RESUMO: o presente artigo tem por objetivo expor uma breve definição sobre o crime de lavagem de dinheiro, tipificado na Lei n° 9.613/1998, e inserí-lo na classificação quanto ao crime antecedente.
Palavras-chave: lavagem de dinheiro, crime anterior, rol taxativo, gerações.
1. INTRODUÇÃO
O crime de lavagem de dinheiro, também conhecido como crime de lavagem de capital ou branqueamento de capitais, vias gerais, consiste na conduta de transformar (utilizando-se de uma atividade revestida de aparente legalidade) em valores lícitos a vantagem auferida com a prática de alguma infração penal.
Portanto, a fim de caracterizar-se o delito em comento é imprescindível a ocorrência de um crime anterior, cujo produto obtido a partir da sua prática será objeto material do ilícito de lavagem. Sob esse aspecto diz-se que o crime de lavagem de dinheiro é um crime “remetido”, já que as sua prática pressupõe a existência de fato criminoso anterior[1]. Nesse sentido, Carlo Masi salienta que:
Não é exigida a prova cabal dos delitos antecedentes (sentença penal condenatória com trânsito em julgado), bastando apenas indícios de suas práticas para que se complete a sua tipicidade. São puníveis os fatos previstos em lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime precedente cometido no Brasil ou no exterior (art. 2º, §1° da Lei n° 9613/98) [2].
A fim de corroborar o que foi dito insta trazer à colação recente julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto. In verbis:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. "OPERAÇÃO CURAÇAO". CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (ARTS. 4.º E 16, C.C. O ART. 1.º; E ART. 22, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DA LEI N.º 7.492/86) E LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1.º, INCISO VI, DA LEI N.º 9.613/98). ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. A detalhada narrativa acusatória descreve, com clareza meridiana, a realização de operações financeiras de câmbio ilegal - o chamado "dólar cabo" - por meio da utilização de conta em nome de "laranja" no First International Curaçao Bank. E, se tais operações financeiras foram mesmo realizadas conforme a denúncia - e essa apuração caberá às instâncias ordinárias -, em princípio, o foram "sem a devida autorização", porquanto promovidas à margem da lei. Não se verifica, pois, a suposta atipicidade da conduta capitulada no art. 16, cc. o art. 1º, da Lei n.º 7.492/86.
2. A teor do inciso II do parágrafo único do art. 1.º da Lei n.º 7.492/86, equipara-se à instituição financeira "a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual", situação que, em tese, se enquadra o acusado. Não procede a alegada atipicidade da conduta capitulada no art. 4.º da Lei n.º 7.492/86.
3. A constatação tanto da arguida inexistência do elemento subjetivo - "fim de promover evasão de divisas do País" -, quanto a suposta ausência do elemento objetivo - remessa de valores do Brasil para o exterior -, são questões controvertidas insuscetíveis de serem deslindadas na estreita via do habeas corpus por demandar aprofundamento e análise da prova. E, no mesmo diapasão, esbarra na necessidade de dilação probatória a alegada "falta do elemento normativo 'sem autorização legal'", na medida em que, como está cristalino na denúncia, as transações teriam sido feitas à margem da lei. Não prospera a alegada atipicidade da conduta inserta no art. 22, caput e parágrafo único, da Lei n.º 7.492/86.
4. Sem embargo do que vierem a decidir as instâncias ordinárias, esta Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em situação análoga, entendeu pela autonomia do crime de lavagem de dinheiro e pela possibilidade de existência do crime de evasão de divisas como crime antecedente, consignando que "A lavagem de dinheiro pressupõe a ocorrência de delito anterior, sendo próprio do delito que esteja consubstanciado em atos que garantam ou levem ao proveito do resultado do crime anterior, mas recebam punição autônoma. Conforme a opção do legislador brasileiro, pode o autor do crime antecedente responder por lavagem de dinheiro, dada à diversidade dos bens
jurídicos atingidos e à autonomia deste delito" (REsp 1234097/PR, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2011, Dje 17/11/2011).
5. Se não bastasse, é cediço que o réu se defende dos fatos, não capitulação dada às condutas, razão pela qual se mostra absolutamente prematura a submissão da questão às instâncias superiores, antes mesmo da prolação da sentença. Também não subsiste a suposta atipicidade da conduta quanto ao crime do art. 1.º, inciso VI, da Lei n.º 9.613/98.
6. Recurso desprovido.[3]
É justamente em relação à prática do crime anterior que reside a classificação das legislações dos crimes de lavagem de dinheiro em gerações.
2. DESENVOLVIMENTO
A doutrina classifica as legislações que tratam do combate à lavagem de dinheiro, no que diz respeito à prática do crime anterior, em três gerações:
A primeira aceita como crime anterior apenas a prática do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. O ordenamento jurídico brasileiro nunca se inseriu nessa geração.
A segunda geração de crimes de lavagem de dinheiro é aquela adotada pelos países que optam, por questão de política criminal, por elencarem taxativamente o rol de crimes que podem ser considerados como elementares do tipo de lavagem de dinheiro. O Brasil adotou esse sistema com a edição da Lei n° 9.613/1998 que previa na redação original do art. 1º uma lista de delitos cujo lucro seria utilizado no crime posterior de lavagem de dinheiro. Vejamos:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante seqüestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa.
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002)
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
Em seguida, observou-se que o delito de lavagem de dinheiro reclamava, ante à gravidade dos danos que o crime pode trazer para a sociedade, uma tutela criminal independente da valiosidade do bem tutelado pelo crime que o precede. Assim, o rol taxativo passou a ser considerado por demais restritivo e evoluiu-se para uma tipificação segundo a qual a existência do delito anterior não estava mais taxativamente elencada.
Com o advento da Lei n° 12.683/2012, que provocou profundas mudanças na Lei n° 9.613/1998, o Brasil passou a adotar o sistema inserto na Terceira Geração. Deste modo, o art. 1° da nóvel Lei revogou os incisos I a VIII do art. 1º da Lei n° 9.613/1998 que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.
§ 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.” (NR)
4. CONCLUSÃO
Vige atualmente no ordenamento jurídico pátrio a regra que não exige a prática de delitos previstos taxativamente em lei como os únicos idôneos para a configuração do crime posterior de lavagem de dinheiro.
Tem-se que esta estrutura é considerada mais moderna e eficaz no combate ao crime ora em debate. Assim, atualmente se protege a própria ordem econômico-financeira do país e não apenas e de modo restritivo prevenir ou punir a prática dos crimes antecedentes.
Sobre o assunto, Rozane Maria Scuzziato de Andrade, citando Mendroni, explica que:
A legislação não foi idealizada em território nacional, trata-se de lei discutida por longo período na comunidade internacional a partir do terrível mal causado pela lavagem de capitais, já que as organizações criminosas utilizam o lucro das operações para investimento em novas atividades delituosas.
Na legislação vigente sobre lavagem de dinheiro, as pessoas jurídicas de diversos setores econômicos e financeiros têm obrigações relacionadas à identificação de seus clientes, registrando e monitorando suas movimentações financeiras. Todas as operações suspeitas devem ser comunicadas. As instituições devem implementar procedimentos internos que visem o controle e o treinamento de funcionários para atuarem na prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro[4].
5. REFERÊNCIAS
CALLEGARI, André Luis. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: Aspectos criminológicos: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
MASI, Carlo Velho. Criminalidade econômica e repatriação de capitais um estudo á luz da política criminal brasileira-Porto Alegre: EDPUCRS,2012.
ROSANE MARIA SCUZZIATTO DE ANDRADE. Crime de Lavagem de Dinheiro e o Problema da Prova do Delito Prévio. p. 215. http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima8/10-Crime-de-Lavagem-de-Dinheiro-e-o-Problema-da-Prova-do-Delito-Previo.pdf
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RHC 33.903/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 31/03/2014.
[1] CALLEGARI, André Luis. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: Aspectos criminológicos: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.136.
[2] MASI, Carlo Velho. Criminalidade econômica e repatriação de capitais um estudo á luz da política criminal brasileira-Porto Alegre: EDPUCRS, 2012.
[3] SUPERIOR TRIBUINAL DE JUSTIÇA. RHC 33.903/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 31/03/2014.
[4] ROSANE MARIA SCUZZIATTO DE ANDRADE. Crime de Lavagem de Dinheiro e o Problema da Prova do Delito Prévio. p. 215. <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima8/10-Crime-de-Lavagem-de-Dinheiro-e-o-Problema-da-Prova-do-Delito-Previo.pdf>
Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União (Subprocuradora- Chefe da Comissão de Valores Mobiliários) e é Pós Graduada em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e em Direito Constitucional e Direito Tributário pela Universidade Anhanguera (Uniderp). Ex-Defensora Pública do Estado de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Luciana Dias de Almeida. Classificação do crime de lavagem de dinheiro na legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41602/classificacao-do-crime-de-lavagem-de-dinheiro-na-legislacao-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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