O direito de superfície deve ser entendido como um direito real, alienável e hereditário, que, por uma ficção jurídica, consideram autonomamente as construções e plantações em relação ao solo.
Cuida-se de um instituto previsto desde a antiga Roma, que todavia apenas veio a ser disciplinado modernamente no Direito Brasileiro a partir do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, e posteriormente pelo Código Civil de 2002.
No direito romano, a superfície era tudo que se elevava acima do solo. Clóvis Beviláqua, por sua vez, ensinava que a superfície era o direito real de propriedade aplicado às coisas que se encontram na superfície do solo, mais particularmente as plantações ou construções em terreno alheio (BEVILAQUA, apud LOUREIRO). Esta última definição foi a abraçada pelo Código Civil de 2002, segundo o qual:
Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.
Como se vê, o referido direito tem o condão de cindir com o principio da acessão, segundo o qual, existe uma união física entre duas coisas em que uma delas depende de modo indissolúvel da outra. Dessa forma, o instituto permite uma melhor utilização da coisa.
O proprietário do solo mantém a substância do bem, pertencendo-lhe o solo, no qual pode ter interesse na exploração ou utilização do que dele for retirado. Já o superficiário terá o direito de construir ou plantar.
Doutrinariamente, há duas variedades do direito de superfície, a urbana, que confere ao titular, também conhecido como superficiário, o direito de construir em solo alheio tornando sua a propriedade da edificação, e a variedade rústica, que permite ao superficiário plantar em terreno alheio, adquirindo a propriedade da plantação.
O magistério de José de Oliveira Ascensão prescreve que osuperficiário assume a posse direta da coisa, cabendo ao proprietário a posse indireta. O fundeiro não pode turbar a posse do superficiário. Alguns aspectos marcantes podem ser destacados nesse instituto que apresenta riqueza de detalhes: a) há um direito de propriedade do solo, que é direito que necessariamente pertence ao fundeiro; b) há o direito de plantar ou edificar, o denominado direito de implante; e c) há o direito ao cânon, ou pagamento, se a concessão for onerosa. Depois de implantada, deve ser destacada a propriedade da obra, que cabe ao superficiário; a expectativa de sua aquisição pelo fundeiro e o direito de preferência atribuído ao proprietário ou ao superficiário, na hipótese de alienação dos respectivos direitos.
O direito de superfície atende à necessidade prática de permitir a construção em solo alheio, acolhendo a propriedade de forma a cumprir o seu papel constitucional, a sua função social, bem como voltando-se para a preservação do meio ambiente, permitindo a transferência, gratuita ou onerosa, do direito de construir sem que o domínio seja atingido. Apresenta-se como um novo e importante instituto, com mecanismos em seu bojo que permitem a utilização, por exemplo, do solo ou de prédios inacabados, a fim de promover o almejado bem-estar social e o planejamento urbano.
Realiza, assim, o ideal constitucional da função social da propriedade, e tem relevante papel na ordem urbanística.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade;
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
O autor português Augusto Penha Gonçalves analisa a importância prática do instituto, grande fomentador da função social da propriedade imóvel, uma vez que:
... se o instituto é estabelecido sob a modalidade temporária, o fundeiro tem a expectativa de receber a coisa com a obra.” E acrescenta: “muito particularmente como instrumento técnico-jurídico propulsor do fomento da construção, tão necessário, sobretudo, nos grandes centros populacionais, onde a carência habitacional alimenta, em boa parte dos que neles vivem, uma das angústias do seu quotidiano.
O direito real de superfície foi recepcionado pela legislação pátria com o escopo de evitar que imóveis fossem objeto de especulação, sem sua imediata exploração econômica ou social, permanecendo assim na ociosidade.
No que tange à possibilidade de o direito de superfície recair sobre uma parte determinada de um imóvel, parece-nos ser possível. Senão vejamos.
Quanto aos encargos e tributos, o art. 1.371 do Código Civil prevê que o superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. Por sua vez, o parágrafo terceiro do art. 21 do Estatuto da Cidade estatui que é o superficiário responsável pela integralidade dos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária e, proporcionalmente, à sua parcela de ocupação efetiva do imóvel.
§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.
Sobre esse ponto, aprovou-se o enunciado nº 94 da I Jornada de Direito Civil:
Enunciado 94 - Art. 1.371. As partes têm plena liberdade para deliberar no contrato respectivo sobre o rateio dos encargos e tributos que recairão sobre a área incidida.
Ora, se é possível a deliberação acerca do rateio de encargos e tributos somente sobre a área que incide o direito real, não há dúvidas quanto à possibilidade de ele se restringir a determinada área da coisa imóvel.
Quanto ao aspecto notarial do instituto, impõe registrar que a aquisição, transferência ou extinção do direito somente se dará por instrumento público, não incidindo, portanto, a regra do art. 108 do Código Civil que prescreve a necessidade de instrumento público somente referente a imóveis cujo valor ultrapasse trinta salários-mínimos.
Assim dispõe o artigo 1.369 do Código Civil:
Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
No mesmo sentido é o artigo 21 do Estatuto da Cidade:
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.
O direito de superfície pode ser constituído por ato inter vivos ou mortis causa e, para a maioria da doutrina, também pela usucapião. Por se tratar de gravame imposto sobre o imóvel, há que partir da iniciativa do proprietário pleno.
Na constituição por ato inter vivos, há primeiramente a estipulação do direito real por meio de escritura pública lavrada no tabelionato de notas e posterior inscrição deste título no Registro de Imóveis. Como sói acontecer na constituição de direitos reais imobiliários, tanto o título como o registro são pressupostos para a constituição do direito.
No caso de transmissão do direito de superfície por ato mortis causa, há que se ponderar que a constituição ou a transmissão aos herdeiros se dá no momento do falecimento, em virtude do direito de saisine, sendo que a inscrição do título no Registro de Imóveis apenas operará efeito declarativo. Inobstante não se tratar de passo necessário para a constituição do direito, o registro da transmissão do direito de superfície é indispensável para garantir a publicidade da transmissão a terceiros, a continuidade dos registros e também para permitir a futura e eventual disposição do direito pelo seu titular.
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: reais. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p.466
GONÇALVES, Augusto Penha, Curso de Direitos Reais, 2. ed. Lisboa: Universidade Lusíada, 1993, p. 423.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. 3ª. ed. São Paulo: Editora Método, 2012.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Graduada em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOLLERO, Barbara Tuyama. Breves apontamentos sobre o direito de superfície Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41709/breves-apontamentos-sobre-o-direito-de-superficie. Acesso em: 26 nov 2024.
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