O motivo é o pressuposto fático ou de direito para a ação administrativa. Sob o enfoque fático, significa as circunstâncias consideradas pelo agente administrativo para a realização do ato. Sob o enfoque do direito, é o fundamento legal que embasa o ato.

Trata-se de um desdobramento do princípio da publicidade e do direito à informação, que consubstanciam a todos os administrados a possibilidade de acesso ao motivo que fundamentou o ato administrativo.

Vale lembrar que a motivação difere do motivo por representar a exteriorização formal do motivo, razão por que a falta de motivação representa vício de forma.

José dos Santos Carvalho Filho considera que o motivo se refere aos aspectos fáticos que foram considerados para a ação administrativa. Defende ainda que a motivação, à luz da Constituição Federal, não é obrigatória, salvo se exigida legalmente de forma expressa[1].

Celso Antônio Bandeira de Mello registra que a tendência verificada na doutrina é de que haja um alargamento da obrigatoriedade da motivação e posiciona-se no sentido de que ela deve vigorar como cláusula geral.

Com relação aos atos administrativos discricionários é imprescindível a exteriorização do motivo, pois isto é o que legitima o exercício da margem discricionária conferida pela lei.

Uma vez inexistente o motivo que fundamentou o ato discricionário a nulidade deste é patente. Não há falar, na hipótese, de invasão do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, já que o foco do controle judicial é o pressuposto do ato, e não o próprio conteúdo que fundamenta o exercício das legítimas opções de ação administrativa.

Como exemplo, citamos a aplicação da pena de suspensão a servidor público. Conforme art. 130 da Lei 8.112/1990 o servidor pode ser suspenso por até 90 dias em caso de infração não cominada com a pena de demissão, como no caso de coação de colegas servidores para filiação a partido político (117, VII, da Lei 8.112/1990). Uma vez existente o motivo, o mérito do ato administrativo que aplicou a pena de demissão dentro da margem legal (90 dias) não pode ser invadido pelo Poder Judiciário. Por outro lado, se constatado que o pressuposto de fato era inexistente (a coação dos colegas servidores para filiação a partido político), o ato será nulo por falta de motivo.

Antes de emanar o ato, a Administração deve levantar a situação fática e adequá-la às hipóteses legais. Deve, pois, construir sua própria interpretação dos fatos para então aplicar a lei e, a partir de então, praticar o ato dentro de sua margem discricionária.

Com efeito, a Administração levanta os fatos, os interpreta e os adequa ao suporte fático legal que entender correspondente. Aqui nesse ponto é que se verificará se existe margem discricionária legal, ou seja, se a norma adotada permite à Administração, por exemplo, atuar numa margem de 2 a 5 e o administrador adotou o patamar 3, não há como o Poder Judiciário entrar no mérito administrativo para aplicar, por hipótese, o 4.

Por outro lado, o Poder Judiciário pode adentrar na interpretação dos fatos e na sua subsunção à previsão legal, o que, como vimos, se insere nos motivos do ato.

O ato administrativo deve ser interpretado como um fato jurídico complexo, que decorre de fases e pressupostos. Não é a constatação de que a atuação final do administrador foi dentro de uma margem discricionária é que afastará do Poder Judiciário a intervenção nas demais fases e pressupostos materiais e formais do ato administrativo.

É muito comum verificar esse problema em situações como a aplicação de penalidades a servidor público.

Por meio de um processo administrativo disciplinar, a Administração instrui o procedimento e toma suas próprias conclusões fáticas que servirão para sua adequação ao suporte fático legal.

Não é porque determinadas penalidades atribuem uma margem discricionária de sanção que todos os pressupostos do ato administrativo não poderão ser objeto do controle judicial, assim como a verificação da congruência entre a verdade real e a verdade assumida pela autoridade administrativa são passíveis de revisão pelo Poder Judiciário.

Como pontua Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] “não há invasão do mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário”.

Esse postulado é a base da propalada teoria dos motivos determinantes, que segundo a lição clássica de Hely Lopes Meirelles[3]:

A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade.

Segundo o STJ[4], "pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato administrativo está vinculada à existência e à veracidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos".

Os motivos adotados vinculam a Administração. Uma vez constatado pelo Poder Judiciário a ausência dos motivos que fundamentaram o ato administrativo, este é nulo.

Disso tudo se conclui que o controle jurisdicional do ato administrativo quanto ao motivo é amplo, independentemente de ser discricionário, já que inafastável do Poder Judiciário analisar o juízo de congruência entre os fatos considerados pelo administrador e a verdade real, assim como a subsunção desta ao suporte fático legal.

rEFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 670.453/RJ, proferido pela Sexta Turma. Relator: Ministro Celso Limongi. Brasília, 18 fev. 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 8 nov. 2013.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.