Resumo: O presente artigo tem por objetivo a análise da primeira fase da Mobilização Nacional, a fase de Preparo. Esta fase constitui o pilar da estruturação e desenvolvimento da Mobilização Nacional sendo, portanto, uma fase que demanda grandes investimentos estudos. Uma das bases desta primeira fase é o Serviço Militar, desta forma, foram empreendidos o estudo da convocação do exército do General Napoleão Bonaparte, uma das maiores e bem sucedidas convocações, assim como também, coordenação deste exército. Após foi feito o estudo sobre o Serviço Militar no Brasil, abordando deste a época do Império até atualmente e, posteriormente, foi empreendido o estudo sobre a fase de preparo da Mobilização Nacional, abordando a legislação brasileira, suas características, demandas e do que esta se constitui.
Introdução
Através do estudo nas políticas de defesa, estratégia de defesa, leis e decretos este artigo objetiva compreender como a Mobilização Nacional é tratada no Brasil, onde o objetivo principal foi analisar a fase de preparo da Mobilização Nacional pelas diretrizes brasileiras.
A Mobilização Nacional consiste em três fases: preparo, execução e desmobilização. A Fase de Preparo tem como diretriz preparar a Nação para as possíveis Hipóteses de Emprego[1]. Sendo assim, a formação de um exército é um dos alicerces principais desta fase. Objetivando exemplificar isto, estudou-se a formação do Exército de Napoleão em sua empreendida de convocação e formação de batalhões bem sucedida sob o comando do General Bonaparte.
A fase de Execução consiste em dar início a todo o planejamento, anteriormente empreendido, para o caso de conflito. Desta forma, um dos seus pilares é a economia, que irá sustentar e definir o prosseguindo e até mesmo o sucesso da guerra.
A fase de Desmobilização entra em prosseguimento com o fim dos conflitos, envolvendo o retorno gradativo ao estado de normalidade, de paz. Esta fase é de difícil planejamento e tem como histórico causar distúrbios na economia e até mesmo na vida social
Um dos objetivos deste material é demonstrar a importância da Mobilização Nacional para o Brasil como um todo. A necessidade disto se faz presente quando percebemos a escassez de material sobre o tema escrito e material escrito por autores brasileiros. Portanto, a coleta de material foi realizada em instituições militares, por possuírem maior acervo sobre o tema, concentrados em Mobilização Militar.
A MN em seu sentido completo é um conceito moderno desenvolvido após a percepção da Guerra Total, conceito abordado por Clawsewitz, onde a guerra é vista como um fator humano que ocorre quando este deseja manter sua estrutura social e política vigente e se encontra em ameaça.
O conceito de guerra é algo intrigante para o ser humano em si, dada a destruição que esta visa causar a seu semelhante. Atualmente, abordar guerras ou conflitos se tornou discussão mal compreendida, principalmente, ao vivermos em um cenário que busca a paz, somando ao fato de vivermos em um Estado que prega o pacifismo internacionalmente como política externa, onde até mesmo sua probabilidade de ocorrência é rara. A guerra não é mais buscada como forma de anexação de territórios, expansão cultural ou política. Atualmente a expansão cultural ou política ocorre através das mídias sociais e a anexação territorial é feita indiretamente através da dependência econômica.
Porém, a coordenação da guerra é didaticamente aplicável em diversos segmentos da vida atualmente, seja através da logística ou do planejamento. A análise da Mobilização em seu amparo legal e seu planejamento no Brasil, pode ser aplicada a estudos em áreas que também exijam mobilização em níveis diferentes como desastres naturais, epidemias, missões de paz, narcotráfico. Entretanto, a legislação brasileira identifica a MN como andamento de atividades que estejam relacionadas a conflitos e ameaças. A Mobilização não é pelo amparo legal brasileiro voltado para ações como os mencionados acima.
A contribuição desta pesquisa foi de reunir informações sobre a Mobilização Nacional, buscando fomentar a discussão sobre o tema, ainda escasso no Brasil. Urge a necessidade de maior engajamento social nos temas de defesa que devem ser de interesse da Nação.
Formação do Primeiro Exército Nacional, o Exército Napoleônico
A economia do século XVIII foi formada sob influência da Revolução Industrial Britânica, porém, a ideologia e política teve seus pilares na Revolução Francesa. A França deu o conceito, vocábulo e primeiro exemplo de nacionalismo (HOBSBAWN, 1977. P.71). Este foi o século das crises e revoluções do velho regime e sistema econômico europeu e a Revolução Francesa foi a mais emblemática do tempo.
Em 1789 o mundo era essencialmente rural e a cidade tinha sua economia e prosperidade vinda do campo. Quatro em cada cinco habitantes eram camponeses, e viviam em um sistema tão sem liberdade e servo que era difícil distingui-lo da escravidão. (HOBSBAWN, 1977. P. 30) A Europa vivia um cenário semelhante em todos seus países: a nobreza era controladora das posses e riquezas que obtinha através da terra, porém, está economia não era sustentável ao longo dos anos devido ao clero escravizado e faminto.
O iluminismo surge como um meio à comunicação ao progresso cientifico, tecnológico e de produção, pregando a igualdade entre os homens em uma sociedade oprimida pelos altos impostos cobrados pela hierárquica nobreza. As teorias iluministas se disseminaram entre os progressistas da época e as circunstâncias econômicas de crise e depressão oriundas da guerra serviram para inflamar as revoluções.
Não caberá aqui a análise da revolução ou suas origens, entretanto é importante sabermos a situação internacional e nacional vivida pela França durante a formação do seu exército liderado por Napoleão Bonaparte.
O General sobe ao poder após as ameaças de invasão estrangeira ao país, oriundas da migração aristocrática e eclesiástica para a Alemanha Ocidental, que fugiam do massacre realizado pelos jacobinos no poder. Quando em 1772 a monarquia foi derrubada e a República estabelecida sob políticas girondinas, belicosas no exterior, é que se iniciam métodos sem precedentes para vencer uma guerra contra o exterior. Anteriormente não havia campanhas militares nem forças estabelecidas, o exército era fraco e inseguro e seu general havia se desertado, portanto a união das forças militares se tornou algo complexo.
A total mobilização dos recursos é vista na França, durante a Revolução, como o recrutamento, o racionamento e a economia de guerra. Os cidadãos revolucionários se transformaram em uma força de combatentes profissionais através de treinamentos contínuos e ensinamentos morais. O exército composto por um espírito nacionalista e somado ao líder Bonaparte, fizeram deste o instrumento adequado para concluir a Revolução Burguesa. Como General, não teve igual; como governante, foi um planejador, chefe, executivo soberbamente eficiente e um intelectual suficientemente completo para entender e supervisionar o que seus subordinados faziam (HOBSBAWN, 1977. p.85-93).
Napoleão criou o nível organizacional intermediário de guerra. Sem o corpo do exército – que Napoleão organizou e manipulou com tanta perícia - teria sido impossível os comandantes funcionarem de modo eficiente em nível operacional (LUVAAS. 2001). Napoleão impressiona por seu cuidado e pensamento estratégico em diversos níveis de necessidade do seu exército e soldados. Seu pensamento meticuloso e atencioso para cada detalhe fizeram dele um dos maiores generais da história, abrangendo desde a convocação dos soldados até seus modos de treinamento.
Desde o império de Luiz XI, a seleção militar era feita mediante sorteio, isto permitia uma seleção de modo equitativo, com exceção das classes privilegiadas, que ficavam isentas do sorteio, porém, não da convocação. As requisições abrangiam jovens de 18 a 25 anos, que passavam cinco anos em treinamento. Napoleão em correspondência com um dos seus generais discute a importância de se ter homens para defender o país e não jovens, estes meninos de 18 anos eram por demais novos para irem para campos de batalha, portanto, deveriam passar mais tempo em treinamento. O General Bonaparte em outra correspondência fazia cálculos do contingente necessário para uma situação de guerra, dada uma convocação média de 15.000 soldados ao longo de anos, era necessário manter no mínimo um terço destes preparados para entrar em conflito imediatamente. Uma elucidação feita por Bonaparte nesta correspondência merece destaque por trazer uma aparente solução para problemas que até hoje alguns países vivem com relação à convocação de jovens para o serviço militar. Ele escreve que é necessário estimular o serviço militar através da demonstração de consideração pelos soldados veteranos através de melhores pagamentos. Ele critica as instituições militares inglesas por recrutarem por dinheiro e terem disciplina muita rígida com punições severas.
Os soldados devem ser nacionais, mesmo que poucos. Igualmente, não se pode colocar armas nas mãos de súditos ou recrutas teimosos, pois eles não hesitariam em cometer erros. Eles não precisam ser apaixonados pela causa. Obviamente, amor à pátria e fanatismo podem inspirar bons soldados, mas um bom general, bons quadros, boa organização, instrução e disciplinas, podem produzir boas tropas, não importando a causa. “A simples reunião de homens não produz soldados: o treinamento, instrução e habilidade são o que fazem soldados de verdade” (LUVAAS. 2001, p.22).
O General recomenda que seus comandantes dediquem-se diariamente a ler as listas de chamadas, para estarem constantemente informados da posição de todas as suas unidades e mudanças que ocorrem em seu exército. Cartas eram enviadas constantemente também instruindo próximos passos, demandando dados quantitativos, recomendando métodos de treinamento e revistas ao batalhão, de forma a prestar atenção nas reclamações dos soldados e estimulando-os constantemente.
Entretanto, a guerra envolve mais do que apenas o treinamento dos batalhões. É necessário estar preparado para as exigências do conflito, como as urgências logísticas que não devem perpassar por burocracias rotineiras do período de paz. Estas lentidões podem causar danos às manobras do conflito.
Luvaas (2001), em uma soma das cartas enviadas por Napoleão, escreveu sobre os preparativos necessários pelo General para a guerra. Ele descreveu diversas posições e considerava três critérios como fundamentais para o sucesso da guerra: disciplina, moral e sigilo. A disciplina envolve mais do que a ordem e treinamento, mas também a forma de agir com o povo e os habitantes das cidades invadidas. Ao destruir tudo, causar pilhagem, os habitantes se vão para aumentar as fileiras do inimigo. O sigilo era, obviamente, necessário e visando garantir isto, era exigido que nada fosse publicado nos jornais franceses sobre as tropas e suas extensões.
Napoleão demandava informações detalhadas a seus comandantes sobre largura e comprimento de ilhas, elevação das montanhas, larguras de canais, informações sobre os batalhões austríacos, como se alimentavam, a moral das tropas, suas posições e números, entre outras informações necessárias para adequada formulação do plano. O General exigia mapas com informações suficientes para permitir o planejamento da passagem das tropas, mapas estes que deveriam ser feitos com qualidade e cuidado, repreendendo geógrafos que o faziam demoradamente e com informações desnecessárias.
Na guerra, intelecto e discernimento constituem a melhor parte da realidade. A arte dos Grandes Capitães sempre foi (...) fazer com que as suas próprias forças parecessem muito grandes ao inimigo e fazer com que o inimigo se considerasse muito inferir. Na guerra, tudo é mental. (LUVASS. 201, p. 32-33)
A mentalidade de Napoleão, como observa-se, vai além das simples táticas e logísticas da batalha, mas abrangem também as fraquezas psicológicas dos soldados e as necessidades acadêmicas. Pregava a importância dos seus saberem a história dos Grandes Capitães da Antiguidade por serem modelos em transformar a guerra em uma ciência.
Como dito por Hobsbawn (1977, p.114), a mobilização francesa se iniciou durante o período inflacionário da Revolução. O número de homens envolvidos era muito maior do que o comum em guerras anteriores e o número de perdas também era alto. A força de Napoleão durante o período de paz -1805- era de aproximadamente quatrocentos mil homens, em 1812 as forças somavam setecentos mil homens. A mobilização francesa era enorme, e seus adversários não dispunham dos aparatos para tal ação. Encontravam-se problemas financeiros e não estavam constantemente em campo de batalha para terem esta capacidade de mobilizar em alta eficiência.
As guerras napoleônicas eram caras até mesmo para os padrões atuais e os custos do campo de batalha são pesados e longos, podendo causar prejuízos até mesmo para os países mais ricos. Na França, estes custos eram pagos através de inflações monetárias e tributações especiais. Entretanto, é errôneo considerar que o esforço da guerra cause apenas custos e efeitos negativos na sociedade civil. A indústria da guerra pode a longo prazo, estimular o desenvolvimento que em tempos de paz seriam negligenciados por seus altos custos. Como exemplo, as indústrias do ferro e do aço tiveram forte crescimento durante o período de guerras pelas construções de ferrovias, armas, canhões, etc. Diversas inovações foram criadas pelas guerras napoleônica e revoluções (HOBSBAWN, 1977, p.114).
Os aspectos técnicos das finanças em períodos de guerra são menos importantes do que o efeito econômico geral do grande desvio de recursos dos tempos de paz para usos militares que uma grande guerra requer (HOBSBAWN, 1977, p.114). Ou seja, o empreendimento de realocar recursos em tempos de paz para o esforço militar tem impacto na sociedade maior do que em tempos de guerra, pois, é mal visto. Isso porque há uma crença de que são dispêndios desnecessários para o Estado, entretanto, como Hobsbawn (1997, p.115) elucida, uma grande guerra demanda estes investimentos desde o tempo de paz. A preparação do exército deve ser feita com antecedência e investimento, como Napoleão realizou através de extensos treinamentos. A falta de preparação para o conflito interfere completamente no desenvolvimento do mesmo.
As extraordinárias exigências e condições financeiras da guerra transformaram tudo, mudando a captação de impostos, o desenvolvimento do país, sua industrialização e expansão. Apesar da guerra francesa estar planejada em grande parte para pagar a si mesma, através das custas dos territórios estrangeiros invadidos, tornando menos oneroso a guerra, pode-se atribuir a estagnação da indústria e comércio francês às revoluções e a guerra (HOBSBAWN, 1977. p.115-116). Portanto, mesmo uma guerra com tamanho preparo e planejamento, causou interferências na sociedade e na economia.
Napoleão nos ensina as necessidades que uma guerra exige da Nação: preparo, investimento, quantitativo humano e material, etc. Exige-se que o batalhão seja cuidadosamente trabalhado e amparado. Realizar uma guerra não se resume a enviar tropas e ter poder de fogo, mas sim ter preparo, empreender a Mobilização Nacional deste os tempos de paz cenarizando o futuro.
O contexto histórico vivido pela França durante Napoleão viu o nascer da guerra total. De envolvimento de todas as esferas de poder e população francesa. Houve a MN por completo e bem executada pelos franceses.
A Fase de Preparo
O vocábulo Mobilização tem origem do francês Mobilisation: “pôr em movimento ou passar as tropas para o pé de guerra” (ESG, 2009, p.109). A Mobilização Militar destacou-se pela atuação de Napoleão perante suas tropas e pelo General Von Scharnhorst ao criar a Divisão de Mobilização no Estado-Maior do Exército da Prússia após a derrota para a França.
A amplitude das atividades de Mobilização passou a ser exigida com a Segunda Guerra Mundial, que demandava atender os recursos necessários para a guerra nas expressões militar, política, científico-tecnológica, psicossocial e econômica tornando, portanto, o ato de mobilizar mais complexo e demandando esforços maiores.
A ação de prevenir, neutralizar e eliminar ameaças que surjam na vida das nações não deve ficar ao sabor das improvisações, pois que, dessa forma, estaria comprometida a própria Soberania Nacional e estimulada a atuação do inimigo ante a imprevidência do oponente. (ESG, 2009, p.110)
O cenário internacional atual reduziu o tempo da Mobilização. A rapidez das operações atuais mostrou que um conflito pode ter início sem longos períodos de tensão, portanto, é crítico que o Estado mantenha constantemente ações que visem à manutenção da segurança nacional, através de incentivos às políticas de Mobilização, através de incentivos à Indústria de Defesa, entre outros, buscando não a militarização da sociedade, mas a segurança desta.
A Mobilização Nacional se torna uma atividade necessária, permanente, metódica, progressiva e essencial à Segurança Nacional. Conceituada pela Lei nº11.631, como:
Conjunto de atividades planejadas orientadas e empreendidas pelo Estado, desde a situação de normalidade, complementando a Logística[2] Nacional, com o propósito de capacitar o País a realizar ações estratégicas no campo da Defesa Nacional, para fazer face a uma agressão estrangeira (BRASIL, 2007).
Logo, a melhor oportunidade para a formulação da Política de Mobilização Nacional é na situação de paz.
A Mobilização requer a transferência, de forma planejada, de meios do Poder Nacional[3], para o campo de segurança que antes eram empregados para o desenvolvimento da Nação. É de suma importância que a Mobilização seja realizada através de um planejamento adequado desde a época de normalidade, para que tenha eficácia. Este planejamento prévio é chamado de Preparo da Mobilização Nacional.
A fase do Preparo da Mobilização Nacional é conceituada como o conjunto de atividades planejadas, empreendidas ou orientadas pelo Estado, desde a situação normal, visando a facilitar a Execução da Mobilização Nacional (BRASIL, 2009). Portanto, a Mobilização é dividida em duas fases: Preparo e Execução, de onde o Preparo se faz a fase essencial para que a Mobilização seja plenamente eficaz, pois, é através dela que se estimula o fortalecimento do Poder Nacional promovendo a liberação de recursos indispensáveis para que a fase de Execução possa ocorrer.
A execução da Mobilização Nacional tem como finalidade compulsória e, aceleradamente, transferir recursos e meios existentes no Poder Nacional, ou passíveis de serem obtidos por qualquer método no Potencial Nacional[4]. É nesta fase que se converge a maior parte dos recursos de toda ordem disponíveis na Nação com a finalidade de empreender ações para fazer frente à concretização de uma Hipótese de Emprego (BRASIL, 2012, p.21).
Os recursos necessários para esta fase devem ser identificados através das necessidades de Segurança e Desenvolvimento do Estado, oriundos da identificação das Hipóteses de Emprego (BRASIL, 2009), ou seja, é necessário conhecer o momento em que o Estado se encontra e prever aquele que terá aplicação das forças.
O preparo do Estado para uma HE exige que as cinco esferas do Poder Nacional tenham apresto em suas esferas de competência. Estas são: expressão política, expressão econômica, expressão científico-tecnológica, expressão psicossocial e expressão militar. Analisaremos como se dá a Mobilização em cada uma destas.
Na expressão política, a fase de preparo significa engendrar uma estrutura política que permita as modificações necessárias à passagem do estado de paz para o estado de guerra. Exige que se disponha de flexibilidade e instrumentos hábeis, que permitam ao Estado atuar adequadamente. Devem-se adotar providências orçamentárias para a emergência e elaboração de instrumentos legais que permitam dinamização na legislação (BRASIL, 2009, p.114).
A expressão econômica é a que possui maior amplitude e intensidade, pois é dela que vêm os recursos e meios que serão utilizados no momento de beligerância. É necessário que se crie desde os tempos de paz, condições de adaptação da economia, de forma ágil, para o estado de guerra. O Manual Básico da Escola Superior de Guerra destaca como medidas que devem ser empreendidas na fase de preparo a Mobilização Industrial, que possui enorme importância para a Mobilização Nacional, onde seu preparo envolve aspectos técnicos e científicos que exigem empenho de recursos, que podem por vezes ser escassos (BRASIL, 2009, p.116).
A expressão psicossocial envolve a motivação das pessoas e da sociedade para criar condições favoráveis ao apoio das atividades de mobilização. O objetivo principal da mobilização psicossocial é compreendido como a “Atitude eminentemente consciente e participativa, tendo como estímulo preponderante a possibilidade da ocorrência de guerra que envolva direta ou indiretamente o país”. A fase preparo se dá através de pesquisas para identificar traços e padrões culturais, para que se possa elaborar mensagens de conscientização da importância das necessidades da Nação (BRASIL, 2009, p.116-117).
A mobilização nacional na expressão militar envolve o planejamento para assegurar os recursos necessários à rápida transformação das Forças Armadas em caso de conflito, fornecer pessoal com habilidades necessárias e material e incentivar desenvolvimento tecnológico de interesse militar (BRASIL, 2009, p. 117).
Exemplos de atividades básicas a serem empreendidas durante a fase de execução (BRASIL, 2012, p.44):
§ Aprovação de legislação especial para os casos de excepcionalidade, não aprovados na fase de preparo;
§ Desenvolvimento de campanhas visando obter o apoio interno e externo aos objetivos traçados;
§ Intervenção nas indústrias militares, civis, instalações e órgãos logísticos de interesse militar.
Mobilizar os recursos científico-tecnológicos se tornou primordial para a Defesa do país, pois permitirá a aplicação dos conhecimentos científicos e das práticas tecnológicas para atender a situação de emergência. O Manual Básico de Assuntos Específicos da ESG designa como principais atividades, entre outras, à serem empreendidas na fase de Preparo da Mobilização (BRASIL, 2009, p.117-118):
· Priorização dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento para a indústria de material de defesa;
· Incentivo a Órgãos de Ciência e Tecnologia na nacionalização do material de defesa.
Das esferas listadas, a MN apoia-se principalmente na expressão econômica, que irá fornecer a maioria dos recursos necessários e tangíveis, e a expressão militar é a maior usuária dos recursos do Poder Nacional (BRASIL, 2009, p.118). A necessidade de articulação e planejamento entre as cinco expressões é primordial para que se alcancem os prazos, necessidades e disponibilidades, além disso, como expresso no Manual Básico da ESG, as providências tomadas em uma das expressões têm reflexo e consequência nas demais.
Com o exposto acima, pode-se assumir a necessidade de haver uma estrutura capaz de orientar, coordenar e dirigir as atividades necessárias da Mobilização Nacional.Esta estrutura em nosso país é chamada de Sistema Nacional de Mobilização (SINAMob). O Sistema deve atuar de acordo com a Doutrina de Mobilização, assegurar o funcionamento, desde épocas normais, ser mecanismo flexível, manter atualizado um planejamento integrado da Mobilização Nacional e estar apto a mudar rapidamente a destinação dos recursos. Portanto, o SINAMob atua de modo ordenado e integrado para planejar e realizar todas as fases da Mobilização e da Desmobilização Nacionais (BRASIL, 2009, p.125).
Em palestra proferida na Escola de Guerra Naval em 1988, a Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacionalelencou como características do SINAMob:
- Globalidade dos problemas, interessando a todos os níveis da administração e as múltiplas e variadas atividades da vida nacional;
- Impossibilidade de soluções compartimentadas para os problemas de Mobilização, pelo fato de envolver todas as expressões do poder nacional;
- Complexidade das atividades de mobilização, na medida em que envolvem interesses da nação, como um todo;
- O sistema deve assegurar o funcionamento, desde épocas normais, de um mecanismo flexível, capaz de elaborar e de manter atualizado um planejamento integrado da Mobilização Nacional e estar apto a mudar rapidamente a destinação de recursos de toda a ordem a acelerar a produção de meios adicionais;
- O sistema deve também assegurar ou pelo menos possibilitar esforços convergentes, coerência e compatibilidade de programas e integração de recursos de toda ordem.
Portanto, na fase de Preparo, ou seja, na fase de normalidade, o Sistema prepara a Mobilização Nacional, articulando as expressões, reconhecendo as necessidades possíveis de acordo com as Hipóteses de Emprego e buscar atendê-las dentro das limitações.
São membros do Sistema segundo a Lei nº 11.631 decretada em 27 de setembro de 2007:
- I - Ministério da Defesa;
- II - Ministério da Justiça;
- III - Ministério das Relações Exteriores;
- IV - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
- V - Ministério da Ciência e Tecnologia;
- VI - Ministério da Fazenda;
- VII - Ministério da Integração Nacional;
- VIII - Casa Civil da Presidência da República;
- IX - Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; e
- X - Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República.
Cada um desses membros corresponde à Direção Setorial, e são responsáveis pelo planejamento, coordenação e articulação da Mobilização Nacional em suas áreas de competência, onde o Órgão Central do Sistema cabe ao Ministério da Defesa, segundo o Decreto-Lei nº6592 de 2008.
Estes Órgãos de Direção Setorial são organizados de acordo com subsistemas, que possuem como objetivo coordenar as ações necessárias para a preparação dos planos e sua execução (BRASIL, 2008). Os subsistemas são:
- Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
- Ministério das Cidades;
- Ministério da Cultura;
- Ministério da Educação;
- Ministério do Esporte;
- Ministério do Meio Ambiente;
- Ministério da Previdência Social;
- Ministério da Saúde;
- Ministério do Trabalho e Emprego; e
- Ministério do Turismo;
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
- Ministério das Comunicações;
- Ministério do Desenvolvimento Agrário;
- Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
- Ministério de Minas e Energia; e
- Ministério dos Transportes;
Em anexo na Figura 1 há esquematização desta divisão.
Em época de normalidade da vida nacional, o sistema planeja as atividades relacionadas com a Execução da Mobilização Nacional, exercitando-as, ao mesmo tempo em que acompanha e estimula o processo de desenvolvimento, concorrendo para fortalecer o Poder Nacional (BRASIL,1988, p.3-4).
Cada um destes subsistemas deve possuir um plano de mobilização próprio que seja atualizado constantemente de acordo com suas demandas. O ciclo de Planejamento da Mobilização abrange a elaboração destes planos de acordo com as normas, conceitos e princípios da Doutrina Básica da Mobilização Nacional (DBMN). Este planejamento tem duas fases com atividades específicas, onde a primeira fase é chamada de Orientação e a segunda é chamada de Fase de Elaboração de Planos (BRASIL, 2009, p.121).
A fase de Orientação é onde o Ministério da Defesa, órgão central do Sistema, deverá formular a Política Nacional de Mobilização, de onde irá decorrer a Doutrina Básica de Mobilização Nacional. Estes servirão de base para a elaboração de documentos nos níveis setoriais, acima mencionados, onde os Ministérios responsáveis deverão estabelecer diretrizes para os órgãos subordinados. Ou seja, esta primeira fase do ciclo de planejamento deverá ter a elaboração de documentos de diretrizes para os setores Militar, Econômico, Político, Psicossocial e Científica-Tecnológica; além disso, deverá ser desenvolvida a Política Governamental, Diretrizes e Instruções aos Órgãos Subordinados e a Diretrizes Ministerial de Mobilização (BRASIL, 2009, p.122).
A fase posterior é chamada de Elaboração, onde os planos vão sendo consolidados em sentido inverso ao observado na Fase de Orientação. Todos os planos deverão conter medidas que serão adotadas durante os tempos de paz, ou seja, ao Preparo da Mobilização, e outra as ações a serem desencadeadas após a decretação da Mobilização Nacional, referentes à fase de Execução da Mobilização Nacional (BRASIL, 2009). Essa esquematização da implantação dos planos setoriais está explicitada na Figura 2 e 3.
É importante ressaltar a dinâmica que deve haver entre estes Ministérios e no ambiente interno destes, pois a elaboração destes planos é de grande complexidade e riqueza de informações, que devem ser atualizadas constantemente frente às possíveis Hipóteses de Emprego, já que estas mudam de acordo com o desenvolvimento do País, suas necessidades e vulnerabilidades. Talvez seja por tamanha complexidade que não há até o presente momento a concretização de nenhum dos documentos acima mencionados, com exceção da Doutrina de Mobilização Militar (DMM), que será mencionada mais para frente.
O SINAMob deve estruturar-se dentre estes requisitos (BRASIL,1988, p.4):
- Permanência: o Sistema deve ter caráter permanente, para possibilitar o estudo e planejamento, assegurar a continuidade das medidas de fortalecimento do Poder Nacional. Uma estrutura indispensável à eficiência do respectivo planejamento;
- Flexibilidade: os órgãos integrantes do Sistema devem ter capacidade de rapidamente se adaptar às situações de emergência;
- Alto Nível: o órgão central do Sistema deve se situar no mais alto nível governamental, com poder decisório capaz de atender as necessidades;
- Âmbito Nacional: as atividades de mobilização atuam nos setores federal, estadual e municipal;
- Unidade de Direção: as atividades de mobilização devem estar sob uma única direção central, de forma a assegurar a convergência de esforços na capacitação do poder nacional.
A importância da fase de Preparo da Mobilização já foi destacada acima, mostrando sua relevância para a segurança e defesa do país. Entretanto, não vemos ações sendo feitas com objetivo de capacitar e preparar o Estado para uma futura situação belicosa. Faremos uma análise das cinco expressões do Estado elencando suas deficiências com relação à fase de Preparo da Mobilização.
A expressão psicossocial, dado o histórico e a política externa brasileira pacifista[5], faz com que a população não veja como possível uma situação de guerra com o Brasil. Não há trabalho de comunicação e psicossocial de trazer essa possibilidade para o povo brasileiro, fazendo-o ver a importância dos investimentos no Serviço Militar e até mesmo no nacionalismo para construção da Segurança Nacional.
Na expressão científico-tecnológica, temos acompanhado recentemente políticas governamentais que incentivam a inovação nacional de tecnológicas na Base Industrial de Defesa (BID), através de incentivos fiscais, bolsas de estudo, entre outros. Apesar do Brasil não ser o maior exportador de material para a base de defesa, segundo o IBICT[6], em 2009 as compras realizadas pela BID foram 72% de empresas nacionais, o que demonstra o crescimento científico-tecnológico do país na área de defesa e independência da importação, fator primordial para a consolidação da defesa do país.
A expressão militar, está diretamente relacionada com a expressão científico-tecnológica, dado que sua base de armamentos é oriunda das criações nacionais e importações, portanto, ainda temos uma base com armamentos antigos e que precisam ser modernizados para atender as demandas das Forças Armadas, o que encontra dificuldades dado o baixo orçamento com este propósito.
Na expressão política, vemos uma falha importante ao não termos a elaboração destes planos setoriais e doutrinas, tendo como consequência a falta de preparo do Estado para essas situações. Por fim, na expressão econômica a característica mais importante, como ressaltamos, é a preparação de uma economia de guerra que tem como base o planejamento desde os tempos de paz.
Recentemente o governo vem mostrando interesse na temática ao propor Simpósios e Congressos sobre Mobilização, visando dar início à elaboração dos planos setoriais. No dia 15 de Agosto de 2014, foi realizado o I Simpósio de Mobilização Nacional com objetivo de organizar as principais ações que precisam ser executadas. O exemplo citado é: construção de pontes, melhoria das estradas, construção de portos e aeroportos, pois, como é salientado, estas ações de infraestrutura e logística exigem planejamento de longo prazo. Em entrevista o coordenador da Seção de Mobilização Nacional do Ministério da Defesa, Antônio Fernando Santos, reafirmou que o desempenho da mobilização não é apenas militar, mas da sociedade como um todo.
Como exemplo, o coordenador explicou que ambientalistas fazem alertas que, decorrente das mudanças climáticas e aceleração do crescimento da população, a água deverá deixar de existir em diversos locais do planeta, tornando-se item de disputa, iniciando uma série de conflitos. “Precisamos de um plano de ação de mobilidade nacional. Temos que saber tudo o que o país tem, onde tem e, se não tem, aonde iremos buscar. Não podemos esperar acontecer para fazer”[7].
Os conflitos atualmente possuem complexidade maior e menos tempo de execução. O Estado precisa estar preparado para que possa se defender. A exemplo da Guerra das Malvinas, em que a Inglaterra se mobilizou em dias dado seu preparo, possibilitando que a fase de Execução transcorresse com o mínimo de interrupção à vida cotidiana da nação.
O Brasil ainda está nos passos de iniciar os planos setoriais, planos estes que os EUA possuem desde seu retorno da 1º Guerra Mundial, em 1929. O potencial ambiental, econômico e político brasileiro precisa ser preservado ao garantirmos nossa defesa e segurança.
Amparo Legal Da Fase De Preparo Da Mobilização Nacional: Serviço Militar Obrigatório
Iremos fazer uma breve análise sobre a convocatória do serviço militar ao longo da história e no Brasil atualmente, dado que esta é a base da fase de Preparo da mobilização nacional do Estado, como mencionado.
Ao analisar a convocatória do serviço militar no Brasil, observa-se que há uma flexibilização de sua obrigatoriedade, pois são selecionados os que possuem interesse de participar, independente de terem habilidade física para tal. Thiago Rocha (2014, p.105) escreve que o modelo obrigatório permanece por interesses institucionais do Exército e não de acordo com as potencialidades estratégicas para a Defesa Nacional.
Segundo Corvisier (apud ROCHAR, 2014, p.8), as primeiras formas de recrutamento militar obrigatório datam da Antiguidade, onde jovens eram convocados para um ano de exercícios militares. Fuller (apud ROCHA, 2014, p.11) afirma que as convocatórias em larga escala eram costume de períodos primitivos e se repetem na modernidade, onde a ideologia nacionalista serve como cimento.
O declínio do modelo obrigatório se deu nos reinados de Filipe II e Alexandre Magno com a contratação de mercenários. Esse modelo foi utilizado até o século XVII. As funções de comando eram dadas às elites políticas e administrativas, portanto, a formação do exército e sua hierarquia era muito relacionada com a ordem social vigente. (ROCHA, 2014, p.9).
Nicolau Maquiavel já criticava a ideia de exército mercenário em “O Príncipe”, de 1513, em que nenhum principado estaria seguro se utilizasse das forças mercenárias. O Estado deveria utilizar da sua própria força populacional, pois os súditos obedeceriam ao desejo do governante enquanto os outros poderiam se rebelar (MAQUIVEL, 2007, p.17).
A conscrição universal inaugura a ideia de “nação armada” constituindo uma forma utilizada de resolver uma crise ao mobilizar, selecionar e preparar os mais aptos para matar e morrer pelo povo. O combatente de hoje serve ao Estado, pertence espiritualmente à nação e deve ser remunerado e respeitado (DOMINGOS, apud ROCHA, 2014, p.9). O modelo obrigatório criou uma identidade coletiva que engaja seus membros nos conflitos. O sentimento nacional se sobrepõe às identidades étnicas e pessoais. O exército nacional é formado pelo e para o interesse nacional. Existe um grande apelo pelo interesse do Estado, mas também passa a haver, agora, pelos anseios da nação.
Alsina Jr. (apud ROCHA, 2014, p.15) divide a história do recrutamento militar no Brasil em três períodos: colonial, onde os soldados profissionais e colonos formavam organizações de milícias; pós-colonial, onde há criação do Exército e da Marinha como instituições nacionais permanentes, com serviço militar obrigatório; e a criação do modelo obrigatório, que se iniciou em 1908 e adquiria abrangência universal.
Em 1548 houve a implantação de uma guarda territorial pela Coroa Portuguesa, em que havia o recrutamento de cidadãos entre dezesseis e sessenta anos. Rocha cita que as batalhas de Tabocas e Guarapé mobilizaram indivíduos de todas as raças brasileiras e serviram para a formação ideológica, patriótica e nacional, futuras sementes de uma nacionalidade brasileira e base para a formação do Exército. (ROCHA, 2014, p.16-17). Em 1824, na Constituição Imperial, conferiu-se à Marinha e ao Exército status de instituições nacionais e permanentes, instituindo a obrigatoriedade do serviço militar (LEAL, apud ROCHA, 2014, p.17). Entretanto, o serviço militar era concentrado para as classes pobres e ainda possuía carácter obrigatório para preencher as vagas. Em 1831 foi criada a Guarda Nacional, que tinha uma realidade divergente do Exército, pois era composta por cidadãos com renda superior a 100$00 entre vinte um e sessenta anos, portanto, era composto por jovens das classes mais abastadas, excluindo os menos favorecidos. (ROCHA, 2014, p.18). Entretanto, segundo Duarte (CAMAMU. apud DUARTE, apud ROCHA, 2014, p.18), lhes faltava instrução, armas, fardas, disciplina e instrução; fatores essenciais como vimos nas cartas escritas por Napoleão para seus Generais. Esses jovens não podiam desempenhar a função que lhes era demandada pela Guerra do Paraguai.
Dadas as dificuldades que se encontraram na convocação para a Guerra, em 1874 houve modificação na lei e o alistamento passou a ser universal. Entretanto, havia falhas que permitiam o pagamento para não se alistarem, envio de substitutos, entre outros. Por fim, o modelo continuou sendo incorporado pela população de baixa renda, criminosos que eram enviados pela polícia, nordestinos afugentados das secas e a população que utilizava o serviço militar como emprego. Carvalho (apud ROCHA, 2014, p.20) denominou esse processo de seleção como “invertido”, por serem escolhidos os piores. Segundo o autor, as tentativas de aproximação do Exército com a sociedade civil se intensificaram apenas no século XX.
Olavo Bilac (CARVALHO, apud ROCHA, 2014, p.21) identifica o que o Exército deveria ser: nacional, livre, de defesa e coesão, que seja o próprio povo e a própria essência da nacionalidade. O serviço militar era uma forma de preparação dos cidadãos para a paz e, eventualmente, para a guerra. A abrangência nacional era importante para alcançar a coesão nacional e difusão dos valores cívicos.
Apenas em 1945 a questão da convocatória foi resolvida através do Decreto-lei 7.343, onde todos os jovens brasileiros que completassem 21 anos deveriam apresentar-se para o serviço militar (CASTRO, apud ROCHA, 2014, p.25). Os jovens de sexo masculino que não estivessem em dia com suas obrigações legais não poderiam tirar carteira de identidade, passaporte, ingressas em serviço público, assinar contratos, matricular-se em instituições de ensino, pleitear direitos, etc. Estrutura já bem semelhante com a que temos atualmente, que seria decretada em 1966 através do decreto nº57.654, e a obrigatoriedade do serviço militar foi reafirmada na Constituição Federal de 1988 pelo artigo nº143 (LEAL, apud ROCHA, 2014, p.25).
Rocha, ao buscar discutir a validação da obrigatoriedade do serviço militar da Constituição Federal, cita a Estratégia Nacional de Defesa de 2008, que diz ensejar tornar o serviço “realmente obrigatório”.
O objetivo, a ser perseguido gradativamente, é tornar o Serviço Militar realmente obrigatório. Como o número dos alistados anualmente é muito maior do que o número de recrutas de que precisam as Forças Armadas, deverão elas selecioná-los segundo o vigor físico, a aptidão e a capacidade intelectual, em vez de permitir que eles se auto-selecionem, cuidando para que todas as classes sociais sejam representadas. (BRASIL, 2008, p.19)
A END cita o Serviço Militar Obrigatório como condição essencial para que se possa mobilizar o povo brasileiro em defesa da soberania nacional e que seja composto por todas as classes sociais, para que seja um espaço republicano, em que a Nação se identifique com as Forças Armadas. O documento afirma a necessidade de não permitir a auto-seleção entre os recrutas desejosos de participar, pois, isso limita o potencial do serviço militar e traz prejuízos à defesa nacional (BRASIL, 2008). Assevera ainda que os serviços militares e civis asseguram a mobilização nacional em caso de necessidade. Rocha (2014) cita que a formação do exército configura-se como um ato político, função que o Estado detém numa intenção de gerar segurança da coletividade (ROCHA, 2014, p. 8).
Rocha (2014), sintetiza a proposta da END em três eixos: manutenção do serviço militar obrigatório Brasil, algo que estaria ameaçado visto o aumento do serviço militar voluntario em outros países; reverter a tendência ao voluntariado durante o processo de seleção do Exército, para que se assegure a representatividade dos segmentos sociais; e utilizar o serviço obrigatório como mecanismo de difusão de uma cultura nacional pró-defesa (ROCHA, 2014, p.99).
[...] em vão cultuam a paz em casa os que não podem defender-se contra estrangeiros; e não têm como se proteger contra os estrangeiros aqueles cujas forças não estejam unidas. E por isso é requisito, para a conservação dos particulares, que haja algum conselho ou homem com direito de armar, reunir e unir tantos cidadãos, ante qualquer perigo e ocasião, quantos forem necessários para a defesa comum contra o número e força certos do inimigo. (HOBBES, apud ROCHA, 2014, p.8)
Conclui-se que o Serviço Militar no Brasil passa por uma crise que tem origem na sua composição ao longo da história. O SM é secularmente visto como uma opção a população de baixa renda. Não há trabalho psicossocial de elucidação da importância destes para a defesa do país. A cultura brasileira não assimila as questões que envolvem a defesa e segurança nacionais como primordiais. Isso é explicado pelo histórico e política externa pacifista e conciliadora.
O Brasil, optando pelo Serviço Militar Voluntário, sofrerá problemas de amplitude como baixo quantitativo de inscritos, o perfil dos candidatos não será o reflexo da sociedade como um todo e também não atenderá as possíveis futuras necessidades de um conflito. Não se faz necessária a reformulação do Serviço Militar, mas sim o investimento financeiro e psicossocial do modelo que temos. Napoleão elucidava que os soldados devem ser reconhecidos e deve-se recompensar bem os soldados que já serviram como reconhecimento de sua relevância impar na Nação.
Frisando que a abordagem dada nesse trabalho não é difundir a militarização da sociedade, mas relembrarmos a importância do SM como parte da defesa e segurança da Nação. A militarização do Estado brasileiro vai de encontro com seus princípios pacifistas e de peace-building e peace-keeping preservados pela Constituição Brasileira e pela política externa do Itamaraty.
A garantia da segurança no Brasil não se faz se através da militarização da sociedade, mas sim através da compreensão desta que o desenvolvimento da paz, em um conceito kantiano, se faz através da defesa do Estado de empreendidas que ameacem esta construção.
Conclusão
Este artigo teve como objetivo a análise da primeira fase da Mobilização Nacional: fase de preparo. Constitui-se esta como a fase pilar da estrutura da Mobilização Nacional, pois, é nesta que são determinadas as estratégias de defesa e segurança, onde há investimento para desenvolvimento do país em diversas frentes como de infraestruturas críticas, indústrias, capacitação de recursos humanos, entre outras. O Estado vive atualmente em estado de preparo de forma constante e permanente.
Uma das bases desta primeira fase da MN é o Serviço Militar, portanto, efetuamos uma análise histórica deste modelo no Brasil e foram descritas algumas conclusões acerca deste modelo e de sua influencia para com a MN e, consequentemente, para a defesa nacional. Foi empreendido também o estudo da convocatória do serviço militar por Napoleão Bonaparte e como esta ação foi bem sucedida em aspectos de coordenação do exército e também de treinamento.
Como dito anteriormente, esta fase demanda planejamento e ações estratégicas do Estado para suprir possíveis necessidades em casos de crise, não sendo restrita a apenas situações de ameaça externa.
É importante ressaltar que as ações planejadas e desenvolvidas durante esta fase raramente são unilaterais, ou seja, podem ser realizadas apenas por um Ministério, comumente, envolvendo mais de um Ministério, demandando, portanto, interação entre estes. É necessário que todos os Ministérios que compõem o SINAMOB tenham amplo conhecimento sobre a importância da MN e como este organismo contribui para ela. A dificuldade desta interação, dado as diferentes culturas organizacionais, prioridades e compreensão da MN em sua essência, tornam as ações estratégicas mais difíceis de serem implantadas e desenvolvidas. Portanto, é avaliado como primordial que as reuniões do SINAMOB aconteçam com frequência e não apenas em casos de crises, pois, desta forma a interação e sincronia entre os Ministérios será ampliada.
O aparato administrativo, legal e ministerial da Mobilização pode ser utilizado em mais vertentes para além dos referentes à guerra, pois, o cenário brasileiro é de continuação de uma situação de paz, entendida aqui como ausência de conflitos, mas também de outras preocupações como narcotráfico, roubo de biodiversidade, segurança nas fronteiras, missões de paz, segurança pública, ameaças biológicas, entre outros. Ameaças estas consideradas como do século XXI, onde se deixa o conceito de guerra total para trás e se concentra em ameaças para além da soberania territorial, como era os conflitos de datas anteriores.
Bibliografia
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_04.02.2010/CON1988.pdf
_______ Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999. Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp97.htm
_______ Decreto no 5.484, de 30 de junho de 2005. Aprova a Política de Defesa Nacional, e dá outras providências. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 1 de julho de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5484.htm
_______ Lei nº 11.631, de 27 de dezembro de 2007. Dispõe sobre a Mobilização Nacional e cria o Sistema Nacional de Mobilização – SINAMOB. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 28 de dezembro de 2007.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11631.htm
_______ Decreto nº 6.592, de 2 de outubro de 2008. Regulamenta o disposto na Lei nº 11.631, de 27 de dezembro de 2007, que dispõe sobre a Mobilização Nacional e cria o Sistema Nacional de Mobilização – SINAMOB. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 03 de outubro de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Decreto/D6592.htm
_______ Decreto no 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de Defesa e dá outras providências. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 19 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Decreto/D6703.htm
_______ Decreto nº 7.294, de 6 de setembro de 2010. Dispõe sobre a Política de Mobilização Nacional. Brasília, DF. Diário Oficial da União, 08 de setembro de 2010. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7294.htm
_______. Portaria Normativa nº 343/MD, de 1º de março de 2011. Aprova a Política de Mobilização Militar - MD41-P-01. Brasília, DF. Boletim do Exército nº10, de 11 de março de 2011. Disponível em: http://dsm.dgp.eb.mil.br/phocadownload/Legislacao/Mobilizacao/Portarias/Ministerio_da_Defesa/portaria%20normativa%20343_md_1mar2011.pdf
ESCOLA DE GUERRA NAVAL. Conferência pronunciada na Escola de Guerra Naval. Economia de Guerra. 1962. p.40.
CAVALCANTE, Euler. A Conjuntura Econômica em face das Hipóteses de Guerra.1990. 44p.
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico da Escola Superior de Guerra – Volume II – Assunto Específicos. Rio de Janeiro.2009. p129.
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Cadernos de Estudos Estratégicos de Logística e Mobilização Nacionais. Rio de Janeiro. 2010. p.280.
LUVAAS, Jay. 2001. Napoleão na Arte da Guerra – Estratégia e Métodos de Liderança do maior General de todos os tempos. Rio de Janeiro
MINISTÉRIO DA DEFESA. Portaria Normativa nº 196/MD, de 22 de fevereiro de 2007. Aprova o Glossário das Forças Armadas - MD35-G-01. Brasília, DF.
NICOLSON, Nigel. 1812. Napoleão.
BRASIL. Secretaria Geral Do Conselho De Segurança Nacional - O Plano de Mobilização.1988. p.22
ESCOLA DE GUERRA NAVAL. Economia de Guerra no Brasil – O que faz a Coordenação de Mobilização Nacional. v1. 1945. pp.7-28.
HOBSBAWNS, Eric. 1977. A Era das Revoluções – 1789-1848. Companhia das Letras. São Paulo.
_________________. 1995. Era dos Extremos – 1914-1991. Companhia das Letras. São Paulo. pp.198-253.
ROCHA, Thiago. 2014. O Serviço Militar no Exército Brasileiro na Nova República: A flexibilização de sua obrigatoriedade e os interesses da Força Terrestre no Sistema de Recrutamento Vigente. Tese de mestrado apresentada ao Departamento de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. p.121.
ROTHENBERG, Gunter. 1979. The Anatomy of the Israel Army – The Israel Defense 1948-1979.New York. pp.13-91.
SALZMANN, Juan. 1945. Economia de Guerra. Argentina. pp.3-129.
MENDERSHAUSEN, Horst. 1943. Economia de Guerra. Escola de Buenos Aires. p.291.
[1]As Hipóteses de Emprego são determinadas de acordo com o contexto que o país vive no cenário internacional, onde se identifica quais são as vulnerabilidades deste e, consequentemente, quais são as possíveis hipóteses emprego de ações de defesa.
[2] Logística Nacional é definida como conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão dos recursos necessários à realização das ações planejadas para a consecução da Estratégia Nacional. É no Poder Nacional que a Logística Nacional encontra os meios necessários para empreender suas ações estratégicas.
[3] Poder Nacional é conceituado como os mecanismos que o Estado dispõe naquele momento para ações estratégicas em qualquer das suas esferas de poder (BRASIL, 2009).
[4] Potencial Nacional são os mecanismos que o Estado poderá dispor após ações permanentes e compulsórias que tornem aquele objeto pronto para emprego no atual momento (BRASIL,2009). Portanto, Poder Nacional é o que o Estado dispõe no momento e Potencial Nacional é o que estará à disposição do Estado após determinado tempo e ações.
[5] A Constituição Brasileira de 1988 tem como princípios, de acordo com o artigo 4º, a defesa da paz e solução pacífica dos conflitos.
[6] Agência Brasileira de Desenvolvimento Industria - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) provê gratuitamente relatórios em seu site Portal Livre. A informação foi retirada do Estudos Setoriais de Inovação – Base Industrial de Defesa. Disponível em:
<http://livroaberto.ibict.br/bitstream/1/549/1/Estudo_Setorial_Inovacao_Defesa.pdf>
[7] “Defesa estrutura ações governamentais para situações de Mobilização Nacional”. Reportagem retirada do link: http://www.defesa.gov.br/noticias/13171-defesa-estrutura-acoes-governamentais-para-situacoes-de-mobilizacao-nacional Acessado em: 20/07/2014
Graduada em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui MBA em Gestão e Gerenciamento de Projetos. Idealizadora e coordenadora da Simulação em Gestão Estratégica em Mobilização Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Whilla Castelhano. A Fase de Preparo da Mobilização Nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41660/a-fase-de-preparo-da-mobilizacao-nacional. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Isnar Amaral
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: REBECCA DA SILVA PELLEGRINO PAZ
Por: Isnar Amaral
Precisa estar logado para fazer comentários.