Resumo: O artigo trata da contratação de pessoal pela Administração pública por prazo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, com base no art. 37, IX da Constituição da República.
1. INTRODUÇÃO
O fundamento jurídico para a contratação temporária de agentes estatais pela Administração pública encontra-se no art. 37, IX, da Constituição da República. O objetivo desse tipo de admissão é atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.
Na esfera federal, foi editada a Lei 8.745/1993 regulamentando esse dispositivo constitucional e possibilitando esse tipo de contratação pela Administração direta, autárquica e fundacional.
O presente texto busca delimitar os requisitos para a validade da contratação temporária pela Administração pública, bem como traçar as características gerais desse tipo de contrato.
2. REQUISITOS PARA A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A contratação temporária na Administração Pública é excepcional, sendo restrita às hipóteses expressamente previstas em lei. Dentre as hipóteses enumeradas pela Lei 8.745/1993, destacam-se a assistência a situações de calamidade pública, a assistência a emergências em saúde pública, realização de recenseamento e outras pesquisas realizadas pelo IBGE, admissão de professor substituto e professor visitante, contratação de pesquisador para projeto de pesquisa determinado, e combate a emergências ambientais.
Em diversos julgados, o Supremo Tribunal Federal, estabeleceu os seguintes requisitos para a regularidade da contratação temporária pela Administração pública em todos os níveis da Federação:
1. Previsão legal da hipótese de contratação temporária;
2. Prazo predeterminado da contratação;
3. A necessidade deve ser temporária;
4. O interesse público deve ser excepcional.
Nesse sentido, o seguinte acórdão:
CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 4.957, de 1994, art. 4º, do Estado do Espírito Santo. Resolução nº 1.652, de 1993, arts. 2º e 3º, do Estado do Espírito Santo. SERVIDOR PÚBLICO: VENCIMENTOS: FIXAÇÃO. Resolução nº 08/95 do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público. C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inc. II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. C.F., art. 37, IX. Nesta hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional.
II. - Lei 4.957, de 1994, art. 4º, do Estado do Espírito Santo e arts. 2º e 3º da Resolução 1.652, de 1993, da Assembléia Legislativa do mesmo Estado: inconstitucionalidade. III. - Os vencimentos dos servidores públicos devem ser fixados mediante lei. C.F., art. 37, X. Vencimentos dos servidores dos Tribunais: iniciativa reservada aos Tribunais: C.F., art. 96, II, b. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida relativamente ao artigo 1º da Resolução nº 1.652/93 da Assembléia Legislativa e julgada procedente, em parte.
(STF - ADI: 1500 ES , Relator: CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 19/06/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-08-2002 PP-00087 EMENT VOL-02078-01 PP-00154) (grifos acrescentados).
A não observância desses parâmetros deu causa à declaração de inconstitucionalidade de diversas leis que promoviam sucessivas contratações emergenciais, sem estar no campo da necessidade temporária e do interesse público excepcional. Muitas vezes, buscava-se indevidamente a via da contratação temporária para evitar o aumento da despesa decorrente da contratação de pessoal em caráter permanente. Como exemplo, cita-se o seguinte acórdão:
Ação direta de Inconstitucionalidade. Lei Amapaese nº 765/2003. Contratação por tempo determinado de pessoal para prestação de serviços permanentes: saúde; educação; assistência jurídica; e, serviços técnicos. Necessidade temporária e excepcional interesse público não configurados. Descumprimento dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição da República. Exigência de concurso público. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
(ADI 3116, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2011, DJe-097 DIVULG 23-05-2011 PUBLIC 24-05-2011 EMENT VOL-02528-01 PP-00062) (grifos acrescentados)
Observa-se que nem todas as funções estatais podem ser exercidas pelos empregados contratados temporariamente, mas somente aquelas decorrentes de necessidade temporária. Assim, não há como realizar contratações temporárias para suprir necessidade de pessoal em funções permanentes, ligadas às competências essenciais do Estado. Estas funções somente podem ser exercidas por agentes submetidos a regime jurídico estatutário, que contém regras compatíveis com o exercício dessas atribuições. Do mesmo modo, é incabível a contratação temporária para execução de serviços meramente burocráticos, hipótese em que não se configura o excepcional interesse público. Nesse sentido o seguinte acórdão:
CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE.
I - A contratação temporária de servidores sem concurso público é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de ser regulamentada por lei do ente federativo que assim disponha.
II - Para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade.
III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções.
IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade.
V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente.
(STF - ADI: 3430 ES , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 12/08/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009 EMENT VOL-02379-02 PP-00255) (grifos acrescentados)
3. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONTRATO TEMPORÁRIO
A contratação temporária é uma exceção à regra geral de admissão de pessoal por meio de concurso público (art. 37, II da Constituição). Neste caso, a contratação é precedida apenas de processo seletivo simplificado, sujeito a ampla divulgação. De acordo com o §1º do art. 3º da Lei 8.745/1993, o processo seletivo simplificado é dispensado nas hipóteses de necessidade decorrente de calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em saúde. Além disso, nos casos de contratação de professor visitante e de pesquisador, o processo seletivo pode basear-se apenas na análise de currículo, conforme o §2º do art. 3º da mesma lei. O prazo máximo da contratação temporária varia de acordo com a hipótese de contratação.
Quanto ao regime de Previdência, os empregados temporários ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, conforme disposto no §13 do art. 40 da Constituição da República.
A extinção do contrato poderá ocorrer pelo término do prazo pactuado, por iniciativa do contratado ou por iniciativa da entidade pública contratante. Nos dois primeiros casos, não será devida qualquer indenização. Porém, se o vínculo for rompido pelo contratante, caberá indenização ao contratado no valor correspondente à metade do que lhe caberia se o contrato fosse encerrado na data originalmente pactuada.
Com a edição da Emenda Constitucional nº 51/2006, houve uma situação inusitada de extinção do contrato temporário, por meio da sua transformação em emprego público permanente. A redação original do inciso II do art. 2º, da Lei 8.745/1993, trazia a hipótese de contratação temporária para combate a surtos endêmicos, permitindo assim a contratação, sem concurso público, de agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias. Ocorre, porém, que o art. 2º da EC 51/2006 e o art. 12 da Lei 11.350/2006 transformaram esse vínculo temporário em emprego público permanente, numa manobra política para favorecer os agentes já contratados em caráter temporário, em detrimento da ampla concorrência que seria proporcionada se fosse promovido concurso público para preenchimento dessas novas vagas permanentes. Ou seja, de maneira repentina, os empregados temporários foram agraciados com um emprego público de vínculo permanente, sem prestar concurso público. Em que pese ser possível a Constituição excepcionar suas próprias regras (a alteração foi feita por meio de Emenda Constitucional) essa prática configura nítida violação à moralidade administrativa. Além disso, essa exceção ao princípio do concurso público, feita de modo específico para atender interesses setoriais, atenta contra a isonomia entre os administrados na disputa pela contratação pela Administração pública.
O vínculo formado entre essa categoria de empregados temporários e a Administração pública não se confunde com o provimento de cargos efetivos por servidores públicos estatutários. Do mesmo modo, distingue-se da contratação de empregados públicos celetistas e da designação para cargos em comissão.
O empregado temporário da Administração pública não se submete ao regime estatutário, nem ao regime celetista. Trata-se de um vínculo de natureza jurídico-administrativa, que será regulado pela lei de regência do ente federado contratante.
Em decorrência, as demandas judiciais sobre relações funcionais de empregados contratados com base no art. 37, IX da Constituição são da competência da Justiça comum, e não da Justiça do Trabalho. Nesse sentido, a decisão do STF no RE 573.202/AM:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME ESPECIAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA REGIDA POR LEGISLAÇÃO LOCAL ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DE 1988, EDITADA COM BASE NO ART. 106 DA CONSTITUIÇÃO DE 1967. ACÓRDÃO QUE RECONHECEU A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I - Ao reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a reclamação trabalhista, o acórdão recorrido divergiu de pacífica orientação jurisprudencial deste Supremo Tribunal Federal.
II - Compete à Justiça Comum processar e julgar causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores submetidos a regime especial disciplinado por lei local editada antes da Constituição Republicana de 1988, com fundamento no art. 106 da Constituição de 1967, na redação que lhe deu a Emenda Constitucional no 1/69, ou no art. 37, IX, da Constituição de 1988.
III - Recurso Extraordinário conhecido e provido.
(STF - RE: 573202 AM, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 21/08/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
4. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, verifica-se que é possível a contratação temporária na Administração pública, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, nas hipóteses previstas em lei.
Segundo o STF, para a validade desse tipo de contratação é fundamental que haja previsão legal da hipótese de contratação temporária, que o prazo da contratação seja predeterminado, que a necessidade seja temporária, e que o interesse público seja excepcional.
Contudo, pela análise das características desse tipo de contrato, especialmente a ausência de seleção por concurso público, conclui-se que essa modalidade de contratação oferece graves riscos de violação aos princípios que norteiam a Administração pública.
O primeiro risco é o de seleção equivocada, já que a ausência de concurso público diminui as chances de selecionar o candidato mais preparado para exercício da função pública. O segundo risco é o de utilização indevida do instituto, por meio de contratação temporária em hipóteses onde não estão presentes a necessidade temporária e o interesse público excepcional, acarretando violação ao princípio do concurso público. Por fim, há o risco de uma transformação do vínculo temporário em permanente, em virtude de pressões setoriais específicas que sejam atendidas por medidas políticas oportunistas, resultando em edição de norma jurídica que promova a estabilização da contratação que deveria ter prazo determinado.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. (atual. Eurico Azevedo et al.) São Paulo: Malheiros, 2009.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª. ed. São Paulo: Atlas S. A, 2014.
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. A contratação temporária de pessoal pela Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41556/a-contratacao-temporaria-de-pessoal-pela-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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