1. INTRODUÇÃO
O escopo do presente estudo é responder se é possível o protesto de obrigações acessórias ao contrato, como é o caso da fiança ou da cláusula penal, independentemente do protesto da obrigação principal.
Para tanto, cumpre inicialmente identificar as notas distintivas essenciais das obrigações acessórias e principais.
A distinção doutrinária entre bens acessórios e principais foi positivada pelo Código Civil cujo artigo 92 reza: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.”
Partindo de tal classificação, aplicável aos bens, também as obrigações podem ser apartadas em principais e em acessórias. Serão acessórias as obrigações pactuadas como decorrência de uma obrigação principal assumida.
No ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira:
Como das próprias expressões se verifica, diz-se que é principal uma obrigação quando tem existência autônoma, independente de qualquer outra. E é acessória quando, não tendo existência em si depende de outra a que adere ou de cuja sorte depende.
Ao tratar da fiança, o art. 821 do Código Civil deixa patente tratar-se de uma obrigação acessória, ou seja, não existe por si mesma, mas apenas em razão – e com o escopo de garantia – da existência de uma obrigação principal. Este artigo dispõe que o fiador de uma obrigação futura somente poderá ser demandado após a obrigação do principal devedor ter se tornada líquida e certa.
Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor.
Por sua vez, o art. 827 traz a regra de que, salvo convenção em contrário, o fiador tem o direito de ver excutidos primeiramente os bens do devedor principal antes de que possa lhe ser exigida a satisfação da obrigação.
Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Em síntese, a fiança somente existe em função de uma obrigação principal a qual visa a garantir, e como regra, primeiramente deve ser exigido do devedor principal o cumprimento da obrigação convencionada e, somente se frustrada essa, poderá ser exigido o fiador.
O protesto, por sua vez, é o instituto definido pela Lei 9.492/97 como o “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
A Lei n.º 9.492/1997 inclui como objeto do protesto além dos títulos cambiais, os documentos demonstrativos de dívida, no entanto, sem defini-los. A doutrina entende que tais títulos, além dos cambiais, são os ordinários que comprovem obrigações certas, liquidas e exigíveis.
O objeto do protesto, portanto, não se resume aos títulos de crédito, mas abrange quaisquer títulos que comprovem obrigações certas, líquidas e exigíveis, como pode ser o caso de contratos. Assim, a primeira conclusão a que se chega é que contratos podem ser protestados.
Por outro lado, há que se ter em mente a principal finalidade do protesto: comprovar solenemente a inadimplência do devedor principal e, demonstrando a diligência do credor, permitir que este exerça seu direito de regresso contra coobrigados.
No caso particular da fiança, tendo em vista a supra referida natureza acessória de tal obrigação e a possibilidade de o fiador alegar o benefício de ordem, não é possível o seu protesto independentemente do protesto da obrigação principal. Com efeito, o fiador somente poderá ser demandado caso o devedor principal, inicialmente cobrado, não satisfaça a obrigação assumida. Portanto, resta necessário primeiramente protestar a obrigação principal.
Cabe ressalvar, todavia, que caso a obrigação acessória se revista da cláusula de solidariedade, poderá haver seu protesto. A jurisprudência abaixo colacionada, advinda do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ilustra este entendimento:
TJ-SP - Apelação APL 990100319272 SP (TJ-SP)
Data de publicação: 09/03/2010
Ementa: Locação de imóvel. Ação visando a declaração de inexistência de fiança, exclusão de protesto e indenização por dano moral.Renúncia ao benefício de ordem. Fiadores que se obrigaram como principais pagadores.Responsabilidade pelas obrigações contratuais até a entrega das chaves. Prorrogação do contrato que não se confunde com aditamento.Caso de fiadores que se responsabilizaram pelo pagamento direto dos aluguéis devidos pelo locatário, empregado de sua empresa.Inaplicabilidade ao caso da Súmula 214 do STJ. Apelo improvido.
Ao proceder à qualificação do título levado a protesto, o tabelião fatalmente perceberá que a fiança, obrigação acessória, não poderá ser exigida antes da obrigação principal, circunstancia que impedirá o protesto da fiança.
A cláusula penal também conhecida como pena convencional, é um pacto acessório pelo qual as partes estipulam previamente o valor de eventual indenização que será devida no caso de inadimplemento da obrigação principal.
Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.
Pela mesma razão – o fato de ser uma obrigação acessória – a sua exigibilidade está condicionada à prévia demonstração de descumprimento da obrigação principal. Apenas o prejuízo decorrente da inadimplência é que não precisará ser provado. Diante disso, não é cabível o seu protesto autonomamente, antes de demonstrado o descumprimento da obrigação principal.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. 3ª. ed. São Paulo: Editora Método, 2012.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19a ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.
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