Dentre as diversas inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, o novo textoinaugurou o tratamento constitucional à Advocacia Pública em seu art. 131 e 132, inserindo-a no Capítulo IV, do Título IV, que trata da Organização dos Poderes, classificando-a como "função essencial à Justiça".[1]
A referida previsão constitucional encontra guarida no modelo de Estado Democrático de Direito, também inaugurado pela Constituição Federal. Neste contexto jurídico, o constituinte estabeleceu duas atribuições de suma importância para a Advocacia-Geral da União: representar a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Tais atividades de extrema relevância para a sociedade, sob o enfoque da política pública, serão objeto de estudo e análise neste artigo.
O advogado público tornou-se figura ativa à preservação dos valores essenciais ao Direito ao efetuar o elo de comunicação entre a democracia e a juridicidade. Em outras palavras, cabe ao advogado público viabilizar no plano jurídico as políticas públicas definidas pelos agentes políticos eleitos.
A atuação da advocacia pública no assessoramento e delineamento das políticas públicas é conditio sinequa non para a sua exitosa implementação. Com efeito, para o trunfo da realização da Administração por meio de políticas públicas é indispensável que o advogado público, cujo papel é unir a vontade democrática ao direito, atue na sustentabilidade fática e jurídica das tais políticas preventivamente, na via consultiva, ou contenciosa, após a judicialização do conflito.
Neste diapasão, um plano político pode ser social e economicamente adequado, sob o ponto de vista isolado de cada ciência que compõe a política pública, mas ser infrutífero na prática, se não houver um lastro jurídico que lhe dê embasamento e sustentação para progredir.
Assim, através da consultoria e do assessoramento jurídicodo Poder Executivo, é que a advocacia pública irá orientar o governante, para bem elaborar o plano político, de acordo com a moralidade, isonomia, legalidade e eficiência, entre outros princípios e vetores consagrados pelo Estado Democrático de Direito.Trata-se de atuação de suma relevância, já que ao elaborar as políticas públicas, exige-se do governante parcimônia e razoabilidade na busca da solução mais adequada ao problema proposto.
Portanto, a advocacia pública tem papel de destaque no processo de formulação e execução da política pública, uma vez que irá compatibilizar o programa político, com a Constituição Federal e demais normas vigentes assegurando a indispensáveljuridicidade ao programa de governo.
Com o crescimento do controle judicial das políticas públicas, não são raras as vezes em que o advogado público é chamado a se manifestar sobre a lisura, legalidade e eficiência de uma política pública. A título de exemplo, temos o caso concreto da Usina Hidrelétrica – UHE Santo Antônio, uma obra ligada ao PAC – Programa de Aceleração de Crescimento, em que a AGU no seu âmbito da Procuradoria Geral Federal junto ao IBAMA e ao ICMBIO, e da Procuradoria Geral da União junto ao Ministério das Minas e Energias, teve atuação decisiva na implantação e viabilidade da obra.
A atuação da advocacia pública federal no âmbito administrativo foi extremamente proativa, controlando a observância da legislação protetiva ao meio ambiente na aprovação das licenças ambientais, propondo ações de desapropriação para viabilizar a implementação da UHE, gerando assim, a comunhão necessária entre os interesses próprios de uma obra de grande impacto ambiental e econômico, sem se descuidar dos requisitos legais que certamente seriam e foram questionados judicialmente.
A atuação da Advocacia-Geral da Uniãopropiciouneste caso a execução da obra, ainda que com algumas interrupções judiciais, uma vez que a já comentada atuação prévia dos advogados públicos garantiu o controle legal da implementação da política pública, que embora questionada, não fora afastada pelo poder Judiciário.
A título de demonstração, citamos as Ações Civis Públicas -ACP’sn.º12285-93.2011.4.01.4100 e n.º 11915-17.2011.4.01.4100, ambas ajuizadas perante a Seção Judiciária Federal de Rondônia, cujos pedidos de interrupção da obra, inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, foram afastados diante da devida demonstração da viabilidade jurídica da política de governo.
A atuação da advocacia pública representou uma relevante vitória para a implementação das políticas públicas, sobretudo quando consideramos que os benefícios advindos da Usina Hidrelétrica em questão vão muito além do campo energético.
In casu¸ a obra gerou milhares de empregos (mais de 30 mil) e aqueceu de uma forma nunca dantes vista a economia da cidade de Porto Velho e de todo o Estado de Rondônia. Não se deve olvidar que as medidas compensatórias também se revelaram de suma importância para o crescimento da sociedade rondoniense, com a ocorrência de inúmeras obras para o bem estar da população local.
Outra atuação recente e de grande impacto da AGU ocorreu na implementação e execução do programa de governo “Mais Médicos”. Neste caso, para viabilizar esta política pública na área da saúde, houve atuação de diversas unidades da Procuradoria-Geral da União - PGU, tais como a Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde ea Secretaria-Geral de Contencioso,na ADI 5035, ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, e demais Procuradorias Regionais da União - PRUs, na defesa do programa nas diversas ações ajuizadas por entidades de classe do setor médico.
ASecretaria-Geral de Contencioso (SGCT) elaborou a manifestação do Advogado-Geral da União nos autos da ADI nº 5035, propostapela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina. Na ação direita de inconstitucionalidade em comento, os autores contestam a constitucionalidade da Medida Provisória n° 621/13, que "institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências", sob o fundamento de que a medida impugnada não teria respeitado os requisitos de urgência e relevância, exigidos pelo artigo 62 da Constituição Federal para a sua edição. Sustentam que a medida violaria o direito à vida e à segurança (artigos 5°, caput; 196 e 197, da Carta da República), porquanto vulneram as regras relativas ao regular exercício da profissão médica no Brasil, especialmente as regras que dispõe sobre a revalidação de diplomas e dos requisitos para o exercício profissional. Alegam, outrossim, que há afronta ao artigo 7º da Constituição, o qual confere direitos sociais aos trabalhadores, sob o argumento de que o diploma em questão implicaria a precarização das relações do trabalho.
Na mesma toada, ainda a título de exemplo de atuaçãodas unidades da PGU, pode-se citar a Ação Civil Pública nº 5042192-94.2013.404.7100/RS, ajuizada pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), cuja defesa foi realizada pela PRU4 e na qual decidiu-se que as entidades médicas devem registrar provisoriamente médicos intercambistas que aderirem ao projeto.
Mencionamos, por fim, atuação da PRU5, Procuradoria Regional da União da 5ª Região, que obteve êxito na anulação judicial deduas sindicâncias abertas contra membros do Comitê Gestor do programa "Mais Médicos para o Brasil", na ação n.º 0803250-07.2013.4.05.8300 em tramite na 3ª Vara Federal/PE. A postura dos profissionais ao promover e implementar a iniciativa do Governo Federal foi considerada de acordo com o Código de Ética Médica.
A atuação da AGU na defesa do “Mais Médicos” é de suma importância, vez que o programa social traz amplo impacto de melhoria no atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, prevendo mais investimentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há escassez e ausência de profissionais.
Diante do exposto, portanto,não há dúvidas de que a participação da advocacia pública é de granderelevância tanto no âmbito consultivo, ao compatibilizar a política com os atos normativos, quanto no âmbito judicial, na defesa das políticas públicas em juízo.
Não se deve olvidar que a política pública dissociada dos princípios que regem o Estado Democrático de Direito não pode prosperar, eis que afastadas dos valores que regem a sociedade. Assim, torna-se primordial o fortalecimento da advocacia pública como função essencial à justiça, afim de que programas de governo possam garantir cidadania e dignidade a todos os brasileiros.
REFERÊNCIAS:
AGU. Advocacia-Geral da União. Disponível em:
<http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/250098>.Acesso em 30 out.2014.
AGU. Advocacia-Geral da União. Disponível em:
<http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/280159>.Acesso em 30 out.2014.
AGU. Advocacia-Geral da União. Disponível em:
<http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/256631>.Acessoem 30 out.2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
GAZOLA, Patrícia Marques. O papel da Advocacia Pública na integração entre diversas políticas públicas. In: Figueiredo, Guilherme José Purvin de; Ordacgy, André da Silva. (Org.). Advocacia de estado e defensoria pública – funções públicas essenciais à justiça. Curitiba: Letra da Lei, 2009. p. 413-419.
MATTOS, Liana Portilho. Parecer Circuito Cultural Praça da Liberdade. In: Direito Público: Revista Jurídica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, n. 1/2, Jan./Dez., 2007, pp. 117-132.
MATTOS, Liana Portilho. Patrimônio Cultural e Cultura Patrimonial: reflexões sobre a gestão dos bens tombados no Brasil. In: FERNANDES, Edesio; ALFONSIN, Betania (Coords.). Revisitando o Instituto do Tombamento. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, pp. 419-441.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. O papel da advocacia pública no controle da legalidade da Administração. Palestra apresentada no Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, promovido pelo IBDA, em Salvador, BA, em 17.9.2004, disponível em <www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/19859-19860-1-PB.pdf>; acesso em 19 out.2014.
[1]Art.131, CF/88 - A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo§1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
Art.132 - Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
Procuradora Federal, lotada na Procuradoria Federal de Minas Gerais. <br>Especialista em Direito Processual pela UNIDERP. Pós-graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Nayana Machado Freitas. Advocacia pública: função essencial à justiça na implementação das políticas públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41919/advocacia-publica-funcao-essencial-a-justica-na-implementacao-das-politicas-publicas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
Por: Maria Vitória de Resende Ladeia
Por: Diogo Esteves Pereira
Por: STEBBIN ATHAIDES ROBERTO DA SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.