RESUMO: No presente estudo faremos uma análise, à luz da doutrina e jurisprudência pátrias, da possibilidade de se reconhecer o direito à indenização ao titular de imagem exposta em público sem seu consentimentopara fins eleitorais, independentemente da comprovação do dano moral.
Palavras-chave: Direito. Imagem. Uso. Indevido. Ausência. Consentimento. Finalidade. Eleitoral. Dano. Comprovação. In re ipsa. Desnecessidade. Indenização.
1. Introdução
No Brasil, o direito à imagem tem proteção constitucional, assegurando o art. 5º, inciso X, da Carta Magna, o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
No Código Civil brasileiro, o direito à imagem está inserido no Capítulo referente aos direitos da personalidade.
Maria Helena Diniz adota o conceito criado por Goffredo Telles Jr. para definir os direitos da personalidade como “os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a vida, a integridade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação ou honra, a imagem, a privacidade, a autoria etc.”, acrescentado que “são direitos subjetivos ‘excludendialios’, ou seja, direitos de exigir um comportamento negativo dos outros, protegendo bens inatos, valendo-se de ação judicial"[1].
Para Carlos Alberto Bittar, o direito à imagem consiste no direito que a pessoa tem de “impedir que se utilize, sem seu consentimento, sua ‘expressão externa’ - conjunto de traços e caracteres que a distinguem e a individualizam”[2].
Nos termos do art. 20 do Código Civil, a utilização não autorizada da imagem de uma pessoa poderá ensejar indenização sempre que lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinar a fins comerciais.
Desse dispositivo legal depreende-se que, para que a exposição da imagem de alguém, sem o seu consentimento, seja passível de indenização, é necessáriovislumbrar ao menos um dos seguintes requisitos: seja constatado algum tipo de dano (material ou moral) à reputação da pessoa ou tenha a imagem sido utilizada com finalidade mercantil.
A despeito dessas exigências legais, o Superior Tribunal de Justiça, em recentíssimo acórdão, reconheceu o direito à indenização, independentemente da comprovação do dano e sem finalidade comercial, ao titular da imagem não autorizada, exposta em público com finalidade eleitoral.
O principal fundamento desse julgado foi a ocorrência do chamado “dano in reipsa”, que será estudado a seguir.
2. Configuração do dano moral pelo uso não autorizado de imagem – Dano in reipsa
Em regra, para a configuração do dano moral é necessário comprovar a conduta, o dano e o nexo causal.
Todavia, em alguns casos, excepcionalmente, a doutrina tem entendido que a comprovação do dano moral ocorrein reipsa, ou seja, pela força dos próprios fatos, dispensando-se a vítima do ônus da prova da ofensa à sua reputação.
Najurisprudência podem ser encontradas algumas dessas situações excepcionais, em que seconsideraque o dano moral é presumido (dano in reipsa), não sendo exigida a comprovação do prejuízo ao direito personalíssimo. É o caso, por exemplo, do atraso de voo eda inserção indevida em cadastro de inadimplentes: “O dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova e a responsabilidade de seu causador opera-se in reipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro”(REsp 1.280.372/SP[3]); “É consolidado o entendimento de que a inscrição ou a manutenção indevida em cadastro de inadimplentes gera, por si só, o dever de indenizar e constitui dano moral in reipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos(AgRg no Ag 1.379.761/SP[4]).
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, nas hipóteses de exposição não autorizada da imagem para fins comerciais, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a indenização é devida, ainda que o conteúdo da divulgação não tenha conotação ofensiva ou vexaminosa, pois, ocorreria, nesses casos, o dano in reipsa, que decorre do próprio fato. Nesse sentido: “o uso e divulgação, por sociedade empresária, de imagem de pessoa física fotografada isoladamente em local público, em meio a cenário destacado, sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa, configura dano moral decorrente de violação do direito à imagem por ausência de autorização do titular. É cabível indenização por dano moral decorrente da simples utilização de imagem de pessoa física, em campanha publicitária, sem autorização do fotografado” (Recurso Especial n. 1.307.366/RJ[5]).
Aliás, no caso de divulgação não autorizada de imagem com fins econômicos e comerciais, a jurisprudência pátria já se firmou no sentido da desnecessidade de prova do prejuízo para que se imponha a obrigação de indenizar (STJ - Súmula n. 403[6]).
Ocorre que a Corte Superior, em recente acórdão, estendeu esse entendimento à utilização indevida de imagem no caso de uso eleitoral, ou seja, sem finalidade comercial. Eis o aresto(REsp 1.217.422/MG):
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. DIREITO À IMAGEM. USO INDEVIDO DA IMAGEM DE MENOR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. FOTOGRAFIA ESTAMPADA EM MATERIAL IMPRESSO DE PROPAGANDA ELEITORAL.
1. Ação indenizatória, por danos morais, movida por menor que teve sua fotografia estampada, sem autorização, em material impresso de propaganda eleitoral de candidato ao cargo de vereador municipal.
2. Recurso especial que veicula a pretensão de que seja reconhecida a configuração de danos morais indenizáveis a partir do uso não autorizado da imagem de menor para fins eleitorais.
3. Para a configuração do dano moral pelo uso não autorizado da imagem de menor não é necessária a demonstração de prejuízo, pois o dano se apresenta in reipsa.
4. O dever de indenizar decorre do próprio uso não autorizado do personalíssimo direito à imagem, não havendo de se cogitar da prova da existência concreta de prejuízo ou dano, nem de se investigar as consequências reais do uso.
5. Revela-se desinfluente, para fins de reconhecimento da procedência do pleito indenizatório em apreço, o fato de o informativo no qual indevidamente estampada afotografia do menor autor não denotar a existência de finalidade comercial ou econômica, mas meramente eleitoral de sua distribuição pelo réu.
6. Hipótese em que, observado o pedido recursal expresso e as especificidades fáticas da demanda, afigura-se razoável a fixação da verba indenizatória, por danos morais, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
7. Recurso especial provido.[7]
Esse acórdão inovador demonstra que o direito à imagem está intrinsecamente relacionado ao direito à honra, ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos demais direitos personalíssimos protegidos constitucionalmente, que são intransmissíveis, irrenunciáveis e indisponíveis.
Em verdade, a divulgação de imagem não consentida, independentemente do intuito comercial, em regra, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento do seu titular, não havendo que se falar, nesses casos, em comprovação da ofensa moral como condição para o reconhecimento do direito à indenização (STF RE 215.984/RJ[8]).
3. Conclusão
A despeito da previsão legal (art. 20, CC) no sentido de que o direito à indenização, no caso de uso indevido de imagem, exsurgirá nas hipóteses de utilização para fins comerciais ou quando comprovada a ofensa moral, a doutrina e a jurisprudência têm contemplado algumas exceções a essa regra, afastando a necessidade de comprovação do dano, independentemente do uso mercantil, por considerar que, em determinados casos, o dano moral é presumido e decorre do próprio fato (dano in reipsa), como é o caso, por exemplo, da exposição não consentida de imagem para fins eleitorais.
[1] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9ª ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.1.2002. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27.
[2]BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito do autor. 2ªed., rev., atual. eampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 212
[3] STJ REsp 1.280.372/SP, Relator Ministro Ricardo Villas BôasCueva, Terceira Turma, julgado em 7.10.2014, DJe 10.10.2014.
[4] STJ AgRg no Ag 1.379.761/SP, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26.4.2011, DJe 2.5.2011.
[5] STJ REsp n. 1.307.366/RJ, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3.6.2014, DJe 7.8.2014.
[6] STJ Súmula n. 403 – 28.10.2009 - DJe 24.11.2009 Prova do Prejuízo - Indenização pela Publicação de Imagem de Pessoa - Fins Econômicos ou Comerciais - Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
[7] STJ REsp 1.217.422/MG, Relator Ministro Ricardo Villas BôasCueva, Terceira Turma, julgado em 23.9.2014, DJe 30.9.2014.
[8] STF RE 215.984/RJ, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 4.6.2002, DJ 28.6.2002.
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Processual Civil - Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL - conclusão em junho/2008. Graduada em Direito - Universidade Federal de Uberlândia - UFU - conclusão em janeiro/2000.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Letícia Mota de Freitas. O uso não autorizado de imagem para fins eleitorais - Dano IN RE IPSA Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41616/o-uso-nao-autorizado-de-imagem-para-fins-eleitorais-dano-in-re-ipsa. Acesso em: 22 nov 2024.
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