1 O BPC
Ainda sob a vigência da Constituição pretérita, mas já sob o forte domínio do Estado Social, foi instituída, através da lei 6.179/74, a renda mensal vitalícia, também conhecida por “amparo previdenciário”.
Esse benefício era concedido ao maior de 70 anos ou ao definitivamente inválido para o trabalho que não exercesse atividade remunerada ou não tivesse rendimento superior a 60% do salário mínimo vigente à época.
Posteriormente, o artigo 40 da Lei 8.742/93 estabeleceu que, com a implantação do benefício de prestação continuada, ficava extinta a renda mensal vitalícia.
A mesma lei, em seu artigo 20, regulamentou o disposto no artigo 203, V, da CF/88, definindo que o benefício assistencial de prestação continuada corresponde à garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A respeito do artigo supramencionado, assim foi o comentário da doutrina:
Tal norma representa a constitucionalização de um direito atinente à assistência social, verdadeiro direito antipobreza, o que não tem precedentes no Direito Constitucional brasileiro. Isso não significa que não possam ser extraídos, por construção legislativa ou mesmo judicial, outros direitos antipobreza da Carta Constitucional. De todo modo, a norma do artigo 203, V, é a única que prevê direito claro e determinado desta natureza e, por conseguinte, cuja existência não é passível de discussão. (ROCHA, 2003, p. 144).
Para a concessão do benefício assistencial, o conceito de família foi modificado pela Lei 12.435/11, que estipulou que “a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (Brasil, 2011).
O benefício é pago mensal e sucessivamente, sendo, portanto, de trato continuado. É, ainda, intransferível, não gerando direito à pensão por morte a herdeiros ou sucessores.
Devido à sua natureza assistencial, o benefício não está sujeito a nenhum desconto de contribuição e não pode cumular com nenhum outro benefício da Seguridade Social ou de outro órgão público, salvo assistência médica.
2 O benefício para os estrangeiros
Uma das questões interessantes que surgem a respeito do benefício assistencial é se os estrangeiros são, assim como os brasileiros natos, beneficiários do amparo social.
No que tange ao estrangeiro naturalizado, não existe nenhuma discussão a respeito da possibilidade de obter o benefício, uma vez que o artigo 12, §2º, da CF/88 assegura que “a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição”. (Brasil, 1988).
Corroborando a previsão constitucional, o artigo 4º do Decreto 1.744/95 expressamente dispõe que
são também beneficiários os idosos e as pessoas portadoras de deficiência estrangeiros naturalizados e domiciliados no Brasil, desde que não amparados pelo sistema previdenciário do país de origem. (Brasil, 1995).
Assim, desde que preenchidos todos os requisitos legais, o estrangeiro que for devidamente naturalizado fará jus não só ao benefício assistencial, como também a todos os benefícios previdenciários.
A grande questão que se levanta é, pois, em relação aos estrangeiros não naturalizados.
A noção atual de cidadania é concernente ao gozo efetivo dos direitos individuais, coletivos, sociais e políticos (ou de participação na vida política), todos embasados na nacionalidade.
É importante desde logo esclarecer que os direitos da cidadania não se confundem com os direitos humanos, embora haja uma zona comum entre eles. Pode-se dizer, em suma, que os direitos da cidadania dizem respeito aos direitos públicos subjetivos consagrados por um determinado ordenamento jurídico, concreto e específico. Já os direitos humanos – expressão muito mais abrangente – referem-se à própria pessoa humana como valor-fonte de todos os valores sociais. A discussão sobre os direitos humanos (direito à vida, direito a não ser submetido à tortura, direito a não ser escravizado, direito a uma nacionalidade etc) coloca-se, portanto, num outro plano de análise teórica. No plano do global, do universal, numa perspectiva jusnaturalista, e não do positivo e tópico.
Como se vê, para o exercício dos direitos inerentes à cidadania, é fundamental desfrutar do status de nacional do Estado, que confere tais direitos.
Assim, como o estrangeiro não naturalizado não possui o status referido, o princípio da igualdade não pode ser invocado no caso concreto para amparar a sua pretensão a eventual benefício previdenciário, sendo que o fato de residir, em alguns casos, há vários anos no Brasil, com intenção de aqui permanecer, não tem o condão de alterar essa situação.
Ocorre que, para aquisição da nacionalidade brasileira, o estrangeiro deve manifestar expressamente essa vontade e submeter-se a um processo com características administrativas, que tramita perante o Ministério da Justiça e possui uma formalidade final de caráter jurisdicional, consistente na entrega do certificado de naturalização pelo juiz federal competente (art. 109, X, CF).
Portanto, não preenchendo o estrangeiro não naturalizado o pré-requisito da cidadania brasileira, resta-lhe impossibilitada a concessão do benefício assistencial.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2014.
BRASIL. Decreto 1744, de 8 de dezembro de 1995. Regulamenta o benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, de que trata a Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 11 dez.95. Revogado pelo Decreto nº 6.214, de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d1744.htm>. Acesso em: 21 out. 2014.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 91. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2014.
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BRASIL. Lei nº 12.435, de 06 de julho de 2011. Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Diário Oficial da União, Brasília, 07 jul.11. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm>. Acesso em: 10 out. 2014.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZARRI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Editora Conceito Editorial. 9º edição. 2008.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Custeio da seguridade social - Benefícios – Acidente do trabalho – Assistência social – Saúde. Editora Atlas. 31ª Edição. 2011.
MORO, Sérgio Fernando em ROCHA, Daniel Machado. Temas Atuais de direito Previdenciário e Assistência Social. Questões controvertidas sobre o benefício da assistência social. Editora Livraria do advogado. 1ª Edição. 2003.
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