Introdução
O presente estudo objetiva analisar a aplicação do instituto da decadência do direito de revisão do ato de concessão do benefício previdenciário, abordando o alcance das duas hipóteses de início do prazo decadencial previstos no artigo 103, caput da Lei nº 8.213/91, bem como a possibilidade de interrupção da decadência.
Desenvolvimento
O artigo 103 da Lei nº 8.213/91 denomina de decadência o direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício nos seguintes termos:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
Assim, tratando-se de prazo decadencial, a ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício estaria classificada como ação constitutiva com prazo especial fixado em lei (dez anos)[1].
No caso em estudo, para fins de revisão de benefício previdenciário, o exercício do direito de se pleitear a revisão tem início a contar do primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva do pedido de revisão administrativa do benefício no âmbito administrativo.
Logo, após o primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo tem início o curso do prazo decadencial.
O primeiro prazo estabelecido na lei, qual seja, após o primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação, é o prazo primário, onde compete ao segurado requerer administrativamente ou judicialmente[2] a revisão do benefício tendo como premissa unicamente o ato de concessão administrativa do benefício previdenciário.
Já o segundo prazo estabelecido na lei, qual seja, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo, decorre do primeiro, ou seja, houve o requerimento administrativo de revisão do benefício e, consequentemente houve a interrupção do prazo decadencial, logo, trata se de prazo secundário. Após a resposta da Administração ao requerimento administrativo de revisão de benefício, o prazo decadencial tem novo curso a contar do zero, ou seja, contam-se mais dez anos da decisão administrativa.
Cumpre observar, todavia, qual a razão de definir o artigo 103, caput, da Lei 8213/91 que o prazo para pleitear a revisão de benefícios previdenciários é de decadência? Auxiliando o entendimento que pretendemos esposar no presente texto, cumpre analisar a lição de Agnelo Amorim:
...quando a lei, visando à paz social, entende de fixar prazo para o exercício de alguns direitos potestativos (seja exercício por meio de simples declaração de vontade, como o direito de preempção ou preferência; seja exercício por meio de ação, como o direito de promover a anulação do casamento), o decurso do prazo sem o exercício do direito implica na extinção deste, pois, a não ser assim, não haveria razão para fixação do prazo. Tal consequência (a extinção do direito) tem um explicação perfeitamente lógica: É que (ao contrário do que ocorre nos direito suscetíveis de lesão) nos direito potestativos subordinados a prazo o que causa intranquilidade não é, propriamente, a existência da ação, mas a existência do direito, tanto que há direitos desta classe ligados a prazo, embora não sejam exercitáveis por meio de ação. O que intranquiliza não é a possibilidade de ser proposta a ação, mas a possibilidade de exercido o direito. Assim, extinguir a ação, e deixar o direito sobreviver (como ocorre na prescrição), de nada adiantaria, pois a situação de intranquilidade continuaria de pé.
No cenário jurídico e econômico atual, inegável que o controle das contas públicas, particularmente no que concerne aos valores pagos pela Previdência Social a título de benefício previdenciário, é motivo de preocupação.
Constantes são as notícias sobre as dificuldades de se controlar as contas da Previdência Social, motivo pelo qual parece que o legislador pretendeu estabilizar os valores pagos a título de benefício previdenciário aos segurados, posto que no passado recente, dado a inexistência de prazo decadencial, os benefícios previdenciários podiam ser revistos a qualquer tempo, gerando instabilidade no controle das contas e dificultando a Administração Previdenciária.
As dificuldades são facilmente perceptíveis em diversos aspectos, desde o controle dos arquivos dos documentos concessórios até a análise de documentos que se deterioram com o passar do tempo e que muitas vezes fundamentam os pleitos revisionais, fato que dificulta ou impossibilita a análise do pedido de revisão efetuado pelo segurado.
Outro aspecto importante na conceituação do prazo decadencial diz respeito ao aspecto financeiro, pois muitas vezes o direito de revisão é concedido ao segurado administrativamente ou judicialmente em razão de vínculo empregatício comprovado, mas a Administração fica impossibilitada de efetuar a cobrança das contribuições previdenciárias devidas pelo empregador em razão da decadência, motivo pelo qual a denominação decadência do direito ou ação do segurado objetivando a revisão do benefício previdenciário visa estabilizar de forma definitiva a relação jurídico previdenciária.
Tal como a prescrição, elemento essencial para a configuração do instituto da decadência é a inércia do titular para exercitar o seu direito.
Sem a configuração da inércia do titular não há que se falar em decadência. Logo, o exercício regular do direito é causa interruptiva da decadência.
A possibilidade de interrupção da decadência encontra previsão expressa no artigo 207 do Código Civil ao possibilitar que salvo disposição legal em contrário, não se aplicam a decadência as normas que interrompem a prescrição:
Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem ou interrompem a prescrição.
Assim, as normas que interrompem a prescrição não se aplicam a decadência, porém a lei pode determinar causas interruptivas da decadência, inclusive em hipóteses semelhantes as interruptivas da prescrição.
O requerimento administrativo de revisão de benefícios interrompe a decadência do direito de revisão, iniciando-se novo prazo após a resposta da Administração.
Porém, cumpre indagar se ao invés de formular requerimento administrativo de revisão de benefício o segurado opte por propor diretamente ação judicial pleiteando a revisão do benefício previdenciário, em razão de entendimento pacífico do INSS quanto ao indeferimento do pedido de revisão, aspecto que afasta a necessidade de prévio requerimento administrativo de revisão de benefício, e ressaltando que essa hipótese não se encontra prevista em lei como causa interruptiva da decadência, haveria a interrupção do prazo decadencial nos moldes do requerimento administrativo de revisão de benefício?
A resposta só pode ser positiva, posto que, como dito acima, não resta configurada a inércia do segurado, elemento que caracteriza a decadência, mantendo-se a interrupção até a conclusão do feito judicial.
Agora, suponhamos a seguinte hipótese: o segurado propõe ação judicial, a qual tramita durante doze anos, porém, ao final, é extinta sem julgamento de mérito. Houve a decadência do direito de revisão para formulação de novo requerimento administrativo ou judicial de revisão de benefício?
Cremos que não, caso se trate de ação ou pedido de revisão com base em idêntico fundamento do constante da medida judicial extinta sem julgamento de mérito, posto que da mesma forma que o requerimento administrativo de revisão, durante o curso da medida judicial não há que se falar em decadência, restando ao segurado propor nova medida judicial ou, inclusive, requerer a revisão na esfera administrativa em razão do posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade de prévio requerimento administrativo para se caracterizar o interesse de agir, posto que a decadência restou suspensa.
Agora, suponha-se que o segurado proponha nova ação idêntica àquela extinta sem julgamento do mérito. Não há decadência, contudo, como se aplicaria a prescrição das parcelas vencidas?
A interrupção da prescrição nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil determina o pagamento das parcelas devidas no quinquênio que antecede a propositura da primeira medida judicial proposta, ou seja, há direito as diferenças devidas correspondentes aos cinco anos que antecedem a propositura da primeira medida judicial proposta, posto que na data da propositura da primeira medida judicial houve a interrupção da decadência e, consequentemente, da prescrição para fins de pagamento das diferenças devidas.
Questionamento importante acerca do estudo da decadência diz respeito a hipótese de, uma vez interrompida a decadência, pode o segurado se aproveitando dessa interrupção propor novo pedido de revisão fundado em fatos diversos quando já ultrapassados os dez anos do primeiro dia do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação? Tal hipótese se aplicaria, por exemplo, quando o segurado pleiteia inicialmente a revisão do benefício fundado na desconsideração de determinado salário de contribuição do período básico de cálculo. A decadência se interrompe e após a resposta da Administração retorna a partir do marco zero. Passados dez anos do marco inicial concessão do benefício, o segurado requer novo pedido de revisão com fundamento nos índices de correção monetária utilizados para atualização dos salários de contribuição, ou seja, fundamenta o pedido de revisão em argumento diverso àquele que fundamentou o pedido de revisão anteriormente formulado antes do curso do prazo decadencial.
Nesse caso, considerando unicamente o último pedido de revisão, este estaria abarcado pela decadência a contar a contar do primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou pode se considerar que não há que se falar em decadência posto que a mesma foi interrompida no dia em que o segurado tomou conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo do pedido de revisão anterior formulado antes do transcurso do prazo decadencial?
Como é pacífico na doutrina, o início do curso da prescrição é determinado pelo nascimento da ação. Segundo Savigny, a actio nata se caracteriza por dois elementos, a existência de um direito atual, o qual pode ser pleiteado imediatamente em juízo, e a violação a esse direito.
Tratando-se de decadência, no caso em comento, condição para o seu exercício seria a não materialização do direito, por exemplo, o caso de um benefício concedido equivocadamente.
A lesão seria então o equívoco do INSS em conceder corretamente o benefício do segurado, fato que pode coincidir com o momento da concessão (data de entrada do requerimento administrativo de concessão de benefício) ou, posteriormente, com o reconhecimento do direito do segurado em momento posterior a concessão do benefício, tal qual o trânsito em julgado de uma ação trabalhista ou a resposta a um pedido de revisão negados pela Administração.
O artigo 103 da Lei nº 8.213/91 dispõe que é de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício.
Observe-se que a lei fala que é de decadência todo e qualquer direito ou ação para a revisão do ato de concessão de benefício. Ao utilizar o termo ação, pode se concluir que a ação pode ser proposta de plano para fins de revisão de benefício, mas, principalmente, para obter a revisão judicial do pleito revisional negado na esfera administrativa, logo seria de dez anos o prazo para propositura de ação objetivando a revisão judicial a contar da data em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
Com base na premissa de que a decadência se presta a pacificação social, entendo que o segundo pedido de revisão com base em fundamento diverso ao pedido anterior não aproveita a interrupção da decadência motivado por pedido de revisão anterior, sendo que a norma que prevê o início do prazo decadencial a contar da data em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo apenas seria justificável para a interposição de ação judicial objetivando a obtenção do pleito com base no mesmo fundamento negado na esfera administrativa.
Tal conclusão encontra lógica no próprio texto da lei, como acima visto, bem como atende ao fundamento maior da decadência que é a pacificação social. A interpretação teleológica da norma também leva a esta conclusão, posto que interpretação diversa significaria que qualquer pedido de revisão, por qualquer motivo, teria o condão de interromper a decadência para novos pedidos de revisão com base em fundamentos diversos.
Conclusão
Diante do exposto, entendo que o instituto da decadência previsto no artigo 103, caput, da Lei nº 8.213/91, se interrompe quando há a resposta da Administração Previdenciária relativa a pedido de revisão formulado administrativamente pelo segurado, bem como a interrupção ocorre especificamente para a matéria relacionada àquele pedido de revisão, não abrangendo pedidos de revisão com fundamentos diversos.
[1] Agnelo Amorim Filho, em artigo denominado ‘Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis’, conclui o quanto segue:
1º - Estão sujeitas a prescrição: todas as ações condenatórias, e somente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil);
2º - Estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito a que correspondem): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei;
3º - São perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias.
[2] Observar no presente caso a recente decisão do Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade de prévio requerimento administrativo para fins de propositura de ação judicial em matéria previdenciária. Todavia, o argumento ora exposto é válido para medidas propostas anteriormente ao prazo de modulação dos efeitos da decisão pelo Supremo Tribunal Federal.
Procurador Federal e Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MICCHELUCCI, Alvaro. Aplicação do instituto da Decadência no Direito Previdenciário. Breve análise do instituto. Possibilidade de interrupção da Decadência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41547/aplicacao-do-instituto-da-decadencia-no-direito-previdenciario-breve-analise-do-instituto-possibilidade-de-interrupcao-da-decadencia. Acesso em: 22 nov 2024.
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