Incluindo os deficientes dentro do conceito de hipossuficientes, a assistência Social garante a eles, assim como aos idosos, o benefício de um salário mínimo mensal para suprir as suas necessidades básicas, desde que preencham, também, o requisito econômico.
A Lei 8.742/93 tratou de explicitar o conceito de pessoa portadora de deficiência, dispondo, em sua redação originária, que para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a pessoa portadora de deficiência seria aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
O decreto 1.744 de 1995, em seu art. 2º, II, explicitou um pouco mais o conceito de “pessoa portadora de deficiência”, definindo como sendo aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho.
Diante dos conceitos estabelecidos na Lei 8.742/93 e Decreto 1.744/95, o Instituo Nacional Seguro Social – INSS, autarquia federal com atribuição para fazer o repasse do benefício em questão, entendeu inicialmente que, para a sua concessão, era imprescindível a incapacidade não só para o trabalho, mas também para os atos da vida cotidiana. Esses dois tipos de incapacidade seriam, portanto, requisitos cumulativos.
Assim, além de o deficiente não poder trabalhar, seria exigido também que fosse incapaz de desempenhar as atividades relacionadas ao auto cuidado, necessitando de ajuda permanente de terceiros para a sua própria manutenção, higiene e outros atos da vida cotidiana.
De forma contrária, todavia, se posicionou a doutrina, ao defender que o conceito de “pessoa portadora de deficiência”, contido no art. 203, inciso V, da Constituição Federal não poderia ser o daquela impossibilitada para o exercício de qualquer ato da vida diária, como vestir-se, alimentar-se e higienizar-se. A incapacidade demandada seria somente a incapacidade laborativa, pois daí também advém, subsidiariamente, a incapacidade para os atos da vida independente.
A esse respeito, Sérgio Fernando Moro (2003, p. 156) assinala que
se a deficiência for grave o suficiente para incapacitar o seu portador para a vida laboral, afigura-se evidente que este, impossibilitado de exercer atividade remunerada, não terá condições de prover o seu próprio sustento. A capacidade para comer ou andar sozinho ou mesmo para a prática de vários atos da vida diária não garante o sustento do deficiente.
A jurisprudência, seguindo esse mesmo caminho, abrandou o conceito de vida independente, com intuito de ampliar a concessão do benefício assistencial àqueles que não possuem capacidade para o trabalho, porém têm totais condições de praticar atos da vida independente.
Assim, entendendo-se que o conceito de “incapacidade para a vida independente” estaria inserido em um contexto muito mais amplo e complexo do que os simples atos da vida diária, possibilitou-se que um número maior de pessoas incapacitadas para o trabalho, e não somente aquelas em estado praticamente vegetativo, tivessem garantido, pelo viés judicial, as mínimas condições para seu sustento e para seus familiares.
Ressalte-se, ainda, que o próprio INSS deixou de adotar, como critério determinante na concessão do benefício assistencial, a incapacidade para os atos da vida rotineira, em virtude da edição da Súmula nº. 29 (DOU 13.02.2006) pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, a qual estabelece que incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento.
Nesse contexto, no dia 04 de junho de 2008 foi expedida, pelo INSS, a Instrução Normativa INSS/PRES Nº 29 (DOU DE 06/06/2008), que alterou o art. 624 da Instrução Normativa INSS/PRES Nº 20/2007, fazendo nele constar que:
Para fins de comprovação da deficiência e caracterização da incapacidade para vida independente, deve-se também considerar a incapacidade econômica do requerente de prover a sua própria manutenção e de sua família, não adotando a avaliação da incapacidade para praticar atos da vida diária, por si só, como critério determinante, conforme estabelecido no art. 203, V da Constituição Federal/88 e no art. 20, II da Lei nº 8.742/1993, observada a liminar proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2007.30.00.000204-0/AC.
Outra questão objeto de controvérsias diz respeito ao cabimento do benefício assistencial para as pessoas que apresentem incapacidade de ordem parcial e/ou temporária para o trabalho.
Inicialmente, deve-se mencionar que a Lei 8.742/93 era silente no que tange à possibilidade de que as pessoas consideradas incapazes de forma parcial e/ou temporária usufruíssem do benefício assistencial, valendo recordar o teor do art. 20, §2, da mencionada lei, que assim dispunha:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. (BRASIL, 1993).
Ocorre que, como visto, o decreto 1.744/1995 estabeleceu, em seu art. 2º, II, ser a pessoa portadora de deficiência aquela incapacitada “em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho” (BRASIL, 1995).
Diante de tal norma, que fazia referência expressa às anomalias ou lesões irreversíveis, o INSS firmou o entendimento de que a incapacidade parcial ou temporária era considerada insuficiente para a concessão do benefício assistencial.
Por outro lado, desenvolveu-se também a ideia de que a transitoriedade da incapacidade não seria óbice à concessão do benefício assistencial, uma vez que o critério de definitividade da incapacidade não estava previsto expressamente na Lei 8.742/93.
Argumentava-se, ainda, que as disposições do art. 21 da referida lei, que determinava a revisão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, deixava claro a possibilidade de concessão do BPC quando existisse incapacidade tão somente de ordem transitória.
Instada a se manifestar acerca de tal controvérsia, em sede de incidente de uniformização de jurisprudência, a Turma Nacional de Uniformização decidiu então pela possibilidade de concessão do benefício assistencial aos transitoriamente incapazes, conferindo, assim, maior abrangência ao benefício assistencial. Vejamos:
VOTO PREVIDENCIÁRIO. LOAS. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA. AVALIAÇÃO DASCONDIÇÕES PESSOAIS. PRECEDENTES DA TNU.1. "O art. 20 da Lei nº 8.742/93 não impõe que somente a incapacidade permanente, mas não a temporária, permitiria a concessão do benefício assistencial, não cabendo ao intérprete restringir onde a lei não o faz, mormente quando em prejuízo do necessitado do benefício e na contramão da sua ratioessendi, que visa a assegurar o mínimo existencial e de dignidade da pessoa." (PEDILEF 200770530028472, Rel. JUIZ FEDERAL MANOEL ROLIM CAMPBELLPENNA, Data da Decisao 13/09/2010, DOU 08/02/2011, SEÇÃO 1).208.7422. Esta Eg. TNU também já assentou que "a transitoriedade da incapacidade não é óbice à concessão do benefício assistencial, visto que o critério de definitividade da incapacidade não está previsto no aludido diploma legal. Ao revés, o artigo 21 da referida lei corrobora o caráter temporário do benefício em questão, ao estatuir que o benefício deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem’". (PEDILEF nº 200770500108659 -rel. Juiz Federal OTÁVIO HENRIQUE MARTINS PORT - DJ de 11/03/2010).3. "Resta assente que este conceito de capacidade para a vida independente não está adstrito apenas às atividades do dia a dia, vez que não se exige que o (a) interessado (a) esteja em estado vegetativo para obter o Benefício Assistencial. Dele resulta uma exigência de se fazer uma análise mais ampla das suas condições pessoais, familiares, profissionais e culturais do meio em que vive para melhor avaliar a existência ou não dessa capacidade". (PEDILEF200932007033423, Rel. JUIZ FEDERAL PAULO RICARDO ARENA FILHO, Data da Decisão05/05/2011, Fonte/Data da Publicação DOU 30/08/2011).4. Pedido conhecido e improvido. (BRASIL, 2012).
Por fim, com o novo conceito de incapacidade trazido pela Lei 12.470/2011, a qual alterou a redação do §2º, bem como incluiu o §10, ambos do art. 20, da Lei 8.742/93, aparentemente, não subsistirão as discussões a respeito da possibilidade de concessão do benefício assistencial aos transitoriamente incapazes. Isso porque, com a Lei 12.470/2011, pessoa com deficiência passou a ser aquela que tem impedimentos de longo prazo, o qual é caracterizado como o impedimento que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos, conforme art. 20, §10, Lei 8.742/93 (BRASIL, 1993).
De fato, a nova redação do art. 20, §2 da Lei 8.742/93, conferida pela Lei 12.470/2011, permitiu claramente que uma pessoa detentora de incapacidade parcial e/ou temporária faça jus ao benefício de prestação continuada, desde que demonstre, em síntese, a sua dificuldade de recolocação no mercado de trabalho competitivo, considerando seu nível cultural associado à patologia da qual é portador, bem como as demais barreiras existentes na sociedade, como acesso físico dentro das cidades e acesso à qualificação profissional.
Desta forma, à luz das recentes alterações da Lei Orgânica da Assistência Social (leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011), pessoa com deficiência passa a ser aquela incapacitada, total ou parcialmente, de forma definitiva ou temporária, em razão de impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Ressalte-se, todavia, que em se tratando de incapacidade de natureza transitória e, na hipótese de o exame médico indicar procedimentos de reabilitação ou habilitação para pessoa portadora de deficiência, será concedido o benefício somente enquanto durar o processo de reabilitação ou habilitação, de caráter obrigatório, ocorrendo seu cancelamento quando for constatada a interrupção do processo mencionado.
Assim, o pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições que lhe deram origem, sendo que o desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais, e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência, nos termos do §§ 1º e 3º, art. 21, Lei 8.742/93 (BRASIL, 1993).
REFERÊNCIAS
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PROCURADOR FEDERAL lotado na Procuradoria Federal em Minas Gerais, Especialista em Direito Público pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Bruno Di Fini. O benefício assistencial para os deficientes - Requisitos e Condições Legais para o seu deferimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41580/o-beneficio-assistencial-para-os-deficientes-requisitos-e-condicoes-legais-para-o-seu-deferimento. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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