RESUMO: No presente estudo faremos uma análisedas principais características do instituto da concessão de serviços públicos, sobretudo daquelas que o diferenciam das demais espécies de contratos administrativos.
Palavras-chave: Concessão. Serviço. Público. Conceito. Natureza. Jurídica. Características. Licitação. Tarifa. Extinção.
1. INTRODUÇÃO
Nos termos do art. 175, caput, da Constituição Federal, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a concessão de serviços públicos decorre do crescente movimento de privatização que vem ocorrendo no Brasil de diferentes maneiras:
a. pela venda de ações de empresas estatais ao setor privado (privatização em sentido estrito), com o que muda a natureza da concessionária: esta deixa de ser uma empresa estatal e passa a ser uma empresa privada (...)
b. pelo retorno do instituto da concessão de serviços públicos, em sua forma tradicional, especialmente a partir de sua disciplina legal pelas Leis ns. 8.987, de 13.12.95, e 9.074, de 7.7.95 (...)[1]
Com efeito, desde a implantação da Política Nacional de Desestatização, iniciada na década de 90, a concessão de serviços públicos vem aumentando gradativamente, sobretudo após a regulamentação desse instituto, veiculada na Lei n. 8.987/95.
Embora a delegação de diversos serviços públicos à iniciativa privada, sobo regime de concessão, já tenha se tornado uma prática comum em diversos setores da Administração Pública, a doutrina administrativista ainda diverge em alguns aspectos desse instituto relativamente novo no ordenamento jurídico pátrio.
Assim, propõe o presente artigo o estudo dos traços típicos da concessão de serviços públicos, que a diferenciam dos demais institutos de Direito Administrativo.
2. Conceito e natureza jurídica da concessão de serviços públicos
De acordo com o art. 2º, inciso II, da Lei 8.987/95, concessão de serviço público é“a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.
Já Celso Antônio Bandeira de Mello define a concessão de serviços públicos como “o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio-econômico financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço”[2](grifo conforme original).
O autor Edmir Netto de Araújo conceitua a concessão de serviços públicos como “a transferência por contrato, temporária e resolúvel, de execução de serviços públicos essenciais, secundários ou de simples interesse público ou utilidade pública, dos quais a Administração tem a titularidade, para que, por sua conta e risco, no interesse geral, o concessionário os desempenhe ou explore”[3].
Afirmando que os autores doutrinários não estão acordes quanto ao conceito, à natureza jurídica, aos efeitos e ao objeto da concessão (e da permissão), Diogenes Gasparini afirma que “concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço, que lhe é privativo, a terceiro que para isso manifeste interesse e que será remunerado adequadamente mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ele aprovada”[4].
Dos conceitos transcritos acima, pode-se concluir, apesar da divergência entre os doutrinadores de direito administrativo, que o instituto da concessão tem natureza jurídica contratual.
Com efeito, embora alguns autores defendam a tese de que seria um ato administrativo, a própria Constituição Federal, em seu art. 175, parágrafo único, inciso I, menciona o “caráter especial” dos contratos de concessão e permissão de serviços públicos.
Ademais, a Lei n. 8.987/95 prescreve, já no art. 1º, que as concessões e permissões reger-se-ão pelas normas legais e constitucionais aplicáveis e pelas cláusulas dos “indispensáveis contratos”. Inegável, portanto, que a concessão tem natureza jurídica de contrato administrativo.
3. Principais aspectos da concessão de serviços públicos
Do conceito de concessão de serviços públicos, observam-se alguns traços característicos desse instituto, conforme veremos a seguir.
3.1 Prazo determinado e possibilidade de prorrogação
A Lei n. 8.987/95 inseriu na definição de concessão de serviço público a característica de que o respectivo contrato deve ter prazo determinado. A mesma lei previu, ainda, como cláusula essencial desse tipo de contrato, as condições para sua prorrogação (art. 23, inciso XII).
3.2 Existência de cláusulas regulamentares e cláusulas econômicas
Na lição de Ruth Helena Pimentel de Oliveira, toda concessão tem dois tipos de cláusulas: as regulamentares e as econômicas. “As cláusulas econômicas (...) são fixas e só podem ser alteradas por consentimento entre as partes, pois cuidam da equação econômico-financeira estabelecida no contrato”. Já as cláusulas regulamentares “definem o objeto da concessão, a forma de execução do serviço, como a fiscalização será exercida pelo Poder Concedente, os direitos e deveres das partes, as penalidades cabíveis, as formas de extinção (...)[5]”. Estas últimas são fixadas pelo Poder Concedente e somente por ele podem ser alteradas.
3.3 Obrigatoriedade de licitação prévia
Constitui imposição legal a realização de licitação prévia às concessões (Lei n. 8.987/95, art. 14), em regra, na modalidade concorrência. Há, no entanto, diferenças significativas no critério de julgamento estabelecido na Lei de Concessões e na Lei de Licitações (n. 8.666/93).
Eis o teor do art. 15 da Lei n. 8.987/95, com as alterações inseridas pela Lei n. 9.648/98:
Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios:
I - o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;
II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão;
III - a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII;
IV - melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;
V - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;
VI - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica;ou
VII - melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.
Além das questões atinentes ao critério de julgamento, há ainda outras diferenças que merecem ser citadas, conforme lembra Celso Antônio Bandeira de Mello: “o poder concedente deverá publicar ato justificando a conveniência da outorga, caracterizando seu objeto, área ou prazo” (art. 5º); no edital “deverá constar a descrição das condições necessárias à prestação adequada do serviço” (art. 18, II); “o poder concedente pode, desde que previsto no edital, exigir que o consórcio vencedor se constitua em empresa antes da celebração do contrato”[6] (art. 20).
3.4 Caráter intuitu personaee possibilidade de subconcessão
Em regra, o serviço público concedido somente pode ser executado pelo vencedor do certame licitatório. Todavia, a Lei 8.987/95 prevê a possibilidade de subconcessão, desde que haja previsão contratual nesse sentido e expressa autorização do poder concedente (art. 26).
Admite, ainda, a legislação aplicável à matéria, a transferência de concessão ou do controle societário da concessionária, desde que haja prévia anuência do poder concedente.
3.5 Política tarifária
Conforme leciona Ruth Helena Pimentel de Oliveira, “enquanto na quase totalidade dos contratos administrativos celebrados pela Administração a remuneração do serviço contratado compreende o preço ajustado, o qual será pago pelo Poder Público ao particular contratante, na concessão de serviço público, ao contrário, a remuneração do concessionário é obtida pela exploração do serviço, ou os próprios usuários do serviço concedido pagam um valor correspondente à prestação por ele usufruída”[7].
De fato, a tarifa constitui a principal fonte de receita do concessionário e será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas na Lei n. 8.987/95.
3.6 Formas de extinção da concessão
A concessão extingue-se, em regra, pelo advento do termo contratual. Todavia, a Lei n. 8.987/95, em seu art. 35, prevê também outras formas de extinção, como a encampação, a caducidade, a rescisão, a anulação e a falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.
A encampação consiste na retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização (art. 37). Trata-se de uma forma de rescisão unilateral do contrato pelo Poder Concedente, em prol do interesse público.
A caducidade decorre da inexecução total ou parcial do contrato pela concessionária e poderá ser declarada pelo Poder Concedente quando o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente ou quando a concessionária: descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior; perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido; não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos; não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; ou não atender a intimação do poder concedente para, em cento e oitenta dias, apresentar a documentação relativa à regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993(art. 38, §1º da Lei n. 8.987/95.
A lei não esclarece quais seriam as formas de rescisão, mas no entender de Hely Lopes Meirelles seria a rescisão judicial[8].
A anulação decorre de uma ilegalidade da concessão, decorrente de vício insanável, que macula o contrato, ocasionando irremediavelmente a sua extinção.
Por fim, a falência ou extinção da concessionária extinguem a concessão devido ao caráter intuitu personae desse instituto, conforme visto acima.
4. CONCLUSÃO
Pelo exposto, pode-se concluir que a concessão de serviços públicos tem natureza jurídica de contrato administrativo, deve ser sempre precedida de licitação, tem prazo determinado (podendo ser prorrogado) e pode ser extinta por diversas modalidades distintas dos demais contratos administrativos, sendo mister ressaltar, ainda, que a remuneração da concessionária é feita por meio de tarifa, paga pelos usuários do serviço prestado e não pela Administração Pública, como ocorre em outras espécies de contratos firmados entre particular e o Poder Público.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 62.
[2]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004, p. 652.
[3] ARAÚJO, Edmir Netto de. Do negócio jurídico administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 133.
[4] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 312
[5] OLIVEIRA, Ruth Helena Pimentel de. Entidades Prestadoras de Serviços Públicos e Responsabilidade Extracontratual. São Paulo: Atlas, 2003, p. 74
[6] Op. cit. pp. 667/668
[7] Op. cit. p. 79
[8] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 353
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Processual Civil - Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL - conclusão em junho/2008. Graduada em Direito - Universidade Federal de Uberlândia - UFU - conclusão em janeiro/2000.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Letícia Mota de Freitas. O instituto da concessão de serviços públicos - aspectos principais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41518/o-instituto-da-concessao-de-servicos-publicos-aspectos-principais. Acesso em: 22 nov 2024.
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