RESUMO: A cessão de servidores públicos é um instituto bastante utilizado por organizações públicas em todo o país. São frequentes as questões com que o administrador público se depara ao analisar casos concretos. Com o objetivo de tentar esclarecer alguns conceitos ligados ao instituto da cessão, este artigo faz um estudo sobre o art. 93 da Lei nº 8.112/90, que regula a questão em âmbito federal.
Palavras–chave: cessão, servidor público, abrangência do art. 93 da Lei nº 8.112/90.
INTRODUÇÃO
A cessão de servidores é um instituto bastante utilizado no âmbito do serviço público. Será bastante raro encontrar algum órgão público - seja federal, estadual ou municipal - que não tenha em seus quadros um agente proveniente de alguma entidade externa ou que não tenha cedido algum de seus membros para outra organização.
Tal instituto é imprescindível para o bom funcionamento da Administração Pública. Em alguns casos, órgãos públicos recém formados ainda não possuem quadro de pessoal próprio e necessitam de pessoal externo para que possam funcionar minimamente. Em outros, entidades públicas não conseguem preencher seu quadro de pessoal, seja pela baixa atratividade do plano de cargos e salários oferecido, que dificulta a contratação e a manutenção do pessoal, seja pelas dificuldades orçamentárias na realização de processos seletivos.
Uma situação bastante corriqueira é a vacância de um cargo em comissão e a necessidade de seu preenchimento com um agente de perfil específico. Muitas vezes o gestor público tem imensas dificuldades para encontrar, nos quadros da própria organização, um servidor com o perfil adequado. Mesmo quando isto ocorre, são colocadas duas barreiras muito comuns: a falta de interesse do profissional convidado ou a não liberação de sua chefia, situação frequente especialmente no caso de profissionais com qualificação diferenciada em relação a seus pares, cuja liberação iria prejudicar o andamento dos trabalhos no local de origem.
Esses são apenas alguns exemplos de casos em que o gestor público é praticamente obrigado a buscar profissionais em quadros de outras organizações. Como não poderia ser diferente, esta necessidade está muito presente no cotidiano da Administração Pública federal. Praticamente todos os dias são publicadas cessões ou requisições de servidores públicos federais no Diário Oficial.
Para regular essa prática em âmbito federal, o legislador criou um conjunto de regras, inserindo-as no Estatuto do Servidor Público Federal (Lei nº 8.112/90), especificamente em seu art. 93. No entanto, devido ao elevado volume de utilização de tais regras, é comum surgirem dúvidas sobre sua aplicação. O presente artigo faz uma análise detalhada do art. 93, com o objetivo de esclarecer os conceitos previstos na referida norma.
1. ART. 93, CAPUT: ABRANGÊNCIA DA NORMA
“Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses:
I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança;
II - em casos previstos em leis específicas. (...)”
O caput do art.93 trata da cessão de servidores (abrangendo apenas aqueles que possuem vínculo estatutário com a União e suas autarquias e fundações) para outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, o que inclui as empresas públicas e sociedades de economia mista de quaisquer dos entes. Vale lembrar que todas as hipóteses previstas pelo artigo só se referem à cessão para exercício de cargo em comissão ou função de confiança (item I do art. 93 supra) ou a casos previstos em leis específicas (item II do art.93 supra).
Embora já pareça claro, importante enfatizar que este artigo, como de resto toda a Lei nº 8.112/90, não regulamentam o caso de cessão de servidores ou empregados de Estados, do Distrito Federal ou de Municípios, embora seja facultado aos referidos entes o uso de tais regras. No entanto, a própria Lei nº 8.112/90 acaba tratando de um aspecto específico da cessão destes outros entes (o reembolso) quando esta ocorrer para alguma instituição federal, o que será analisado mais adiante.
2. ART. 93, § 1 O: REGRA GERAL DE REEMBOLSO
“§ 1o Na hipótese do inciso I, sendo a cessão para órgãos ou entidades dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o ônus da remuneração será do órgão ou entidade cessionária, mantido o ônus para o cedente nos demais casos.”
O parágrafo 1.º do art. 93 da Lei Nº 8.112/90 trata da responsabilidade sobre o reembolso para exercício de cargo em comissão ou função de confiança, vez que se refere ao inciso I. A responsabilidade será do cessionário no caso de cessão para órgão ou entidades dos Estados, Distrito Federal ou Municípios. Até aqui, segue-se a regra geral de que o ônus fica para o ente cessionário, que é quem tem o bônus. Entretanto, o parágrafo em estudo mantém o ônus para o cedente “nos demais casos”.
Mas quais seriam os “demais casos”? Considerando os já citados (cessão para órgãos ou entidades dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios) e que o parágrafo 2.º do art. 93 trata dos casos de cessão para empresas estatais e sociedades de economia mista, por exclusão, só podemos concluir que “os demais casos” são aqueles em que um servidor é cedido para a própria União, suas autarquias e fundações.
A lógica do dispositivo é a de que os órgãos ou entidades com regime jurídico de direito público que pertençam à esfera federal não precisam efetuar reembolso, vez que dentro do mesmo contexto jurídico. Mesmo que a União seja uma pessoa jurídica específica e que as autarquias e fundações sejam pessoas jurídicas distintas da União, em regra todos os seus respectivos quadros de pessoal estão preenchidos com servidores públicos regidos pela Lei nº 8.112/90.
No entanto, para efeito do reembolso de que trata o parágrafo primeiro ora analisado, o aspecto mais importante a ser notado é a fonte das receitas que cobrem as despesas com a remuneração dos servidores de todos estes entes. Todos eles são remunerados pela mesma fonte de receitas, os tributos federais, administrados pelo Tesouro Nacional. Sendo assim, não haveria sentido em falar de reembolso de uma autarquia para a União, ou vice-versa, se a origem dos recursos e o destino são exatamente os mesmos. Na verdade, haveria apenas uma operação contábil inócua, que geraria custos administrativos desnecessários, sem nenhum resultado financeiro prático, já que seria uma operação de soma zero.
3. ART. 93, § 2 O: CESSÃO PARA EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - REEMBOLSO X PAGAMENTO DIRETO
“§ 2º Na hipótese de o servidor cedido a empresa pública ou sociedade de economia mista, nos termos das respectivas normas, optar pela remuneração do cargo efetivo ou pela remuneração do cargo efetivo acrescida de percentual da retribuição do cargo em comissão, a entidade cessionária efetuará o reembolso das despesas realizadas pelo órgão ou entidade de origem.”
O parágrafo 2.º do art. 93 trata dos casos de cessão de servidores para empresas estatais e sociedades de economia mista. Podemos vislumbrar que, se o servidor optar pelo valor normalmente pago pela empresa pública ou sociedade de economia mista, elas mesmas serão responsáveis diretamente pelo pagamento, sendo dispensável qualquer tipo de reembolso para a União, que não efetua nenhum pagamento nesse caso.
Entretanto, quando o servidor “optar pela remuneração do cargo efetivo ou pela remuneração do cargo efetivo acrescida de percentual da retribuição do cargo em comissão”, ou seja, quando o servidor optar pela remuneração de seu vínculo originário, a entidade cedente (União) é quem efetuará o pagamento do servidor, sendo a entidade cessionária responsável pelo reembolso dessas despesas.
Um detalhe interessante deste parágrafo segundo é a opção dada ao servidor de escolher qual a melhor modalidade de remuneração (“...pela remuneração do cargo efetivo ou pela remuneração do cargo efetivo acrescida de percentual da retribuição do cargo em comissão”). Isso ocorre pela ideia geral de que, por um lado, a cessão não pode se dar em prejuízo do servidor, daí ele poder fazer a opção que mais lhe convém. Por outro lado, por facilitar a cessão, acaba por garantir a efetividade do instituto.
4. ART. 93, § 3 O: NECESSIDADE DE PUBLICIZAÇÃO DO ATO NO D.O.U.
§ 3º A cessão far-se-á mediante Portaria publicada no Diário Oficial da União.
A regra acima visa garantir, prima facie, o princípio da publicidade previsto na Constituição Federal. Ao expor publicamente que determinado agente público está sendo cedido para uma instituição diferente daquela com a qual possui laços efetivos, evita-se que tais mudanças redundem mais tarde em uma alteração de vínculo do servidor, já que ficará claro qual é a forma de entrada no órgão cessionário. Em resumo, procura-se evitar o famoso “trem da alegria”.
Por outro lado, ao ditar que tais atos sejam publicados no Diário Oficial da União, cria-se uma certa dificuldade operacional para a efetivação do instituto: o processo de cessão terá que tramitar até a instância máxima do órgão cedente, geralmente o gabinete de Ministérios, Autarquias ou Fundações, que tem poder de enviar determinado ato administrativo ao Diário Oficial. Lembremos que a regra é que cada servidor tenha exercício na organização pública para o qual foi contratado e que a cessão serve para o atendimento de necessidades pontuais ou temporárias. Ao fazer com que o processo tenha uma tramitação longa, cria-se uma certa barreira para a utilização do instituto, evitando sua banalização.
5. ART. 93, § 4O: CESSÃO PARA ÓRGÃOS SEM QUADRO PRÓPRIO
§ 4O Mediante autorização expressa do Presidente da República, o servidor do Poder Executivo poderá ter exercício em outro órgão da Administração Federal direta que não tenha quadro próprio de pessoal, para fim determinado e a prazo certo.
A regra da cessão é que o agente ocupe um cargo em comissão (inciso I) ou que atenda casos previstos em leis específicas (inciso II). Todavia, o legislador já quis regular na própria lei o exercício em órgão que não tenha quadro de pessoal próprio. O ponto de destaque aqui é que esta norma vale apenas para órgão da Administração Federal direta, ou seja, não se aplica para autarquias, fundações nem para empresas públicas ou sociedades de economia mista.
Na mesma linha de que o instituto deve ser utilizado com parcimônia, prevê expressamente que nestes casos a cessão deve ser efetuada para fim determinado e por prazo certo.
6. ART. 93, § 5O: UNIÃO COMO ENTIDADE CESSIONÁRIA – REGRA GERAL DE REEMBOLSO
“§ 5º Aplica-se à União, em se tratando de empregado ou servidor por ela requisitado, as disposições dos §§ 1º e 2º deste artigo.”
O parágrafo 5.º do art. 93 da Lei Nº 8.112/90 amplia a abrangência do art. 93, colocando a União no pólo inverso, ou seja, como aquela que recebe o servidor/empregado. Até então o art. 93 colocava as entidades federais apenas na posição de cedente. O parágrafo 5º estendeu para a União as hipóteses dos parágrafos 1.º e 2.º, ou seja, quis evidenciar que, se a União recebe servidores/empregados de Estados, Distrito Federal e Municípios (§1.º) ou de empresas públicas e sociedades de economia mista (§2.º), deve arcar com o ônus, seguindo a regra geral de que é responsável pelo reembolso quem tem o bônus.
7. ART. 93, § 6O: UNIÃO COMO ENTIDADE CESSIONÁRIA – EXCEÇÃO À REGRA DE REEMBOLSO
§ 6º As cessões de empregados de empresa pública ou de sociedade de economia mista, que receba recursos de Tesouro Nacional para o custeio total ou parcial da sua folha de pagamento de pessoal, independem das disposições contidas nos incisos I e II e §§ 1º e 2º deste artigo, ficando o exercício do empregado cedido condicionado a autorização específica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, exceto nos casos de ocupação de cargo em comissão ou função gratificada.
O parágrafo 6.º do art. 93 da Lei nº 8.112/90 traz uma exceção para um caso específico, determinando que, se a União já for responsável por pelo menos parte do custeio da folha de pagamento da empresa pública ou da sociedade de economia mista, não precisará efetuar reembolso algum.
Aqui vale a mesma lógica prevista no parágrafo primeiro do art. 93 e já discutida no item 2: se os empregados de empresas públicas ou de sociedades de economia mista já são pagos com recursos do Tesouro Nacional, a origem e o destino de eventual reembolso são exatamente os mesmos. Não haveria sentido em um órgão reembolsar a si próprio.
CONCLUSÃO
Os institutos da cessão e da requisição são amplamente utilizados pela Administração Pública, sendo alvo de regramento específico previsto no Estatuto do Servidor Público Federal.
São diversas as situações fáticas com que os gestores públicos se deparam todos os dias, o que gera uma miríade de questionamentos e dúvidas sobre a forma de aplicação das regras. Pode haver questões que vão desde a possibilidade de se realizar a cessão até a responsabilidade sobre o pagamento.
O presente artigo, ao analisar alguns dos principais aspectos do art. 93 da Lei Nº 8.112/90, teve por objetivo oferecer uma visão mais detalhada sobre as normas que envolvem a matéria. Ficou claro, pela análise feita, que a regra geral do sistema é a de que “quem tem o bônus, tem o ônus”. Uma norma que pode ser alvo de estudo futuros sobre cessão é o Decreto nº 4.493, de 3 de março de 2002, que regulamenta o art. 93 da Lei Nº 8.112/90.
Advogado da União. Mestre em Administração pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Caio Castelliano de. Cessão de servidores públicos federais: um estudo sobre o Art. 93 da Lei nº 8.112/90 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41615/cessao-de-servidores-publicos-federais-um-estudo-sobre-o-art-93-da-lei-no-8-112-90. Acesso em: 22 nov 2024.
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