dividida em várias etapas: limpeza do terreno, terraplenagem, fundações, instalações hidráulica e elétrica, alvenaria, acabamento, paisagismo) (TCU. Licitações & contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4. ed. Brasília, 2010. P.225).[1]”
Nesse contexto, diante da divisibilidade do objeto, a Administração Pública pode realizar um único procedimento licitatório ou procedimentos distintos de licitação. Quando decidir pela primeira hipótese, haverá a chamada licitação por item, na qual, segundo a doutrina:
“(...) a Administração concentra, no mesmo certame, objetivos diversos que serão contratados (ex.: a licitação para compra de equipamentos de informática pode ser dividida em vários itens, tais como microcomputador, impressora etc.). Em verdade, vás licitações são realizadas dentro do mesmo processo administrativo, sendo certo que cada item será julgado de forma independente (...)[2]”.
Trata-se, pois, de um importante instrumento na busca por melhores condições e benefícios pelo Poder Público.Não por outra razão, o TCU entende que quando for possível a compra do objeto por parte (parcela), a licitação (e adjudicação do objeto licitado) deve ser obrigatoriamente feita por item:
“De acordo com o TCU, é obrigatória, nas licitações cujo objeto seja divisível, a adjudicação por item e não por preço global, de forma a permitir uma maior participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para o fornecimento da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas. TCU, Acórdão 122/2014, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, 29.01.2014, Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos do TCU n. 183.[3]”
Cumpre fazer, entretanto, fundamental ressalva, no sentido de que a divisibilidade do objeto licitado não pode servir para afastar o dever de licitar (não entra nas hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação), nos termos do art. 23, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/93[4], nem, tampouco, alterar a modalidade de licitação que seria utilizada para o todo do objeto licitado (cf. o §5º do mesmo artigo e lei[5]), eis que referida modalidade depende do somatório dos valores atinentes ao itens parcelados.
Pensar diferente seria permitir que a pretendida economicidade transforme-se em burla à legislação aplicável à espécie, porquanto se permitir a realização de modalidade licitatória menos rígida que o devido para aquele determinado objeto licitado.
Considerações finais
Foi possível perceber, nas linhas acima, que a Administração Pública, em regra, deve realizar suas compras por meio de um processo administrativo de licitação, a fim de permitir que seja alcançado o melhor resultado[6], guardando respeito ao princípio constitucional da isonomia e buscando promover o desenvolvimento sustentável do país.
Na sequência, foi objeto de abordagem a hipótese da divisibilidade do objeto licitado e da licitação por item, como instrumento à disposição do Poder Público para obter a melhor economicidade possível nas licitações que promover.
No desenvolvimento,foramainda apresentadosalguns entendimentostécnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), a fim de fornecer maiores elementos à discussão do tema ora abordado.
Portanto, a exposição teve por objetivo o fornecimento de um norte jurídico que ajude o leitor a melhor compreender as balizas normativas e administrativas da licitação, no tema relativo às compras efetivadas pela Administração pública, eis que se trata de tema de enorme relevância no direito administrativo brasileiro.
Bibliografia
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014.
[1] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Pág. 357.
[2]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Pág. 358.
[3]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Idem.
[4]§ 1º As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
§ 2º Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
[5]§ 5o É vedada a utilização da modalidade "convite" ou "tomada de preços", conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.
[6]“A administração gerencial (ou governança consensual) objetiva atribuir maior agilidade e eficiência na atuação administrativa, enfatizando a obtenção de resultados, em detrimento de processos e ritos, e estimulando a participação popular na gestão pública.” (g.n.) InMAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Págs. 35 e 36.
Procurador Federal e Professor de Processo Civil da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Pós-graduado em Direito Público (UnB/AGU), em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas - FGV) e em Relações Internacionais (Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Bruno César Maciel. Alguns apontamentos sobre licitação: a divisibilidade do objeto e a licitação por item nas hipóteses de compra por parte da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2014, 10:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41493/alguns-apontamentos-sobre-licitacao-a-divisibilidade-do-objeto-e-a-licitacao-por-item-nas-hipoteses-de-compra-por-parte-da-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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