O programa de inclusão previdenciária estabelecido pelas Emendas Constitucionais nº 41/03 e 47/05, disciplinado pela Lei nº 12.470/11, através de mecanismos de universalização e efetividade normativa, assegurou maior aplicação dos princípios da universalidade de atendimento, da distributividade e da equidade na forma de participação no custeio.
O presente artigo, em resumo, visa demonstrar como o sistema especial de inclusão dos trabalhadores de baixa renda na Previdência Social atendeu aos princípios da Seguridade Social que pautam o Estado Democrático de Direito Brasileiro.
Para tanto, mister se faz discorrermos acerca de alguns conceitos básicos aplicáveis à Seguridade Social, que visa assegurar dignidade a toda população fonte do sistema, a qual justifica seu existir e a impulsiona seus movimentos.
A Seguridade Social pode ser compreendida como conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, com vistas a efetivar a justiça social e bem estar a toda população. Visa, portanto, materializar o Princípio da dignidade da pessoa humana, que norteia o sistema em todas as suas áreas, dentre elas a Previdência Social, objeto de artigo em exame.
A Seguridade Socialfigura no capítulo II do título VIII, a partir do art. 194, da Constituição Federal:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
A Carta Magna estabelece ainda que compete ao poder público organizar a seguridade social, baseada em uma série de princípios dos quais destacamos os princípios dauniversalidade da cobertura e do atendimento; da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; e da equidade na forma de participação no custeio.
Segundo o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, a seguridade deve estar disponível para todos, sem exclusão de qualquer parcela.
Quando se fala em universalidade do atendimento,a Constituição Federal traz à baila o prisma subjetivo da universalidade, segundo o qual todos os residentes do território nacional que venham a sofrer algum estado de necessidade devem ser amparados pelo sistema de seguridade social.
Oprincípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços tem como objetivo identificar e selecionar as contingências sociais mais importantes a serem atendias e efetuara distribuição da renda entre as regiões e populações. A distributividade é o critério que orienta o legislador quando da definição dos destinatários das benesses do sistema, sendo certo que omesmo deve buscar amparar o maior número de necessitados. Já a seletividade tem por escopo definir quais as situações merecem um maior amparo estatal, a fim que se sejam cobertas pela Seguridade Social.
O princípio da equidade na forma de participação e custeio, por sua vez,visa alcançar a justiça no caso concreto. O referido princípio estabelece que as contribuições devem ser instituídas tomando como base a capacidade econômica de cada contribuinte, empresas e trabalhadores.Trata-se de desdobramento do Princípio da Igualdade.
Assim, para que haja justiça social, o custeio do sistema da seguridade social não pode ser injusto. Para tanto, dois pressupostos devem ser observados. A capacidade contributiva, segundo a qual o valor da contribuição será medido de acordo com as condições econômicas de cada contribuinte, e a máxima do risco social, que estabelece que quanto maior for o risco maior deve ser a contribuição.
Com vistas a atender aos referidos princípios elencados no art. 194 da Constituição Federal de 1988, inicialmente a Emenda Constitucional nº 41 de 19/12/2003, assegurou ao legislador a possibilidade de estabelecer um regime especial de proteção do trabalhador de baixa renda, garantindo-lhe acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.
Posteriormente, em 05 de julho de 2005 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 47 que, dentre seus dispositivos, deu nova redação ao § 12 e §13 do artigo 201 da CF:
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem reda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.
§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social.
Seis anos após a referida emenda, foi editada a Medida Provisória nº 529/2011, conferindo a possibilidade de recolhimento reduzido aos microempreendedores individuais.
Na análise da referida Medida Provisória pelo Congresso Nacional, a qualfoi convertida na Lei nº 12.470/2011, a benesse fiscal foi estendida também para uma nova classe de segurados então criada, os segurados facultativos de baixa renda.
Neste sentido, dispõe a lei nº 12.470/2011:
“Os arts. 21 e 24 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 21. § 2o No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de:
I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo;
II - 5% (cinco por cento):
a) no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; e
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda. (...)
§ 4o Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2o deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos.”
Desta forma, a partir da publicação da Lei nº 12.470/11 (31/08/2011),consagrou-se, ainda que parcialmente, o sistema de inclusão previdenciária, possibilitando a redução da alíquota da contribuição social devida pelos microempreendedores individuais e às pessoas que se dediquem ao trabalho doméstico em sua própria residência, desde que se enquadre no conceito de família de baixa renda.
A Lei, entretanto, traçou requisitos próprios para que o enquadramento como segurado de baixa renda seja admitido.
Podem se inscrever como segurados facultativos de baixa renda, as donas de casa e homens que são donos de casa, desde que a família esteja inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e a renda da família não ultrapasse a quantia de dois salários mínimos mensais.
Verifica-se, então, que não basta a simples contribuição pelo segurado, devendo o mesmo comprovar:
- a atividade desempenhada (exercício exclusivo de trabalho doméstico no âmbito de sua própria residência)
- renda do núcleo familiar inferior a 2 salários mínimos e
- inscrição no CadÚnico.
-não possuir renda própria, que envolveria todo e qualquer rendimento (alugueis, pensões alimentícias, pensões previdenciárias etc.)
Em outros termos, a validação dos recolhimentos como segurado facultativo baixa renda, assim, depende de análise específica dos requisitos da Lei 12.470/11.
A fruição dos benefícios desse privilégio fiscal exige que os recolhimentos efetuados como facultativo de baixa renda se submeta a uma avaliação escalonada a cargo de diferentes entidades públicas. A Receita Federal do Brasil, responsável pelos recolhimentos em Guia da Previdência Social - GPS, o Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome, que gerencia do Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que concederá eventual benefício previdenciário.
Como primeira forma de validação, deve ser realizada a verificação objetiva da inscrição do beneficiário no denominado CadÚnico.
De acordo com o art. 2º do Decreto nº 6.135/2007, o Cadastro Único para Programas Sociais - CadÚnico é o instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal voltados ao atendimento desse público.
Estando confirmada a condição de inscrito no CadÚnico por parte do beneficiário, passa-se a verificar o correto recolhimento das contribuições previdenciárias por intermédio de Guia da Previdência Social – GPS.
Os pagamentos de contribuição a menor baseado na lei 12.470/11também devem ser submetidos a prévia validação pontual do recolhimento do contribuinte Facultativo de Baixa Renda-FBR.
Em regra, as agencias da previdência social devem providenciar o tratamento dos vínculos e remunerações que porventura estejam em desacordo com os preceitos constantes na Lei nº 12.470/11. Isto porque o enquadramento como segurado facultativo de baixa renda apresenta, dentre outras, a restrição do segurado não possuir renda própria e trabalhar exclusivamente no âmbito residencial,não devendo, portanto, apresentar no CNIS recolhimentos efetuados no código 1929 em concomitância ao exercício de atividade abrangida pelo Regime Geral de Previdência Social/Regime Próprio de previdência Social-RGPS/RPPS.
Caso as contribuições efetuadas na qualidade de segurado de baixa renda não sejam validadas, o segurado poderá pedir a restituição dos valores recolhidos perante da Receita Federal ou recolher uma diferença de 6% (seis por cento) do salário-mínimo federal para se igualar aos segurados facultativos convencionais.
Superada tais etapas, a aferição dos demais requisitos se dará após o requerimento administrativo de algum benefício perante a Previdência Social.
Quando o segurado facultativo de baixa renda efetua requerimento administrativo de algum dos benefícios a que faz jus, inicia-se a aferição das questões relativas a renda familiar do segurado, a fim de identificar se a família possui renda até dois salários-mínimos, assim como se a profissão do mesmo pode ser configurada como “do lar”.
Cabe às Agências da Previdência Social, por meio de pesquisas, analisarem os documentos relativos ao requerente, como por exemplo Carteira de Trabalho, CNIS, guias de recolhimentos previdenciários, dentre outros, afim de enquadrá-lo com segurança como legítimo destinatário da cobertura previdenciária.
Diante da ausência de vínculos ou indícios de que o mesmo realize qualquer atividade remunerada, presume-se que o interessado se enquadra na condição de “do lar”.
Cumprida todas as exigências legais, tem direito aos benefícios aposentadoria por idade; aposentadoria por invalidez; auxílio-doença; salário-maternidade; pensão por morte e auxílio-reclusão.
Por fim, não se deve confundir o facultativo de baixa renda com a segurada empregada doméstica que possui forma e alíquotas de contribuição próprias, não havendo nenhuma alteração na legislação para essa categoria.
Depreende-se da análise do artigo 21, inciso II, alínea “b” da Lei nº 8.212/91, que a forma diferenciada de recolhimento previdenciário é restrita aos segurados que não possuem renda e que trabalham exclusivamente dentro da sua própria casa, ocupando-se das pouco valorizadas atividades de cozinhar, limpar o lar, lavar e passar roupas e cuidar dos filhos. Os empregados domésticos, por sua vez, exercem atividade remunerada, com vínculo empregatício e, por essa razão, pertencem a classe dos segurados obrigatórios da Previdência Social.
Vale pontuar, por fim, que a benesse fiscal e previdenciária em questão poderá beneficiar tanto mulheres quanto homens, desde quededicados exclusivamente ao lar.
Neste contexto, verifica-se que o sistema de inclusão previdenciária criado pela Lei 12.470/11identifica-se plenamente com os princípios da seletividade e da distributividade bem como garante efetividade normativa ao Princípio da Universalidade.
Com efeito, ao garantir a benesse fiscal os trabalhadores de acordo com os seus rendimentos ou situação econômica familiar, o legislador assegurou a melhor proteção securitária aqueles excluídos do sistema previdenciária ante a falta de capacidade contributiva.
Assim, a redução da carga contributiva destes segurados de baixa renda harmoniza-se aos princípios constitucionais da equidade na forma de participação do custeio, isonomia tributária e solidariedade social, além de dar efetividade normativa ao princípio da universalidade de cobertura e atendimento.
Do ponto de vista financeiro e atuarial, entretanto, a redução constitucionalmente prevista da contribuição devida por específica classe de segurados importa em hipótese legal de renúncia fiscal por parte do Estado. Assim, a desoneração de parcela dos segurados do sistema previdenciário, que necessariamente deve respeitar o artigo 195, §5 da CF, exige contrapartida, sob pena de lesão ao equilibro financeiro e atuarial do já deficitário sistema previdenciário brasileiro.
Em vista de todo o exposto, pode-se concluir que o novo sistema de inclusão previdenciária implantado pela Lei nº 12.470/11 é de suma importância para a garantia do bem estar e da justiça social, estando em plena consonância com os princípios da Seguridade Social estabelecidos no texto constitucional.
Uma vez respeitadoe garantido o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, pode ser instrumento de consolidação da dignidade da pessoa humana para parcela considerável da população miserável do país, a qual que se encontrava alheia ao sistema protetivo da previdência social.
REFERÊNCIAS:
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BRASIL. Lei n.º 12.470, de 31 de agosto 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12470.htm>. Acesso em: 08. Nov.2014.
CANCELLA, Carina Bellini. Segurado Facultativo de Baixa Renda: linhas gerais sobre a nova classe de segurado criada pela Lei nº 12.470/2011. ConteudoJuridico, Brasilia-DF: 30 abr. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.47855&seo=1>. Acesso em: 05 nov. 2014.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário/ Carlos Alberto Pereira de Castro; João Batista Lazzari – 14.ed. – Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.
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MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário, Tomo II, 2ª Ed. São Paulo: Ltr, 2003.
PAULSEN, Leandro. Contribuições – Custeio da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
Procuradora Federal, lotada na Procuradoria Federal de Minas Gerais. <br>Especialista em Direito Processual pela UNIDERP. Pós-graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Nayana Machado Freitas. Segurado facultativo de baixa renda: breves considerações acerca da nova classe de segurados incluída no RGPS pela Lei 12.470/11 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41723/segurado-facultativo-de-baixa-renda-breves-consideracoes-acerca-da-nova-classe-de-segurados-incluida-no-rgps-pela-lei-12-470-11. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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