Quando uma pessoa jurídica atua, ela faz por meio de seus agentes. Em casos de omissão, nem sempre é fácil identificar o agente público a quem se deve atribuir a responsabilidade pela inação da pessoa jurídica.
Pelos atos ou omissões, imputáveis aos agentes públicos, respondem as pessoas jurídicas de Direito Público ou de Direito Privado prestadoras de serviço público. Essa é a interpretação que se obtém da regra contida no art. 37, §6º[1] da Constituição Federal. Ainda, o referido dispositivo constitucional assegura o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Segundo a doutrina clássica de Hely Lopes Meirelles[2],
A ação regressiva da Administração contra o causador direto do dano está instituída pelo §6º do art. 37 da CF como mandamento a todas as entidades públicas e particulares prestadoras de serviços públicos. Para o êxito desta ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a Administração a responsabilidade independe da culpa, para o servidor a responsabilidade depende da culpa: aquela é objetiva, está é subjetiva e se apura pelos critérios gerais do Código Civil.
Como ação civil, que é, destinada à reparação patrimonial, a ação regressiva (Lei 8.112/90, art. 122, §3º) transmite-se aos herdeiros e sucessores do servidor culpado, podendo ser instaurada mesmo após a cessação do exercício no cargo ou não função, por disponibilidade, aposentadoria, exoneração ou demissão.
No caso de condenação do Estado em ação ajuizada exclusivamente em face dele, a responsabilização civil específica do agente cuja conduta ativa ou omissiva gerou a responsabilização civil do Estado ocorre por meio da ação regressiva.
Quando a Administração responde, é a sociedade que está respondendo. O agente causador do dano deve ressarcir os cofres públicos porque, se agiu com dolo ou culpa, é o seu patrimônio, e não o patrimônio público, que deve, no final das contas, ser atingido. Presentes o dolo ou culpa, a resposta perante a Administração Pública dar-se-á na exata medida da condenação sofrida pelo erário em sede da ação de indenização ou ressarcimento.[3]
Conforme consta no art. 37, §6º da Constituição Federal, o direito de regresso exige a comprovação de dolo ou culpa do funcionário na verificação do evento danoso. As lesões provocadas pelo funcionamento regular do serviço, especiais ou anormais, são indenizadas pelo Poder Público, sem autorizar o direito de regresso, porque não há caracterização do núcleo permissivo de tal direito, ou seja, a culpa de agente público no desempenho de função pública.[4]
A ação regressiva nada mais é que uma medida de justiça e moralidade, já que, quando a Administração responde, em última análise é a sociedade, por meio do patrimônio público, que está respondendo. Alcança os agentes públicos em sentido amplo, já que irrelevante a categoria funcional, a hierarquia, a natureza do respectivo vínculo com o Poder Público. Constatando-se o dolo ou culpa, a responsabilidade do agente dar-se-á na mesma medida da condenação sofrida pelo erário em sede de ação de indenização ou ressarcimento. Ainda, o devido processo legal deve ser respeitado, sob pena de violação dos princípios constitucionais.
Romeu Felipe Bacellar Filho[5], ao tratar do instituto da ação regressiva, esclarece que a noção de agente público de ser entendida de forma ampla:
Cabe repetir que a noção de agente público deve ser entendida de forma ampla. Agente público para os efeitos de responsabilidade é toda pessoa física ou jurídica, investida em função pública, independente do vínculo que ostenta. Incluem-se, por conseguinte, os colaboradores da administração, que responderão (i) diretamente se estiverem exercendo atividade administrativa por sua conta e risco (como é o caso das concessionárias ou permissionárias de serviços públicos), (ii) por via de ação regressiva se não estiverem agindo por sua conta e risco. São abrangidas, assim, todas aquelas pessoas que tomam decisões ou realizam atividades de alçada, em virtude do desempenho de um mister público, ressalta-se, em qualquer escalão.
Finalmente, o rito da ação regressiva é o ordinário, de consonância com o preceituado na parte final do §6º do artigo 37 da Constituição Federal, sujeito ao Código de Processo Civil, devendo esta ser instaurada somente entre a pessoa de direito público interessada e o agente culpado, no intuito de ressarcimento dos cofres públicos.
O mencionado autor, no artigo intitulado “Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público”[6], enfatiza que “...agente público é todo aquele em condições de efetuar comportamentos imputáveis ao Estado, no seu sentido amplo (pessoas jurídicas de direito público, empresas privadas prestadoras de serviço público, colaboradores, etc.)”Assim, no entendimento de BacellarFilho, agente público deve ser entendido de maneira ampla, abrangendo os permissionários e concessionários de serviços públicos.
Na esfera federal, a Lei n.º 4.619, de 28 de abril de 1965, estabelece normas sobre a ação regressiva da União contra seus agentes. O parágrafo único do art. 1º prevê que se considera funcionário qualquer pessoa investida em função pública, seja qual for a forma de investidura ou a natureza da função.[7]
Para Celso Antônio Bandeira de Mello[8] “A seu turno, a parte final do § 6º do art. 37, que prevê o regresso do Estado contra o agente responsável, volta-se à proteção do patrimônio público, ou da pessoa de Direito Privado prestadora de serviço público.”
Portanto, considerando o dispositivo constitucional, pode-se verificar que também as pessoas jurídicas de Direito Privado, prestadoras de serviço público, dispõem da ação regressiva contra os agentes causadores do dano. Ainda, o próprio Código Civil, no art. 934[9], especifica que aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou.
Com relação ao prazo prescricional para propositura da ação regressiva, o art. 37, § 5º da Constituição Federal dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” Lucas Rocha Furtado[10] comenta o assunto da seguinte maneira:
A leitura do dispositivo acima, especialmente da sua parte final, deixa assente que lei deve fixar prazos de prescrição para responsabilizar os agentes públicos pela prática de qualquer ilícito. A Constituição Federal fixa, todavia, a regra de que lei não pode fixar prazo prescricional para as ações de ressarcimento propostas pelo Estado contra seus agentes. Esta regra deve ser aplicada tanto às situações em que o agente tenha causado dano diretamente ao Estado quanto àquelas outras em que o agente tenha causado dano a terceiro e o Estado seja compelido a propor ação regressiva contra o agente.
Por sua vez, Marçal Justen Filho[11] discorda desse posicionamento. Transcrevemos:
Reputa-se que a imprescritibilidade não pode ser albergada, sob pena de gerar efeitos incompatíveis com a própria Constituição Federal, que prestigia a segurança jurídica. Não se pode admitir que o Estado manteria o direito de ação de modo eterno.
No entanto, há julgados no sentido da imprescritibilidade de ações fundadas em dano ao erário. No entanto, existem situações muito distintas que podem ser consideradas e que até o presente não foram claramente solucionadas pela jurisprudência. Assim, suponha-se o caso de um dano cuja pronúncia pressuponha a pronúncia de invalidade de um ato administrativo. Decorridos mais de cinco anos da consumação do ato, opera-se a decadência do direito de promover a sua invalidação. Até o presente, não existe orientação sobre a questão nem há julgado que tenha afirmado que a disciplina constitucional seria incompatível com a norma legal que fixou prazo de decadência para a invalidação de atos administrativos.
A questão da imprescritibilidade da ação regressiva, sem dúvida, suscita polêmicas. Não se adentrará à discussão, porquanto não é o foco do presente estudo. Por fim, apenas para se ter uma noção geral do tema, compete transcrever lição de José dos Santos Carvalho Filho[12], o qual resume importantes aspectos:
Primeiramente, a imprescritibilidade abrange apenas a ação que vise ao ressarcimento de prejuízos causados por atos de agentes do Poder Público, ou seja, daqueles que, mediante título jurídico formal conferido pelo Estado, sendo servidores ou não, estejam no exercício de função pública. Destarte, se o causador do dano é terceiro, sem vínculo com o Estado, não se aplica o art. 37, par. 5º, da CF. Incide, pois, na hipótese, a regra geral para a prescrição da pretensão de reparação civil, contemplada no art. 206, par. 3º, V, do Cód. Civil, que fixa o prazo de três anos. Nesse caso, observar-se-á o postulado normal da prescritibilidade das pretensões, com escora no princípio da segurança jurídica.
O segundo aspecto concerne aos sujeitos da garantia constitucional. Embora a Carta não o diga expressamente, a imprescritibilidade alcança apenas as pessoas jurídicas de direito público, ou seja, as pessoas federativas, autarquias e fundações autárquicas, e, por essa razão, não atingem as empresas públicas e sociedades de economia mista, pessoas de direito privado. É que, tecnicamente, só se pode falar em “agentes públicos” - expressão cunhada no art. 37, par. 5º, CF – quando se trata de pessoas de direito público.
Por último, cabe relembrar que a norma se aplica somente no caso dos efeitos danosos (prejuízos) advindos das condutas ilícitas de natureza civil. Quer dizer: outras pretensões do Estado decorrentes de responsabilidade civil do agente, que não tenham cunho ressarcitório pela ausência de prejuízos, não estão incluídas na garantia da imprescritibilidade. (negrito do autor)
Referência Bibliografia
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil da Administração Pública – aspectos relevantes. A Constituição Federal de 1988. A questão da omissão. Uma visão a partir da doutrina e da jurisprudência brasileiras. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006.
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. In: Interesse Público – IP. Belo Horizonte, n. 6, ano 2 Abril/Junho 2000. Disponível em: www.bidform.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=51629. Acesso em: 18 out.2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
FURTADO, Lucas Rocha Furtado. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 38 ed., 2012.
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 17 ed., 2004.
[1] § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 38 ed., 2012, p. 725.
[3]BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade civil da Administração Pública – aspectos relevantes. A Constituição Federal de 1988. A questão da omissão. Uma visão a partir da doutrina e da jurisprudência brasileiras. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 328.
[4]Ibid., p. 329.
[5]Ibid., p. 330-331.
[6]BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. In: Interesse Público – IP. Belo Horizonte, n. 6, ano 2 Abril/Junho 2000. Disponível em: www.bidform.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=51629. Acesso em: 18 out.2013, p. 68.
[7] Art. 1º Os Procuradores da República são obrigados a propor as competentes ações regressivas contra os funcionários de qualquer categoria declarados culpados por haverem causado a terceiros lesões de direito que a Fazenda Nacional, seja condenada judicialmente a reparar.
Parágrafo único. Considera-se funcionário para os efeitos desta lei, qualquer pessoa investida em função pública, na esfera Administrativa, seja qual fôr a forma de investidura ou a natureza da função.
[8]MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 17 ed., 2004, p. 964.
[9] Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
[10]FURTADO, Lucas Rocha Furtado. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.1018-1019.
[11]JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8.ed., Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 1273.
[12]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 556-557.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Ação regressiva - poder-dever da Administração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41705/acao-regressiva-poder-dever-da-administracao. Acesso em: 22 nov 2024.
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