A responsabilidade induz, de imediato, à ideia de que o responsável deve responder perante a ordem jurídica em virtude de algum fato precedente. O fato e a sua imputabilidade a alguém constituem pressupostos do instituto da responsabilidade. A ocorrência do fato, verdadeiro gerador dessa situação jurídica, é indispensável, seja de caráter comissivo ou omissivo. De outro lado, é necessário que o indivíduo a que se impute responsabilidade tenha a aptidão de efetivamente responder perante a ordem jurídica pela ocorrência do fato.[1]
A responsabilidade civil do Estado, pela reparação dos danos que venha causar aos cidadãos-administrados, é um dos fundamentos do Estado de Direito, do qual é consequência lógica e inevitável.[2] O art. 37, §6º, da Constituição Federal estabelece a responsabilidade objetiva da Administração, que é o dever de reparar prejuízos causados a terceiros:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso)
Nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, os elementos da responsabilidade objetiva da Administração Pública são: agente que aja na qualidade de ente estatal, dano ressarcível, conduta imputável ao Estado, nexo causal. Ainda, a Constituição Federal prevê o direito de regresso contra o responsável.
Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 trouxe, como novidade acerca da responsabilidade civil prevista no art. 37, par. 6º, a sujeição passiva das pessoas jurídicas de direito privado, quando prestadoras de serviço público. A norma constitucional tem por objetivo a ampla reparação ao lesado, incluindo também as hipóteses em que esta função estatal é desenvolvida por particulares.[3]
Por sua vez, o Código Civil Brasileiro, no art. 43, prevê, em consonância com a Constituição Federal, que “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”, havendo omissão quanto às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
No capítulo destinado à responsabilidade civil e à obrigação indenizatória, o mesmo Código estabelece no art. 927 e parágrafo único:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Com relação à responsabilidade objetiva, prevista na Constituição Federal, ressalta Leila Cuéllar que, “Deve-se observar que a responsabilidade objetiva é princípio vinculado à própria noção de Estado de Direito e de Legalidade, foi fruto de uma evolução em termos de proteção do indivíduo. A responsabilidade extracontratual do Estado é decorrência do próprio regime administrativo”[4]
Muitas vezes, a doutrina se refere à responsabilidade extracontratual da Administração Pública, ao invés de usar a expressão “Estado”. Assim, a despeito de ser o tema conhecido como responsabilidade civil do Estado, o objeto de incidência da responsabilidade objetiva tem campo mais extenso, para alcançar outras pessoas não precisamente caracterizadas como Estado, ou seja, guarda pertinência com as pessoas jurídicas incumbidas do exercício da função administrativa, como é o caso das concessionárias e permissionárias de serviço público.[5]
Ainda, deve-se distinguir a responsabilidade primária da responsabilidade subsidiária no que toca às condutas estatais. É primária a responsabilidade quando atribuída diretamente à pessoa física ou à pessoa jurídica a que pertence o agente autor do dano. Será subsidiária a responsabilidade quando sua configuração depender da circunstância de o responsável primário não ter condições de reparar o dano por ele causado. Há muitas pessoas jurídicas que exercem sua atividade como efeito da relação jurídica que as vincula ao Poder Público, podendo ser variados os títulos jurídicos que fixam essa vinculação, como as pessoas de sua Administração Indireta, as pessoas prestadoras de serviços públicos por delegação negocial (concessionárias e permissionárias de serviços públicos) e também aquelas empresas que executam obras e serviços públicos por força de contratos administrativos.[6]
Para Carvalho Filho[7], a responsabilidade primária deve ser atribuída à pessoa jurídica a que pertence o agente autor do dano. Contudo, embora não se possa atribuir responsabilidade direta ao Estado, o certo é que também não será lícito eximi-lo inteiramente das consequências do ato lesivo. Nesse caso, a responsabilidade será subsidiária, nascendo quando o responsável primário não mais tiver forças para cumprir a sua obrigação de reparar o dano. Referido autor[8] expõe:
Por conseguinte, não abandonamos o pensamento de que o Poder Público tem responsabilidade solidária pelos danos causados por pessoa privada à qual compete prestar determinado serviço público, só pelo fato de ter havido delegação do serviço. Trata-se, a nosso ver, de conclusão tipicamente passional, de caráter radical e afastada dos cânones jurídicos que regem a matéria. O Poder Público não é, repita-se, o segurador universal de todos os danos causados aos administrados. O que é importante é verificar a conduta administrativa. Se a Administração concorreu com a pessoa responsável para o resultado danoso (o que ocorre algumas vezes por negligência e omissão administrativa), haverá realmente solidariedade; a Administração terá agido com culpa in omittendo ou in vigilando, podendo ser demandada juntamente com o autor do dano. Contudo, se a culpa é exclusiva da pessoa prestadora do serviço, a ela deve ser imputada a responsabilidade primária e ao Poder Público a responsabilidade subsidiária. (negrito no original)
Simone de Almeida Carrasqueira, no artigo intitulado “Revisando O Regime Jurídico das Empresas Estatais Prestadoras de Serviço Público”[9], ao tratar da imputação da responsabilidade objetiva à pessoa jurídica de direito privado, conclui:
A regra da responsabilidade objetiva estatal somente deve ser imputada à pessoa jurídica de direito privado quando esta mantiver um vínculo de direito público com o Estado, isto é, desde que haja delegação de serviço público, ou por outra, uma transferência da execução do serviço de competência do Estado para a pessoa jurídica de direito privado.
Por fim, uma vez que o Estado tem o dever constitucional de prestar o serviço público, ainda que indiretamente, preserva-se seu dever de indenizar, caso o executor do serviço descumpra com suas obrigações, pertinentes à própria prestação do serviço público concedido. A pessoa jurídica, que executa o serviço público em seu próprio nome, terá responsabilidade primária, de acordo com o art. 25 da Lei n.º 8.987/95. O Estado será responsabilizado, caso a mesma não possua patrimônio suficiente para arcar com a integral indenização dos prejuízos causados por seus agentes nesta qualidade, pois cabe ao poder concedente a fiscalização da execução do serviço.[10]
A Lei n.º 8.666, de 1993, em seu art. 71, especifica:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2o A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Por sua vez, a Lei n.º 8.987, de 1995, em seu art. 25, estabelece que “Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.” (grifo nosso), não permitindo concluir que haveria responsabilização do ente público.
No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 16, do Distrito Federal, ocorrido em 24 de novembro de 2010, relator Min. Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o art. 71, §1º, da Lei n.º 8.666 de 1993.
Transcrevemos a ementa do julgado citado[11]:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.(grifo nosso)
Assim, em decisão plenária, “O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Cezar Peluso (Presidente), julgou procedente a ação, contra o voto do Senhor Ministro Ayres Britto. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 24.11.2010.”
Referências Bibliográficas
BORGES, Alice Gonzales. A responsabilidade civil do Estado à luz do Código Civil: um toque de direito público. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado, São Paulo: Malheiros, 2006.
CARRASQUEIRA. Simone de Almeida. Revisando O Regime Jurídico das Empresas Estatais Prestadoras de Serviço Público. In: Direito Administrativo. Marcos Juruena Villela Souto (Coordenador-Geral). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Responsabilidade civil das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006.
CUÉLLAR, Leila. Concessionárias de serviços públicos e a responsabilidade civil da Administração Pública. In: CUÉLLAR, Leila; MOREIRA, EgonBokmann. Estudos de direito econômico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, v.2.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 17 ed., 2004.
[1]Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11., ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 519.
[2] BORGES, Alice Gonzales. A responsabilidade civil do Estado à luz do Código Civil: um toque de direito público. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 19
[3]CARRASQUEIRA. Simone de Almeida. Revisando O Regime Jurídico das Empresas Estatais Prestadoras de Serviço Público. In: Direito Administrativo. Marcos Juruena Villela Souto (Coordenador-Geral). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 300.
[4] CUÉLLAR, Leila. Concessionárias de serviços públicos e a responsabilidade civil da Administração Pública. In: CUÉLLAR, Leila; MOREIRA, EgonBokmann. Estudos de direito econômico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, v.2, p. 28.
[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Responsabilidade civil das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. In: FREITAS, Juarez (organizador). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 143.
[6]Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 541.
[7] Id.
[8] Ibid., p. 541-542.
[9] CARRASQUEIRA, 2006, p. 301.
[11]http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2816%2ENUME%2E+OU+16%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/cvd58sc
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. O princípio da responsabilidade civil objetiva da Administração Pública no Direito Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41897/o-principio-da-responsabilidade-civil-objetiva-da-administracao-publica-no-direito-brasileiro. Acesso em: 26 nov 2024.
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