RESUMO: O presente trabalho trata – de forma sintética, e dentro de uma perspectiva pós-positivista de valorização dos princípios como normas jurídicas que orientam a aplicação das regras – dos vícios incidentes sobre os elementos do ato administrativo, seus efeitos jurídicos, bem como os limites formais e materiais à invalidação.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo, Atos administrativos, Invalidação.
I. Considerações iniciais
É através do ato administrativo que as relações jurídico-administrativas se criam, modificam e extinguem, permitindo que o Estado atinja “os fins a que se propõe e em virtude dos quais existe”(MEDAUAR, 2005, p. 155). O conceito de ato administrativo busca diferenciá-lo dos atos jurídicos em geral, assim como dos demais atos praticados pela Administração. Bandeira de Mello (2006, p. 356-8) alerta para o fato de que atos administrativos não devem ser confundidos com atos da Administração.
II - VÍCIOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
A invalidação do ato administrativo - forma provocada de extinção dos atos administrativos “praticados em desconformidade com as prescrições jurídicas” (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 429) - pode ser operada tanto pela Administração quanto pelo Judiciário. Em regra, tem eficácia retroativa à prática do ato. Para Bandeira de Mello (p. 430), “invalidação é a supressão de um ato administrativo ou da relação jurídica dele nascida, por haverem sido produzidos em desconformidade com a ordem jurídica”.
O autor menciona supressão de ato ou de relação jurídica dele nascida em razão das possibilidades que se abrem para a Administração em face de um ato viciado: atingirá apenas o ato quando este for ineficaz, pois não há efeitos a serem atingidos; atingirá o ato e as relações dele nascidas quando se tratar de ato eficaz e abstrato, já que destinado a produzir diversas relações jurídicas; ou atingirá tão-somente os efeitos do ato quando este for eficaz e concreto, uma vez que, produzida a relação jurídica a que o ato se destina, este se extingue (p. 432).
III - Atos nulos, anuláveis e inexistentes
A grande razão da distinção entre as espécies dos atos viciados, segundo Bandeira de Mello (2006, p. 438), é possuírem eles tratamento jurídico diverso, sendo esse o critério que deve pautar as diferenciações entre as categorias. Não há na doutrina unanimidade com relação à classificação dos atos administrativos viciados em nulos e anuláveis. Alguns autores sequer admitem a existência de atos administrativos anuláveis, alegando que tal classificação, típica do Direito Civil, não se mostra adequada à realidade do Direito Administrativo. Por apego à previsão legal que, no artigo 55, da Lei 9.784/99, reconhece o instituto da convalidação, adota-se a classificação exposta por Bandeira de Mello (p. 451-3), que categoriza os atos administrativos viciados em nulos, anuláveis e inexistentes. Assim, partindo-se da premissa de que a legislação adota (e regra) o instituto da convalidação, quer-se entender que nosso legislador reconheceu a existência dos atos administrativos anuláveis.
A possibilidade de convalidação vai servir como referencial para a classificação de um ato viciado como nulo ou anulável. Inclusive, Amaral (apud BANDEIRA DE MELLO, p. 439) não fala em atos nulos ou anuláveis, mas convalidáveis ou não-convalidáveis. Ante o exposto, e de acordo com o autor (p. 446), será anulável o ato assim declarado pela lei e aquele que pode ser repetido sem que a mácula repita-se, caso de vício de incompetência ou de defeito de formalidade. Por outro lado, são nulos os atos que assim a lei declare e aqueles que não são passíveis de convalidação, caso dos vícios nos elementos objeto, finalidade e motivo, pois mesmo repetido o ato, o vício persistiria. Saliente-se que, diferentemente do que ocorre no Direito Civil, no Direito Administrativo tanto a nulidade quanto a anulabilidade podem ser decretadas de ofício pela Administração, em função do poder de autotutela de que dispõe. “Isto porque não pode o interesse individual do administrado prevalecer sobre o interesse público na preservação da legalidade administrativa” (DI PIETRO, 2005, p. 234-5).
Por fim, os atos inexistentes, entendidos por Bandeira de Mello (2006, p. 437) como aqueles caracterizadores de condutas criminosas, o que é especialmente vedado pelo Direito. Tais atos não prescrevem, nem podem ser objeto de conversão ou convalidação. O mestre ainda esclarece, com relação aos atos inexistentes, que, “uma vez proclamado o vício em que incorreram, em nenhuma hipótese são ressalvados efeitos pretéritos que hajam produzido” (p. 451). Outros autores, como Cretella Júnior, por exemplo, classificam como inexistente o ato que sequer chega a “entrar no mundo jurídico, por falta de um elemento essencial, como ocorre com o ato praticado por um demente ou como o que é praticado por uma particular, quando deveria emanar de um funcionário, o que é praticado por um usurpador de função etc.” (DI PIETRO, 2005, p. 235).
Bandeira de Mello (p. 438-9) aborda, ainda, os chamados atos irregulares que, no seu entendimento, não são espécie de atos inválidos, por possuírem vícios irrelevantes, geralmente associados ao descumprimento de formalidades intra-Administração.
IV - Defeitos dos atos administrativos
Também chamados de vícios, os defeitos são as ilegalidades que afetam os elementos do ato administrativo. Estão listados no artigo. 2º, da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular):
Art. 2º, Lei 4.717/65 São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
No tocante ao vício no elemento sujeito, trata-se de incompetência ou de incapacidade. Será incompetente para a prática do ato aquele sujeito que não possui atribuições definidas em lei ou aquele que, embora as possuindo, ultrapassa-as. A doutrina reconhece como principais três formas de vícios relativos à competência: usurpação de função, excesso de poder e função de fato.
A incapacidade como vício no elemento sujeito do ato administrativo, salientada com precisão por di Pietro (p. 229-31), refere que, além dos vícios previstos na legislação civil, há, na Lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal), previsão de impedimento e suspeição como defeitos de incapacidade, enquadrando-se ambos como “atos anuláveis e, portanto, passíveis de convalidação por autoridade que não esteja na mesma situação de impedimento ou suspeição”.
Com relação ao vício no elemento objeto, nos termos da lei, ele se verifica no elemento objeto do ato administrativo quando o resultado visado pelo ato acaba por violar a Constituição, lei ou outro preceito. Di Pietro (2005, p. 231) ainda acrescenta que o objeto deve ser “lícito, possível (de fato e de direito), moral e determinado”, a fim de que não se caracterize vício relativo a este elemento.
Há também o vício no elemento forma, que ocorre quando descumprida forma legalmente exigida ou quando a forma é essencial para que se atinja dada finalidade. Alguns desses vícios podem ser corrigidos mesmo após a edição do ato. Retorne-se aqui ao já abordado vício de forma que ocorre quando, exigida motivação, esta resta ausente, o que resulta na nulidade do ato. Medauar (2005, p. 176) acrescenta que “equivale à falta de motivação a sua insuficiência ou ininteligibilidade, que tornem nebulosa a compreensão da justificativa do ato; por outro lado, os vícios de motivação podem ser sintomáticos de vícios quanto ao objeto e ao fim do ato administrativo”.
Já o vício no elemento motivo abrange a inexistência atual de norma jurídica embasadora do ato; por exemplo: ato fundamentou-se em norma revogada; b) inexistência do fato que levaria à edição do ato; exemplo: funcionário demitido por abandono de cargo, mas que falecera, sem ter havido comunicação à Administração; transferência de servidor por necessidade de serviço, mas sem que exista, na realidade, tal fato; c) inadequação entre os fatos e o direito, sobretudo quando os fatos não se enquadram na hipótese normativa. Pode-se cogitar ainda da modalidade em que se verifique contradição ou incongruência entre os motivos invocados e a decisão.
O vício no elemento finalidade, chamado desvio de poder ou desvio de finalidade, ocorre quando este desvia-se do interesse público (finalidade em sentido amplo) ou do objetivo previsto na legislação (finalidade em sentido restrito). O que deve ser analisado é a intenção subjetiva do agente (DI PIETRO, 2005, p. 232). No entanto, como há grande dificuldade em se aferir a real intenção do agente administrativo, a fim de que se comprove o desvio de finalidade, a doutrina e a jurisprudência pátrias desenvolveram uma série de indícios a serem analisados na hipótese concreta. São exemplos desses critérios: motivação insuficiente; motivação contraditória; irracionalidade do procedimento, acompanhada da edição do ato; camuflagem ou ocultação dos fatos; inadequação entre os motivos e os efeitos; excesso de motivação; desproporção entre meios e fins; contradição entre fatos invocados a título de motivo e o conteúdo do ato; etc.
Importante a invalidação do ato administrativo por desvio do poder, como forma de evitar que o interesse público, grande fim da Administração Pública, seja preterido em detrimento de interesses particulares. Medauar (2005, p. 177) esclarece que
a teoria do desvio de poder [grifo no original], de origem francesa, representou importante passo no sentido de direcionar o exercício do poder discricionário aos fins de interesse público, explícitos ou implícitos, em razão dos quais esse poder foi conferido ao agente administrativo; os poderes atribuídos aos agentes visam ao atendimento do interesse público pertinente à matéria em que esses agentes atuam; não se destinam tais poderes à satisfação de interesses pessoais, de grupos, de partidos, nem são instrumentos de represália, vingança ou favorecimento próprio ou alheio. Exemplo: usar ao poder de expropriar em represália a declarações formuladas na imprensa por um administrado.
Os defeitos nos elementos dos atos administrativos aqui abordados levam à invalidação dos atos viciados, de forma que a Administração, percebendo uma dessas irregularidades, possui o dever de extinguir o ato corrompido. No entanto, existem certos limites a essa invalidação, que são procedimentos (limites formais) ou situações (limites materiais) que devem ser respeitados pelo agente público invalidador, os quais serão adiante tratados.
X - LIMITES À INVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
A invalidação dos atos administrativos deve ocorrer quando estes possuírem algum vício de legalidade (entendida no sentido de juridicidade, abordado no segundo capítulo deste trabalho). Possível em razão da autotutela administrativa, a invalidação é forma de retirar-se do ordenamento um ato, ou as relações jurídicas dele nascidas, que, por desatenderem ao princípio da legalidade, presumem-se prejudiciais ao interesse público e à segurança jurídica. No entanto, apesar de esta ser a regra, nem sempre a segurança jurídica está atrelada à legalidade do ato. Casos há em que atos ilegais geram uma expectativa legítima no administrado que sua invalidação mostra-se extremamente prejudicial ao interesse público. Cientes disso, tanto legisladores quanto julgadores pátrios estabeleceram limites à invalidação dos atos administrativos, de forma a garantir o atendimento do interesse público e da segurança jurídica, fins do Estado como demonstrado no segundo capítulo deste trabalho.
XI - Limites formais
Visam a evitar que o destinatário do ato administrativo ampliativo seja surpreendido pela sua invalidação. Isso em razão da presunção de legitimidade existir também em favor do administrado e em respeito ao sistema constitucional, considerando-se que o contraditório, além do processo judicial, deve ser aplicado no âmbito do Direito Administrativo, conforme dispõe a nossa Carta Constitucional, nos incisos LIV e LV, do artigo 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[...]
O ato administrativo, então, só poderá ser invalidado após a garantia de exercício do contraditório pelo administrado (após seja ofertada ao administrado a prerrogativa de contraditar o procedimento anulatório), podendo, inclusive, provar a legitimidade do ato supostamente viciado. Deve ser oferecida, também, a ampla defesa.
Essa forma de limite à invalidação dos atos administrativos tem origem jurisprudencial e, segundo Simões (apud BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 433), esse entendimento tem recebido reiterado acolhimento em nossos tribunais, ao que ela indica ser paradigmática a decisão do Recurso Extraordinário 158.543, Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, publicado em 06.10.1995:
Relativamente a este ato [que estava sendo discutido na ação em comento], ocorreu a presunção de legitimidade que é própria dos atos praticados pela Administração, ou seja, deve se presumir a formalização nos moldes preconizados pela ordem jurídica, cobrando-se dos agentes públicos a atuação responsável. A presunção de legitimidade dos atos administrativos milita, não só em favor da pessoa jurídica de direito público, como do cidadão que se mostre, de alguma forma por ele alcançado. Logo, o desfazimento, ainda que sob o ângulo da anulação, deveria ter ocorrido em cumprimento irrestrito ao que se entende como devido processo legal (lato sensu) a que o inciso LV do artigo 5º objetiva preservar. [...] O contraditório e a ampla defesa assegurados constitucionalmente não estão restritos apenas àqueles processos de natureza administrativa que se mostrem próprios ao campo disciplinar.
Ao final da decisão, foi fulminado o ato administrativo invalidador, permitida sua repetição se respeitado o mandamento constitucional, evidenciando o limite formal à invalidação que é o respeito ao contraditório e à ampla defesa dos administrados. A relevância da segurança jurídica (mais facilmente observada nos limites materiais à invalidação dos atos administrativos) nas barreiras formais à extinção dos atos viciados resta consagrada no aludido acórdão, que refere a importância que a presunção de legitimidade dos atos administrativos representa não só para a Administração como também para todos os cidadãos de alguma forma afetados pelo ato.
Alguns dispositivos legais revelam a necessidade de observância do contraditório e ampla defesa no desfazimento dos atos administrativos, como por exemplo: artigo 49, § 3º, da Lei 8.666/93, que diz, ao dispor sobre a revogação e invalidação do procedimento de licitação, que “no caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa”; artigo 43, da Lei de Telecomunicações (Lei 9.472/97), segundo o qual “na invalidação de atos e contratos, será garantida previamente a manifestação dos interessados”; etc.
O desrespeito ao procedimento formal de invalidação do ato administrativo viciado, ou seja, a ausência do oferecimento ao administrado de contraditório e ampla defesa, conduzem à exclusão do ato invalidador do ordenamento, mesmo sendo notória a necessidade de invalidação do ato viciado.
XII - Limites Materiais
Existem situações em que mesmo um ato inválido será preservado pela Administração. A Lei 9.784/99 prevê dois limites materiais à invalidação dos atos administrativos:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
No artigo 54 está tratada a decadência e, no artigo 55, a convalidação dos atos administrativos viciados. Tais limites devem ser respeitados pela Administração, sob pena de o Judiciário invalidar o ato da Administração que excluiu do ordenamento jurídico ato administrativo viciado passível de convalidação ou estabilização. Isso, em razão de vício e nulidade do ato não serem sinônimos. Câmara (2002) diferencia ato viciado de ato nulo e esclarece que
o juízo que estipula o vício de uma norma é um momento logicamente anterior à manifestação normativa da invalidade. Mas a invalidade não é decorrência lógica do juízo constatador do vício. O próprio ordenamento pode determinar que normas portadoras de vícios permaneçam no sistema como válidas. Pode ser, outrossim, que apesar de apresentarem vícios, alguns dos efeitos produzidos por elas antes da retirada sejam mantidos.
Adiante, acentua que “os atos administrativos viciados são atos válidos. Só perdem essa condição após a manifestação de um órgão especialmente autorizado, que pode fazer parte da própria Administração, ou do Judiciário. Antes disso, porém, são válidos e tendem a produzir efeitos” (2002). Couto e Silva (2004), no mesmo sentido, refere que “deixando o ato de ser inválido, e dele havendo resultado benefícios e vantagens para os destinatários, não poderá ser mais anulado, porque, para isso, falta precisamente o pressuposto da invalidade”.
Na próxima subseção abordar-se-ão os limites materiais à invalidação dos atos administrativos, demonstrando-se em que situações o ato viciado deve permanecer no ordenamento jurídico. Diz-se “deve” em razão da opção do legislador que, nesses casos, já realizou a ponderação entre legalidade e segurança jurídica, decidindo como prevalecente esta última.
XIII - OS LIMITES MATERIAIS À INVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS: CONVALIDAÇÃO E DECADÊNCIA
3.3.1 Convalidação
“Convalidação ou saneamento é o ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que este foi praticado [grifos no original]” (DI PIETRO, 2005, p. 235). Prevista no artigo 55, da Lei 9.784/99, a convalidação distingue-se da decadência (instituto que será abordado na próxima subdivisão do trabalho). Sua previsão encerra uma discussão acerca da existência de atos administrativos anuláveis, descartando a teoria monista de invalidade do ato que considerava haver apenas atos administrativos nulos.
Pela convalidação, um ato administrativo com defeito sanável é mantido no ordenamento jurídico, por meio do seu refazimento de modo válido. E isso “em nada ofende a índole do Direito Administrativo. Pelo contrário. Exatamente para bem atender a interesses públicos é conveniente que a ordem normativa reaja de maneiras díspares ante diversas categorias de atos inválidos” (BANDEIRA DE MELLO, 2006, P. 440). Inclusive, nas palavras de Câmara (2002), “a ilegalidade de um ato administrativo não é desfeita somente por meio da invalidação. Convalidando também se preserva a legalidade da atividade administrativa, na medida em que se corrige o vício que maculou o ato”. O autor (2002) ressalta que a convalidação é forma de se preservar tanto a legalidade do ato como os efeitos que tenha produzido, atendendo de forma excepcional ao interesse público. Ávila (2002) explica que “tal como o ato de invalidação, o ato de convalidação tem o efeito jurídico de declarar a invalidade. Todavia, possui um efeito jurídico de natureza constitutiva positiva, pois prescreve a manutenção da imperatividade e da eficácia do ato convalidado”.
Não há prazo para que se opere a convalidação, não estando ela sujeita aos cinco anos previstos no artigo. 54, da Lei 9.784/99, que trata da decadência dos atos administrativos. Os atos passíveis de convalidação devem preencher alguns requisitos, quais sejam: não causar lesão ao interesse público, não causar prejuízo a terceiro e apresentar um defeito sanável. Defeito sanável é aquele defeito de competência (não exclusiva) e defeito de forma não essencial (MAFFINI, 2006-a). No entendimento de Bandeira de Mello (2006, p. 442), “só pode haver convalidação quando o ato possa ser produzido validamente no presente. Importa que o vício não seja de molde a impedir reprodução válida do ato. Só são convalidáveis atos que podem ser legitimamente produzidos” [grifos no original].
Assim, a convalidação é possível quando o vício que atinge o ato administrativo é vício de competência não exclusiva (vício no elemento sujeito) ou vício de forma não essencial. Nunca se poderá convalidar um ato com vício de motivo, pois este diz respeito à situação de fato e não há como alterá-la. Também se houve vício no elemento finalidade não há que se falar em convalidação, já que não pode ser modificada a intenção que fomentou a atitude do agente. Da mesma forma, com relação ao objeto ilegal não há como prosperar a convalidação (DI PIETRO, 2006, 235-8).
Em regra sendo feita pela Administração, é possível também que a convalidação seja realizada pelo administrado nos casos em que sua manifestação era essencial para a prática do ato e, não tendo sido respeitada, é emitida posteriormente, convalidando o ato viciado (DI PIETRO, 2006, p. 235-6). Bandeira de Mello (2006, p. 443) esclarece que “quando a convalidação procede da mesma autoridade que emanou o ato viciado, denomina-se ratificação. Se procede de outra autoridade, trata-se de confirmação. Quando resulta de um ato de particular afetado, parece bem denominá-la simplesmente de saneamento” [grifos no original].
Pela leitura atenta do dispositivo legal que trata da convalidação, poder-se-ia entender que há faculdade da Administração em convalidar ou não o ato viciado. No entanto, a regra é que o ato convalidável seja, sim, convalidado. Inclusive, não se trata de faculdade, mas de dever do administrador convalidar o ato passível deste procedimento. A convalidação será discricionária, apenas, se o ato viciado era também discricionário, ocasião em que caberá ao agente competente fazer o seu juízo de avaliação de conveniência e oportunidade da prática do ato.
Bandeira de Mello (p. 443) entende que a Administração não possui faculdade de invalidar ou convalidar um ato viciado. Assim, sendo um ato viciado, o agente administrativo deve anulá-lo. Por outro lado, o ato viciado passível de convalidação deve ser convalidado pela Administração. Daí que não pode o administrador decidir livremente se convalida ou invalida um ato, salvo uma única hipótese, que se refere ao “vício de competência em ato de conteúdo discricionário. Neste único caso, cabe ao superior hierárquico, a quem competiria expedi-lo, decidir se confirma o ato ou se reputa inconveniente fazê-lo, quando, então, será obrigado a invalidá-lo”[grifo no original] (p. 443).
Motta (2007) esclarece que existem limites também à convalidação dos atos administrativos, ao referir que “a possibilidade de convalidação é afastada quando o interessado, de modo expresso ou por resistência, impugna o ato [...] bem como pelo decurso do tempo, o qual basta, por si só, para gerar a estabilidade do ato”. A não ocorrência de impugnação é, no entender de Câmara (2002), a condição que, somada à possibilidade de repetição do ato sem o vício, faz-se necessária para que opere a convalidação. Ávila (2002) acrescenta a esses dois requisitos a possibilidade de o vício que macula o ato ser sanável.
XIV Decadência
A legalidade é um princípio importantíssimo em nosso Direito, especialmente como garantidor da segurança jurídica. É, portanto, ferramenta de segurança jurídica e, como instrumento, é meio para o atingimento de um fim e não o fim em si mesmo. Em regra, a legalidade atinge sua finalidade precípua de sustentadora da segurança jurídica. No entanto, situações extremas há em que a observância da legalidade acaba sendo contrária à segurança jurídica. Nesses casos, necessário se mostra seu temperamento com outros princípios constitucionais, como é o caso da proteção à confiança, conforme largamente abordado no segundo capítulo.
Essa ponderação de valores é possível primeiro porque a legalidade, como qualquer outro princípio constitucional, não é absoluta e, segundo, porque ela é instrumento e não fim. Portanto, havendo outro princípio que no caso concreto ofereça melhor atendimento à segurança jurídica, haverá este de ser utilizado em detrimento da legalidade estrita. E esse princípio que em casos extremos tem o poder de afastar a legalidade em nome da segurança jurídica é a proteção à confiança.
Ela, nos termos expostos no segundo capítulo deste trabalho, é princípio constitucional implícito que sustenta a manutenção de um ato administrativo inválido quando sua exclusão do ordenamento causar mais prejuízos do que sua permanência. Justifica-se pela confiança depositada pelos particulares na legitimidade dos atos administrativos em geral, demonstrando que a estabilização das relações que se formaram, mesmo sustentadas em atos ilegais, tem extrema importância para o senso coletivo de segurança.
Como forma de temperamento entre legalidade e proteção da confiança, quando estas caminham em sentidos díspares, a legislação federal adotou o instituto da decadência. Por ele, atos ilegais que atendam ao preenchimento de alguns requisitos serão mantidos, em prol da segurança jurídica e do interesse público. Tanto é que a decadência é limite material à invalidação dos atos administrativos que necessita da soma de quatro requisitos (MAFFINI, 2006-b, p. 142-61) para efetivar-se: presunção de legitimidade do ato viciado, natureza ampliativa do ato maculado, boa-fé do destinatário do ato administrativo e decurso do lapso temporal. A importância da existência de requisitos objetivos e predeterminados, segundo o autor (p. 137-8), é a própria segurança jurídica.
V. Considerações finais
Pelo exposto, bem como em razão da vasta construção pretoriana e doutrinária, inegavelmente a anulabidade do ato administrativo mostra-se como uma realidade. Assim, tanto a invalidação como a convalidação do ato jurídico, na seara do Direito Administrativo moderno, aparecem como mecanismos capazes de restaurar a operatividade do ato anulável, através do resgate de sua legalidade.
Notas:
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Procurador Federal. Pós-graduado em Direito Público. Especialista em Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CONSTANTINO, Giuseppe Luigi Pantoja. Ponderações acerca da invalidação dos atos administrativos no direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41911/ponderacoes-acerca-da-invalidacao-dos-atos-administrativos-no-direito-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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