Resumo: O artigo trata do regime jurídico aplicável aos empregados públicos contratados pelas pessoas jurídicas de direito púbico, abordando temas como a obrigatoriedade do regime jurídico único e as regras aplicáveis a essa categoria de empregados.
1. INTRODUÇÃO
O presente texto trata do regime jurídico aplicável aos empregados públicos contratados pelas pessoas jurídicas com personalidade jurídica de direito púbico.
Os agentes estatais ora estudados não se confundem com os servidores públicos, que ocupam cargos de provimento efetivo e estão sujeitos ao regime jurídico estatutário. Os empregados públicos são os agentes disciplinados pela legislação trabalhista, porém com regras específicas inerentes ao regime de direito público.
Além disso, não se deve confundir os empregados públicos com os empregados temporários da Administração pública, contratados para atender necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX da Constituição), que estão submetidos a regime especial de natureza jurídico-administrativo.
Os empregados públicos podem ser contratados por entidades com personalidade jurídica de Direito público ou por Empresas públicas e Sociedades de economia mista, que possuem personalidade jurídica de Direito privado. Nesse último caso, a Constituição da República expressamente determina, em seu art. 173, §1º, II, que deverá ser adotado o mesmo regime das empresas privadas, inclusive quantos aos direitos e obrigações trabalhistas. Embora em ambos os casos os empregados públicos estejam submetidos à disciplina celetista, os empregados da Administração Direta, autárquica e fundacional (entidades de Direito público) estão sujeitos a regime jurídico distinto daquele aplicável aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista.
O foco deste trabalho é o empregado público das entidades de Direito público, cujo vínculo é de Direito privado, porém com adaptações que são inerentes à atividade administrativa estatal.
2. REGIME JURÍDICO ÚNICO
A redação original do art. 39 da Constituição Federal de 1988 estabelecia a obrigatoriedade da adoção do regime jurídico único, por meio do qual cada ente da Federação deveria adotar apenas um regime jurídico para todos os seus servidores. Ou seja, os entes federativos poderiam livremente optar pelo regime jurídico de seus servidores, desde que fosse aplicado o mesmo regime para todos os contratados, de maneira uniforme. Observa-se que objetivo dessa norma era evitar a coexistência de agentes sujeitos a disciplinas diversas dentro de uma mesma entidade federativa.
Diante disso, foi editada a Lei 8.112/90, instituindo o regime jurídico dos servidores públicos civis da União e de suas Autarquias e Fundações, adotando-se o regime estatutário no âmbito federal. Em decorrência, os empregos públicos existentes à época foram transformados em cargos públicos, conforme disposto no art. 243 da referida lei.
No entanto, a Emenda Constitucional nº 19/1998 alterou o art. 39 da Constituição para excluir a exigência da adoção de um único regime jurídico para os agentes da Administração Pública, possibilitando a existência de agentes sujeitos a diferentes regimes dentro do mesmo ente federado. Desse modo, sobreveio a Lei 9.962/2000, disciplinando o regime de emprego público no âmbito federal, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.
A partir desse momento, a União Federal e suas Autarquias e Fundações estavam autorizadas por lei a efetuar contratações de pessoal tanto pelo regime estatutário, regulado pela Lei 8.112/90, quanto pelo regime celetista, com base na Lei 9.962/2000 e na CLT.
Ocorre que, no dia 02 de agosto de 2007, o Supremo Tribunal Federal deferiu medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135/00, para suspender a eficácia da nova redação do art. 39 da Constituição, instituída pela EC 19/1998. A partir dessa decisão, voltou a vigorar a redação original do art. 39 da Constituição, sendo restabelecida a obrigatoriedade do regime jurídico único para as entidades com personalidade jurídica de Direito Público.
É importante destacar que essa decisão teve efeitos ex nunc, permanecendo válidas as leis que regulamentaram mais de um regime jurídico de pessoal numa mesma entidade federativa e, assim, resguardando as situações jurídicas consolidadas até aquele momento. Logo, considerando que, no âmbito federal, houve contratação de empregados públicos entre a vigência da Lei 9.962/2000 e a supramencionada decisão do STF, coexistem, atualmente, servidores estatutários e empregados públicos celetistas, não obstante esteja suspensa a possibilidade de contratação por regimes jurídicos distintos.
3. REGRAS GERAIS APLICÁVEIS AOS EMPREGADOS PÚBLICOS DE ENTIDADES DE DIREITO PÚBLICO
Embora esteja suspensa a possibilidade de contratação de empregados públicos no âmbito federal, o estudo das regras aplicáveis aos empregados públicos das entidades de Direito público se justifica pelo fato de existirem empregados públicos em atividade, contratados antes da decisão liminar do STF na ADI nº 2135/00.
Os empregados públicos estão submetidos ao regime jurídico celetista. Contudo, em virtude da atividade estatal por eles desempenhada e dos princípios inerentes à Administração pública, não é possível que eles se submetam integralmente às regras aplicáveis aos trabalhadores da iniciativa privada. Por esse motivo, a doutrina se refere a um regime jurídico híbrido que, embora tenha natureza de Direito privado, apresenta peculiaridades de Direito público.
A primeira característica é a exigência de concurso público para contratação, nos termos do art. 37, II da Constituição da República. Essa exigência se justifica pela necessidade de assegurar os princípios da isonomia, moralidade, publicidade e eficiência nessas contratações. Logo, diferencia-se, neste ponto, do regime aplicável à iniciativa privada, no qual admite-se até mesmo o contrato tácito, desde que presentes os elementos que caracterizam a relação de emprego. Logo, somente por concurso público forma-se o vínculo empregatício com relação às entidades da Administração Pública. Nesse sentido, a súmula 331, II, do TST:
Súmula nº 331 do TST
(...)
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
(...)
Além disso, é importante destacar que nem todas as funções estatais podem ser exercidas pelos empregados públicos. Com efeito, as atividades inerentes às competências essenciais do Estado somente podem ser exercidas por agentes submetidos a regime jurídico de direito público, que contém regras compatíveis com o exercício dessas funções. Destarte, o empregado público não pode realizar funções relacionadas às atividades típicas de Estado, que são exclusivas dos servidores públicos estatutários.
A remuneração dos empregados públicos é fixada por lei, sendo limitada ao teto constitucional estabelecido pelo art. 37, XI, da Constituição. Além disso, o art. 37, XVII, da Constituição estabelece a vedação de acumulação remunerada de empregos públicos, salvo nas hipóteses previstas na própria Constituição e desde que haja compatibilidade de horários.
No que tange à Previdência, os empregados públicos estão vinculados ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, fazendo jus aos benefícios da Previdência Social previstos na Lei 8.213/91, conforme determina o §13 do art. 40 da Constituição da República:
§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.
Ao contrário dos servidores públicos estatutários, que participam de regime próprio de previdência social – RPPS, aos empregados públicos aplica-se o mesmo regime de previdência dos trabalhadores da iniciativa privada. Por esse motivo, não se enquadram na regra do art. 37, §10 da Constituição, que estabelece a vedação de percepção simultânea de proventos de aposentadoria do RPPS com a remuneração do emprego público. Desse modo, é possível que o empregado público continue exercendo sua função mesmo após preencher os requisitos para aposentadoria, que será paga pelo INSS. Assim, haverá uma relação jurídica do empregado com a Previdência Social, que não se confunde com a relação jurídica entre o empregado e a entidade pública a qual está vinculado. Neste aspecto, cabe destacar que o STF, no julgamento da ADI 1721-3, consolidou o entendimento no sentido de que a aposentadoria voluntária não extingue o contrato de trabalho.
4. ESTABILIDADE E DISPENSA DO EMPREGADO PÚBLICO
Além das estabilidades previstas na CLT, o art. 41 da Constituição determina hipótese de estabilidade própria do setor público:
Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
O Tribunal Superior do Trabalho consolidou jurisprudência no sentido da aplicação da estabilidade do art. 41 da Constituição aos empregados públicos das pessoas jurídicas de direito público, conforme a Súmula 390 daquela Corte:
Súmula 390, TST
ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
Pelo teor do item II da súmula supratranscrita, verifica-se uma importante distinção entre os empregados públicos das entidades de direito púbico em relação aos empregados públicos das entidades de direito privado, já que somente os primeiros possuem a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição.
Em decorrência dessa estabilidade, as possibilidades de dispensa dos empregados públicos de entidades públicas são mais restritas que dos trabalhadores celetistas em geral. Isso porque não é possível a dispensa imotivada desses empregados, como é a regra das relações empregatícias celetistas, caso em que a dispensa por mera conveniência constitui direito potestativo do empregador. As únicas hipóteses de dispensa dos empregados públicos estão dispostas no art. 3º da Lei 9.962/2000:
Art. 3º O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração pública nas seguintes hipóteses:
I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;
II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;
IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.
Parágrafo único. Excluem-se da obrigatoriedade dos procedimentos previstos no caput as contratações de pessoal decorrentes da autonomia de gestão de que trata o § 8o do art. 37 da Constituição Federal.
5. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE DEMANDAS ENVOLVENDO EMPREGADOS PÚBLICOS DAS ENTIDADES DE DIREITO PÚBLICO
A EC 45/2004 alterou a redação do art. 114, I, da Constituição para fixar a competência da Justiça do para julgar os dissídios envolvendo os entes da Administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do DF e dos Municípios.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 3395-6, suspendeu toda e qualquer interpretação que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas entre o Poder público e os servidores públicos estatutários ou empregados temporários com vínculo jurídico-administrativo. Logo, as lides trabalhistas dos empregados públicos da Administração direta, autárquica e fundacional deverão ser apreciadas pela Justiça do Trabalho, ao passo que os conflitos laborais dos servidores públicos estatutários deverão ser apreciados pela Justiça comum.
Na hipótese de mudança de regime celetista para estatutário, tal como ocorreu com a edição da Lei 8.112/90 (art. 243), permanece a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de conflitos referentes ao período celetista, conforme determina a Súmula 97 do STJ:
“Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do regime jurídico único.”
Do mesmo modo, a OJ 138, da SDI-I do TST, dispõe que:
Compete à Justiça do Trabalho julgar pedidos de direitos e vantagens previstos na legislação trabalhista referente a período anterior à Lei nº 8.112/90, mesmo que a ação tenha sido ajuizada após a edição da referida lei. A superveniência de regime estatutário em substituição ao celetista, mesmo após a sentença, limita a execução ao período celetista.
6. CONCLUSÃO
Os empregados públicos das entidades com personalidade jurídica de direito público estão submetidos ao regime celetista, de direito privado. No entanto, determinadas regras celetistas são inaplicáveis a essa categoria de empregados em virtude da incompatibilidade com os princípios do Direito administrativo.
Com efeito, o Direito do trabalho está voltado para a tutela do trabalhador, como forma de promover o necessário equilíbrio entre a parte hipossuficiente da relação laboral e o empregador. Por outro lado, o Direito Administrativo é direcionado à tutela do cidadão, regulando a atividade administrativa para que satisfaça as necessidades coletivas, estando sujeito a princípios próprios, tais como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade, e a eficiência (art. 37 da Constituição).
Portanto, o regime jurídico privado dos empregados públicos sofre modificações para aplicação de algumas regras de direito público, que são inerentes à atividade administrativa estatal por eles desempenhada.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. (atual. Eurico Azevedo et al.) São Paulo: Malheiros, 2009.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho, 11. ed. Sâo Paulo: Método, 2010.
SARAIVA. Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 10. ed. Método, 2013.
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. O regime jurídico dos empregados públicos das entidades de direito público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41515/o-regime-juridico-dos-empregados-publicos-das-entidades-de-direito-publico. Acesso em: 22 nov 2024.
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