De acordo com o estabelecido no artigo 20 da Lei 8.742/93, faz jus ao benefício de prestação continuada apenas a pessoa portadora de deficiência ou idosa que não tenham condições de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O §3º do mesmo artigo define, ainda, que se considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa, a família cuja renda mensal per capita familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Para fins de sua aferição, o §8º do mencionado dispositivo determina a apresentação de declaração pelo requerente ou seu representante legal, e o Decreto 1.744/95 estabelece os documentos necessários à sua comprovação.
Ocorre que, pelo fato dos idosos e deficientes constituírem grupos vulneráveis, não só pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho, mas também por possuírem necessidades especiais em relação a outras pessoas, como gastos elevados com medicamentos ou educação especial, iniciaram discussões no sentido da possibilidade ou não da flexibilização do critério objetivo estabelecido na legislação para a caracterização do estado de miserabilidade.
A ideia inicial era fazer com que na identificação daqueles que necessitassem do benefício da assistência social fossem levadas também em consideração as heterogeneidades pessoais como idade, sexo, grau de incapacidade, gastos com medicamentos, entre outros. Assim, a comprovação da renda familiar inferior à ¼ do salário mínimo constituiria presunção de miserabilidade relativa, sem que isso afastasse a possibilidade de tal circunstância ser demonstrada de outra forma.
Atento às discussões que se formavam, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar acerca da inconstitucionalidade do critério objetivo estabelecido no art. 20, §3º da Lei 8.742/93, o qual teria restringindo a concessão do benefício assistencial.
Embora bastante questionada pela doutrina, já que se tratava de evidente limitação ao direito fundamental assistencial, a norma contida no §3º, art. 20 da Lei 8.742/93 não foi reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Vejamos a ementa da ADIn nº 1.232-1/DF:
Constitucional. Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o critério para receber o benefício do inciso V, art. 203, da CF. Inexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à lei para fixar os critérios de garantia de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado. Ação Julgada improcedente. (BRASIL, 2001).
Em decisão publicada no dia 04.04.2003, o STF voltou a analisar a questão no curso da Reclamação nº 2303, na qual novamente entendeu que o critério de renda per capta familiar inferior a 1/4 do salário mínimo, previsto na Lei 8.742/93, seria o único para aferição das condições de miserabilidade da unidade familiar integrada pelo idoso ou deficiente, não cabendo ao magistrado ampliar esse critério.
Todavia, em 2006, o próprio STF, alterando o seu posicionamento, iniciou a flexibilização do critério previsto no art. 20, §3º da Lei 8.742/93 quando, em sede de Reclamação (nº 4114/PE), em menção ao princípio da dignidade da pessoa humana, manteve o pagamento do benefício assistencial a um cidadão com renda acima do limite estabelecido no mencionado dispositivo. Para tanto, considerou as heterogeneidades pessoais deste, quais sejam, miserabilidade, grave quadro de saúde e alto custo dos medicamentos utilizados.
No mesmo sentido, foram proferidas decisões na Reclamação nº 4374/PE, Relator Ministro Gilmar Mendes, publicada dia 06.02.07, e Reclamação nº 3129/SP, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, publicada dia 03.08.2009. Ambas as decisões demonstravam que o Supremo Tribunal Federal caminhava no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art.203, inciso V, da Constituição.
No mesmo sentido, o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é de que o limitador, previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no art. 203, V, da Constituição Federal e que tal condição pode ser aferida por outros meios de prova. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AFERIÇÃO DO ESTADO DE MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS QUE NÃO A RENDA FAMILIAR "per capita" INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. DIREITO AO BENEFÍCIO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ENUNCIADO 83/STJ. RECURSO INADMISSÍVEL, A ENSEJAR A APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 557, § 2º, DO CPC. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no regime do Art. 543-C CPC, uniformizou o entendimento de que a exclusão do direito ao benefício assistencial, unicamente, pelo não preenchimento do requisito da renda familiar 'per capita' ser superior ao limite legal, não tem efeito quando o beneficiário comprova por outros meios seu estado de miserabilidade. 2. O entendimento adotado pelo e. Tribunal de origem encontra-se em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça. 3. A interposição de agravo manifestamente inadmissível enseja aplicação da multa prevista no artigo 557 § 2º do Código de Processo Civil. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2011).
Também há que se mencionar o fato de alguns doutrinadores assinalarem que com o advento das leis 9.533/97 e 10.689/2003, que instituíram o programa de renda mínima municipal e o programa nacional de alimentação, respectivamente, e que estabelecem o critério de meio salário mínimo para aferição da miserabilidade, haveria clara afronta ao princípio da igualdade, eis que o cidadão, de forma desarrazoada, seria reputado como necessitado para determinados fins assistenciais e não para outros.
Até mesmo porque demais políticas governamentais direcionadas à população pobre e que envolvem a concessão de auxílio em pecúnia ou em bens, como Auxílio Gás (Decreto nº. 4.102/2002) e Programa de Geração de Renda (Portaria nº. 458/2001), começaram a adotar critério semelhante ao previsto na Lei nº. 9.533/97 (renda per capta de até meio salário mínimo).
A esse respeito, Sérgio Fernando Moro (2003, p. 153) assinala que
“o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição deve ser concedido à vista da regulamentação feita na Lei nº 8.742/93, com exceção em relação ao inválido critério restritivo previsto no artigo 20, §3º, desse diploma legal, servindo como critério substitutivo o constante no artigo 5º, I, da Lei 9.533/97, e nos outros aludidos programas governamentais”.
Frisa-se, contudo, que o referido entendimento, no sentido da derrogação do artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93 pelas Leis 9.533/1997 e 10.689/2003, não merece prosperar.
Embora o critério objetivo de aferição da miserabilidade adotado pelas referidas leis seja diverso (meio salário mínimo), o fato é que se destinam a outros tipos de benefícios, sendo ambos com menor alcance. Na Lei 9.533/1997, o valor do benefício é bem inferior ao salário mínimo. Por sua vez, na Lei 10.689/2003, não há sequer a fixação de quantia, deixando-se tal tarefa a cargo do Poder Executivo.
Ademais, a ideia de derrogação do artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93 torna-se ainda mais inaceitável se considerarmos que o parâmetro ali revelado foi reiterado ante a edição da Lei nº 12.435/2011.
Ainda dentro do critério econômico, outro elemento polêmico dizia respeito à possibilidade de interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 para fins do cálculo da renda familiar de que trata o art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93.
Dispõe o parágrafo único do art. 34 da Lei n 10.741/2003 que:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. (BRASIL, 2003).
Discutia-se, no entanto, se era devido ou não, para fins de cálculo da renda familiar mencionada da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o cômputo de benefício previdenciário já concedido a idoso, de benefício assistencial concedido à pessoa com deficiência ou de qualquer outra situação não contemplada expressamente no Estatuto do Idoso.
Da análise literal do parágrafo único, art. 34 da Lei n 10.741/2003, extraia-se, inicialmente, que a lei permite que seja deduzido da renda total da família tão somente benefício assistencial concedido a outro idoso, entendimento este adotado pelo INSS durante os últimos anos.
O Superior Tribunal de Justiça teve possibilidade de se manifestar, em sede da Petição 7.203/PE (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 10/08/2011, DJe 11/10/2011), ocasião em que decidiu que, em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deverá ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário.
Isso porque a finalidade da Lei nº 10.741/2003, ao excluir da renda do núcleo familiar o valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, foi protegê-lo, destinando essa verba exclusivamente à sua subsistência.
Para botar uma pá de cal sobre o assunto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, afirmou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º, do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93), por considerar que o critério nele estabelecido para caracterizar a situação de miserabilidade está defasado (Reclamação 4374).
Posteriormente, no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 567985 e 580963, o STF voltou a declarar inconstitucional o artigo 34, parágrafo único do Estatuto do Idoso.
Dessa feita, a nova orientação firmada pelo STF desconsidera o benefício de valor mínimo de outro componente do grupo familiar, ajustando a renda per capita da parte autora aos parâmetros constitucionais.
Em resumo, após a decisão do STF, podemos definir assim o entendimento atual a respeito da aferição do requisito econômico para a concessão do benefício assistencial: o critério da renda per capta familiar de ¼ do salário mínimo é constitucional, mas não é absoluto. Com isso, poderá o magistrado se valer de outras provas fáticas para analisar e aferir a situação de miserabilidade em que o indivíduo e sua família se encontrem. Porém, o parágrafo 3º, do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93) foi declarado inconstitucional e, obviamente, não pode mais ser utilizado como critério para verificação da renda do grupo familiar.
De qualquer forma, as discussões a respeito da flexibilização judicial do requisito econômico do benefício assistencial são valiosas e importantes, principalmente em vista das recentes decisões do STF, as quais se orientam sempre no sentido de concretização do princípio da dignidade humana e no dever específico de proteção dos hipossuficientes.
Contudo, a flexibilização, por outro lado, mostra-se pouco operacional, especialmente no âmbito administrativo, já que pode favorecer arbitrariedades pelo abandono do critério objetivo para aferição da miserabilidade.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 91.
BRASIL. Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 08 dez. 1993.
BRASIL. Lei nº 9.720, de 30 de novembro de 1998. Dá nova redação a dispositivos da Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 01 dez.98.
BRASIL. Lei nº 10.741, de 01 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 03 out. 03.
BRASIL. Lei nº 12.435, de 06 de julho de 2011. Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Diário Oficial da União, Brasília, 07 jul.11.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZARRI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Editora Conceito Editorial. 9º edição. 2008.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Custeio da seguridade social - Benefícios – Acidente do trabalho – Assistência social – Saúde. Editora Atlas. 31ª Edição. 2011.
MORO, Sérgio Fernando em ROCHA, Daniel Machado. Temas Atuais de direito Previdenciário e Assistência Social. Questões controvertidas sobre o benefício da assistência social. Editora Livraria do advogado. 1ª Edição. 2003.
PROCURADOR FEDERAL lotado na Procuradoria Federal em Minas Gerais, Especialista em Direito Público pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Bruno Di Fini. O Requisito econômico para a concessão do Benefício Assistencial - a flexibilização do critério objetivo na Jurisprudência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41905/o-requisito-economico-para-a-concessao-do-beneficio-assistencial-a-flexibilizacao-do-criterio-objetivo-na-jurisprudencia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.