RESUMO: Trata o presente ensaio de breve análise acerca dos os potenciais efeitos da coisa julgada produzida em processos, nos quais o Instituto Nacional do Seguro Social não foi parte, que implicam na concessão de benefícios previdenciários.
Palavras chaves: Processo Civil. Direito Previdenciário. Ativismo judicial. Coisa julgada.
Dentre as hipóteses mais constantes de decisões judiciais que potencialmente geram efeitos em favor do demandante contra a Autarquia Previdenciária, ainda que esta não tenha figurado como parte do processo, podem ser citadas as sentenças trabalhistas de reconhecimento de vínculo de emprego e tempo de contribuição, bem como as sentenças proferidas em processos de justificação judicial com pedido de reconhecimento de união estável, tramitados perante as Varas de Família.
Nos termos do art. 472 do CPC:
“A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado das pessoas, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.” (grifado)
Com base no dispositivo acima transcrito, considerando que o INSS não figurou como parte na demanda, questiona-se se poderia a Autarquia Previdenciária ser compelida a repercutir as decisões de cunho trabalhista ou decorrentes das Varas de Família em benefícios previdenciários por ela mantidos.
Ademais, nas hipóteses em que a Autarquia é intimada para atribuir efeitos previdenciários à decisão judicial transitada em julgado nos citados processos, perquire-se sobre a potencial ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal, disposto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, e, por conseguinte, aos princípios da ampla defesa e do contraditório, previstos no art. 5º, LV, da mesma Carta.
O Instituto Nacional de Seguro Social, não raras vezes, é instado ao cumprimento de decisões judiciais que, em tese, não deveriam produzir efeitos em relação àquele que não compôs a relação jurídica processual.
Consoante já mencionado, dentre as decisões judiciais que potencialmente geram efeitos em favor do demandante contra a Autarquia Previdenciária, ainda que esta não tenha figurado como parte do processo, estão as sentenças trabalhistas de reconhecimento de vínculo de emprego e tempo de contribuição, bem como as sentenças proferidas em processos de justificação judicial com pedido de reconhecimento de união estável, tramitados perante as Varas de Família.
Com relação às citadas decisões, ocorrem ainda diferentes tipos de situação, quais sejam: o INSS é intimado diretamente pelo Juízo, no âmbito do processo judicial, para cumprir a decisão proferida em processo no qual não figurou como parte, ou, no âmbito judicial, a parte instruirá o seu pedido de benefício previdenciário com a sentença, esperando que ela produza efeitos idênticos.
Apesar de, no primeiro exemplo citado, afigurar-se mais clara a atuação judicial proativa, tem-se que, na segunda hipótese, embora a questão seja tratada por normas específicas no âmbito do INSS, na prática, as referidas decisões, quando apresentam validade questionada no âmbito administrativo, geram a judicialização da questão e, em regra, produzem presunção juris et de juri contra a Autarquia Previdenciária.
Assim sendo, apesar de decorrentes de situações diversas, o desdobramento é idêntico em ambos os casos, a saber: o INSS é instado a suportar efeitos de uma decisão judicial proferida em processo no qual não foi parte, seja porque, no âmbito do mesmo processo, foi intimado para fazê-lo, ou em razão da presunção juris et de juri que será produzida por essa decisão, quando eventualmente judicializada a questão em outro processo.
Apesar de não ser o escopo do presente ensaio esgotar todos os dispositivos legais e constitucionais que podem ser invocados para justificar a necessidade de limitação da atuação do Poder Judiciário na tentativa de realização proativa dos direitos sociais dos seus jurisdicionados, faz-se necessário trazer à análise algumas questões correlatas.
Inicialmente, deve-se mencionar que, considerando que o INSS foi parte integrante na lide, não está abrangido pela autoridade da coisa julgada material, razão pela qual os limites subjetivos da coisa julgada material não o alcançam. Consequentemente, não pode sofrer os efeitos da decisão emanada no processo do qual não foi parte.
A assertiva acima decorre da imutabilidade e intangibilidade da sentença, que, após o trânsito em julgado, atingem apenas as partes entre as quais é proferida, consoante se infere do art. 472, primeira parte, do Código de Processo Civil.
Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. (Destacou-se)
Com relação ao dispositivo supracitado, deve-se aduzir que o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, ao regular os limites subjetivos da coisa julgada, retira a segunda parte do art. 472 do CPC vigente, mantendo tão somente a regra que determina que a coisa julgada não beneficia nem prejudica terceiros.
Vê-se, portanto, que não podem os efeitos da sentença ingressar na esfera de atuação jurídica do terceiro que não integrou a relação processual, e, por conseguinte, não pode ser compelido a se submeter aos efeitos da coisa julgada - res inter alios judicata.
Nesse contexto, vale mencionar que os limites dos efeitos da coisa julgada estão amparados, além da expressa menção legal, pelos direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório. Isto é o que se constata das lições de Daniel Assumpção Neves, a seguir expostas:
Segundo previsto no art. 472 do CPC, a coisa julgada vincula somente as partes, não atingindo os terceiros, que não serão beneficiados ou prejudicados. Trata-se da eficácia inter partes da coisa julgada, regra no sistema processual, ao menos no tocante à tutela individual. A par das discussões doutrinárias a respeito do conceito de parte (Capítulo 3, item 3.3.2), entende-se que a coisa julgada vincula o autor, réu e terceiros intervenientes, à exceção do assistente simples, que suporta a eficácia da intervenção prevista pelo art. 55 do CPC.
A eficácia inter partes justifica-se e, razão dos princípios da ampla defesa e do contraditório, não sendo plausível que a sentença de mérito torne-se indiscutível para sujeito que não participou do processo. (NEVES, 2011, 538)
Tem-se, destarte, que viola garantias constitucionais a imposição de efeitos do processo àquele que não adquiriu a qualidade de parte, e, deste modo, não teve as oportunidades atinentes ao contraditório e à ampla defesa.
Assim, não é lógico nem razoável admitir que terceiros sejam condenados a cumprir resignadamente o que foi decidido sem o seu concurso, como se atingidos fossem pela autoridade da coisa julgada.
Por todo o exposto, pode-se concluir que as prerrogativas conferidas ao Magistrado pelo sistema jurídico vigente não induzem plenos poderes, tendo em vista que, com efeito, os poderes destes encontram limitações que não podem ser superadas, sob pena de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade.
Ainda, a fim de exemplificar as limitações dos poderes do juiz, importante é citar o comentário ao inciso III, do artigo 340 do CPC, feito por Antonio Cláudio da Costa Machado:
A determinação judicial de atos a serem praticados pelas partes tem por balizamento as autorizações legais conferidas ao magistrado para a condução do processo rumo ao seu objetivo. Em outras palavras, o juiz só pode ordenar às partes aquilo que é da vontade da lei e não da sua própria. (MACHADO, 2013, p. 289)
Conclui-se, do exposto, que a busca pela efetividade das decisões, decorrente do neoconstitucionalismo, apresenta limites na lei o no próprio sistema constitucional.
Um dos grandes limites ao poder do juiz ativista está na garantia da ampla defesa e no princípio do contraditório inerentes ao processo judicial, com exceção das hipóteses legais, não poderá ser imposta obrigação a quem não figurou como parte.
Valiosas são as palavras de Glauco Gumeto Ramos, que afirma a necessidade de postura garantista dos princípios acima citados em oposição ao arbítrio ativista dos magistrados, neste sentido:
Não há dúvida de que a ampla defesa é uma das decorrências do princípio maior do devido processo legal, de inequívoco nível constitucional. É ela, a ampla defesa, uma garantia a ser observada-viabilizada-concretizada pela autoridade estatal de maneira prévia ao “ato de fala” representativo do Poder. Insista-se no ponto: o Poder estatal só poderá ser exercido APÓS o exercício da ampla defesa pelo seu destinatário. Foi essa a opção constitucional! Do contrário, é Poder decretado com autoritarismo e arbitrariedade eis que exercido fora do devido processo legal, e isso passa ao largo do modelo semântico de processo prescrito na Constituição. (DIDIER JR., 2013, 250)
O supramencionado autor prossegue questionando a possibilidade de compatibilidade constitucional entre o ativismo judicial e a ampla defesa, ao que conclui:
Em primeiro lugar tenhamos em mente – em definitivo – que a ampla defesa não é um favor que o Estado nos confere, mas uma garantia constitucional decorrente do devido processo que é um dos fatores de legitimidade do processo jurisdicional de criação do Direito e do próprio exercício do Poder estatal. Em segundo lugar, tenhamos em mente – também em definitivo – que a ideologia do ativismo judicial viabiliza posturas mais incisivas, autoritárias e arbitrárias do juiz e do Poder Judiciário no curso de criação do direito criado através desse processo. Em suma, o ativismo judicial afeta o conteúdo dogmático da teoria da decisão judicial republicana e democrática e com isso acaba “criando” um modelo pragmático de processo apartado do modelo semântico decorrente dos enunciados prescritivos contidos na Constituição.
Estabelecidos estes parâmetros (=ampla defesa como garantia prévia; ativismo judicial como fator determinante a motivar postura mais incisiva, autoritária e arbitrária do titular do Poder jurisdicional), temos que a ideologia do ativismo judicial é capaz de subverter a garantia constitucional da ampla defesa. E isso, a mim me parece, nos é revelado inclusive de maneira intuitiva. (DIDIER JR, 2013, 250)
Com relação à possível oposição existente entre a postura ativista no processo civil e as garantias constitucionais processuais, elucidativo é o excerto abaixo:
A Constituição da República dispôs sobre vários direitos para o cidadão e prometeu garantias aos direitos fundamentais, impondo, com relação a estes e para a sua garantia, as chamadas cláusulas pétreas. Estas cláusulas pétreas foram instituídas no sentido de dar garantia aos direitos fundamentais e evitar a supressão por normas futuras, implicando isto em impedir que o legislador e, até mesmo, eventual constituinte reformista pudesse suprimir tais direitos. Se assim é, não podendo o legislador e, até mesmo o constituinte reformista suprimir tais direitos por normas futuras, com maior e mais razão estes direitos fundamentais, não podem ser suprimidos pelo ativismo judicial.
A atividade judicial ao suprimir direitos fundamentais em prejuízo do jurisdicionado, está contrariando a Constituição da República. Não se conhece estatística alguma, mas pelo que se apresenta notório, é possível imaginar que o poder que mais viola a Constituição da República é o Poder Judiciário. Basta lembrar alguns poucos exemplos e, logo é possível chegar a esta conclusão. Quem por anos e anos determinou a prisão do depositário infiel sem lei que cominasse pena, configurando prisão sem lei em afronta ao art. 5º XXXIX, da CF? Quem sempre determinou a retenção de dinheiro de incapaz sem o devido processo legal (sem expressa lei nesse sentido), em afronta ao art. 5, LIV, da CF? Quem cerceia defesa em processo ou procedimento, negando o contraditório e a ampla defesa, em afronta ao art. 7º, X, da CF? (...) (DIDIER JR., 2013, 221/222)
Sobre o ativismo judicial e a vinculação do Poder Judiciário ao direito posto e à dogmática, merecem sempre destaque as palavras do Ministro Barroso:
O mundo do direito tem suas fronteiras demarcadas pela Constituição e seus caminhos determinados pelas leis. Além disso, tem valores, categorias e procedimentos próprios, que pautam e limitam a atuação dos agentes jurídicos, sejam juízes, advogados ou membros do Ministério Público. Pois bem: juízes não inventam o direito do nada. Seu papel é o de aplicar normas que foram positivadas pelo constituinte ou pelo legislador. Ainda quando desempenhem uma função criativa do direito para o caso concreto, deverão fazê-lo à luz dos valores compartilhados pela comunidade a cada tempo. Seu trabalho, portanto, não inclui escolhas livres, arbitrárias ou caprichosas. Seus limites são a vontade majoritária e os valores compartilhados. Na imagem recorrente, juízes de direito são como árbitros desportivos: cabe-lhes valorar fatos, assinalar faltas, validar gols ou pontos, marcar o tempo regulamentar, enfim, assegurar que todos cumpram as regras e que o jogo seja justo. Mas não lhes cabe formular as regras. A metáfora já teve mais prestígio, mas é possível aceitar, para não antecipar a discussão do próximo tópico, que ela seja válida para qualificar a rotina da atividade judicial, embora não as grandes questões constitucionais. (BARROSO, 2012, on line)
De todo o exposto, pode-se inferir, de fato, que o poder conferido ao juiz encontra limites no ordenamento jurídico vigente, não sendo lícito instituir obrigações que conflitam com o ordenamento, ainda que se manifeste na amplitude da judicialização de questões sociais, mormente quando plenamente possível, no caso concreto, para a realização do direito, a aplicação do direito posto.
REFERÊNCIAS
DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. In Nova era do processo civil. 2ª ed. pp. 217-225; 257-270 (22p).
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada ‘relativização’ da coisa julgada material. IN Temas de Direito Processual. 9ª série. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 235-265.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª.e.d. São Paulo: Atlas, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª e.d. São Paulo: Malheiros, 2006.
Procuradora Federal - membro da Advocacia-Geral da União, em exercício na Procuradoria Federal Especializada Junto à Universidade Federal do Sul da Bahia. Graduação em Direito pela Universidade Católica de Salvador (2005), especialização em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia (2008) e especialização em Direito Público pela Universidade de Brasília (2013).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Roberta Rabelo Maia Costa. Dos limites dos efeitos da coisa julgada perante terceiros. Recorte no Direito Previdenciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41673/dos-limites-dos-efeitos-da-coisa-julgada-perante-terceiros-recorte-no-direito-previdenciario. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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