O presente artigo tem por objetivo tecer algumas considerações acerca do acirrado debate que envolve a questão da concessão do Benefício de Prestação Continuada - BPC ao Estrangeiro, ressaltando a pendência do julgamento do RE 587970/SP no Supremo Tribunal Federal, o qual poderá pacificar o tema no futuro.
No ensinamento de ZAMBITTE (2010) “A prestação assistencial tradicional é conhecida como Benefício de Prestação Continuada, instituído pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, esta conhecida como Lei Orgânica das Assistência Social – LOAS. Regulamenta o art. 203, V, da Constituição, que prevê este benefício[1]”.
Embora o BPC tecnicamente não possa ser considerando como um benefício previdenciário, sua concessão e administração estão a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. Tal benefício prescinde de contribuição, bastando restar comprovada, nos termos da Leinº 8.742/93, a situação de necessidade do beneficiário.
Efetuadas tais breves considerações, e em que pese às inúmeras controvérsias que giram em torno do benefício em questão, passaremos a nos concentrar na discussão sobre a possibilidade, ou não, da concessão do BPC ao estrangeiro.
Ab initio, devemos assinalar que, conforme informações constantes no sítio eletrônico do próprio Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome[2], também pode ser beneficiário do BPC o brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil, idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos na legislação, que não recebe qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo o da assistência médica e no caso de recebimento de pensão especial de natureza indenizatória.
Em outros termos, o Governo Federal permite que o Benefício de Prestação Continuada possa ser concedido também ao brasileiro naturalizado, desde seja domiciliado no Brasil e atenda os demais requisitos legais.
Em sendo assim, cabe anotar que, por óbvio, nosso debate terá como foco as hipóteses de estrangeiros que, embora residentes no país, nãosejam naturalizados.
O cerne da questão diz respeito ao alcance da Assistência Social prevista na Constituição Federal de 1.988. Conforme muito bem apontado por ZAMBITE (2010): “Embora, sobre a saúde, a Constituição seja clara no que diz respeito à universalidade, o mesmo não se pode falar da assistência social. Ademais, se os recursos são escassos, há natural predisposição de atender os nacionais, colocando estrangeiros em segundo plano[3]”
É justamente nesse ponto que se iniciam as discussões sobre o tema, havendo grande impasse, inclusive no âmbito jurisprudencial, como restará demonstrando adiante.
Os que se mostram contrário à concessão do BPC aos estrangeiros se fundamentam nas mais variáveis razões, cabendo colacionar algumas das principais teorias.
Em primeiro lugar, alegam que o desenvolvimento econômico brasileiro é insuficiente para que se permita estender o rol dos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada. Desse modo, a ausência da previsão de universalidade da Assistência Social na Constituição Federal não se deu por descuido do Constituinte, tendo sido na verdade umaopção exercida pelo mesmo em razão da não existência de condições econômicas e financeiras para suportar a inclusão dos estrangeiros no sistema assistencial.
Outro argumento utilizado, baseado no ponto de vista legal, é de que o artigo 203, V, da Constituição Federal é dispositivo não auto-aplicavel. Em sendo assim, o benefício previsto constitucionalmente somente passou a ser devido e regulamentado a partir do advento da Lei nº 8.742/93 - LOAS.
Em sendo assim, não há como se desconsiderar que o artigo 1º da LOAS consagra que assistência social é direito do cidadão, in verbis:
Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Conforme ensinado pela melhor doutrina, a cidadania pressupõe o gozo efetivo dos direitos individuais, coletivos, sociais e políticos, que estão calcados na nacionalidade. Desse modo, o estrangeiro não pode ostentar o status de cidadão brasileiro e, por consequência, não está apto a receber o BPC.
No mesmo sentido dispõe o art. 7º do Decreto nº 6.214/2007, in verbis:
Art. 7oÉ devido o Benefício de Prestação Continuada ao brasileiro, naturalizado ou nato, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento. (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011)- (grifo nosso)
Sob o aspecto político, ainda como argumento contrário ao pagamento de BPC aos estrangeiros, existe uma corrente que entende que no caso da extensão do benefício aos estrangeiros, tal medida incentivaria a imigração de uma série de pessoas de estado de miserabilidade oriundas de países vizinhos ao Brasil, desequilibrando ainda mais as contas públicas e o setor econômico.
Ainda no campo político, ressaltam como condicionante à concessão do benefício assistencial a garantia de reciprocidade de tratamento em favor do cidadão brasileiro pelo Estado da nacionalidade do requerente.
Em que pese tais entendimentos, bem como a expressa previsão legal em contrário, a jurisprudência atual vem se firmando no sentido da possibilidade da concessão de BPC a estrangeiros, independentemente de serem ou não naturalizados, bastando apenas que sejam residentes no país e se enquadrem nos requisitos legais que são impostos a todos os cidadãos brasileiros.
Segundo ZAMBITTE (2010) “se o Brasil acolheu tais estrangeiros, permitindo sua permanência legal no país, é certamente duvidoso que se possa excluí-los da seguridade social brasileira. Especialmente pelo singelo fato destas pessoas, inexoravelmente, participarem do custeio do sistema, haja vista a inclusão das contribuições sociais nos produtos que consomem e nos rendimentos que, porventura, venham a receber”[4].
Do ponto de vista constitucional, os defensores da concessão de BPC aos estrangeiros asseveram que, nos termos do caput do art. 5º da Constituição Federal, é assegurado ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de condições com o nacional, não sendo, portanto, constitucional a diferenciação realizada pelo legislador infraconstitucional.
Nesse sentido:
ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. IGUALDADE DE CONDIÇÕES. ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. 1. Para a concessão do benefício de assistência social (LOAS) faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) ser pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003); 2) não possuir meios de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família, cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 203, V, da CF; art. 20, § 3º, e art. 38 da Lei n.º 8.742 de 07.12.1993). 2. A condição de estrangeiro da parte Autora não a impede de usufruir os benefícios previstos pela Seguridade Social, desde que preenchidos os requisitos para tanto. Isto, pois, de acordo com o caput do art. 5º da Constituição Federal, é assegurado ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de condições com o nacional. 3. Sendo a assistência social um direito fundamental, os estrangeiros, residentes no país, e que preenchem os requisitos, também devem ser amparados com o benefício assistencial, pois qualquer distinção fulminaria a universalidade deste direito. 4. Preenchidos os requisitos legais ensejadores à concessão do benefício. 5. Agravo Legal a que se nega provimento.(TRF-3 - AC: 12072 SP 0012072-19.2013.4.03.9999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, Data de Julgamento: 09/09/2013, SÉTIMA TURMA)
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESIDENTE NO PAÍS. IRRELEVÂNCIA DA NACIONALIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. O benefício assistencial da Lei nº 8.742 , de 1993, é devido não apenas a brasileiros, mas aos residentes no país, sendo irrelevante a nacionalidade. 2. Ainda que ilegal o ato impugnado, como vem de ser demonstrado, o benefício não pode ser concedido no âmbito e na estreita via deste mandado de segurança, pois não comprovados nos autos os requisitos correspondentes, previstos no art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993, por meio de estudo sócio-econômico das condições do núcleo familiar do necessitado. 3. Pedido alternativo formulado pela parte impetrante acolhido. (TRF-4 - Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 01/07/2009, SEXTA TURMA)
Em vista do exposto, não restam dúvidas de que estamos diante de uma seara extremamente controversa, sendo de suma importância se destacar que o Supremo Tribunal Federal, por meio Recurso Extraordinário 587.970/SP, reconheceu a existência de repercussão geral da questão:
ASSISTÊNCIA SOCIAL - GARANTIA DE SALÁRIO MÍNIMO A MENOS AFORTUNADO - ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS - DIREITO RECONHECIDO NA ORIGEM - Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de conceder a estrangeiros residentes no país o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta da Republica. (RE 587970 RG, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 25/06/2009, DJe-186 DIVULG 01-10-2009 PUBLIC 02-10-2009 EMENT VOL-02376-04 PP-00742 )
Entretanto, em que pese à relevância do tema, embora o Recurso Extraordinário tenha sido protocolado em 29 de maio de 2008, até omomento encontra-se pendente de julgamento[5].
Desse modo, a questão permanecerá fomentando complexos debates e gerando inúmeras demandas judiciais, sobretudo quando consideramos que o entendimento do Governo Federal é, conforme exposto no próprio sitio eletrônico do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, firme no sentido da impossibilidade de concessão de BPC aos estrangeiros e que a jurisprudência pátria tem se assentado em sentido contrário ao entendimento esposado pela Administração.
Em tempo, em que pese os relevantes argumentos em contrário, entendemos que não há como, no atual cenário, se deixar de levar em consideração o expresso no art. 1º da Lei 8.742/93 – LOASe no art. 7º do Decreto nº6.214/2007, sendo, portanto, indevida a concessão de BPC aos estrangeiros, especialmente em razão da devida observância ao principio da legalidade e do fato de o constituinte originário não ter atribuído a universalidade da Assistência Social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
BRASIL. Lei n. 8.742 de 07 de dezembro de 1993, Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. DOU 08.12.1998.
BRASIL. Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003, Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. DOU 03.10.2003.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário/ Carlos Alberto Pereira de Castro; João Batista Lazzari – 14.ed. – Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário – 15.ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário, Tomo II, 2ª Ed. São Paulo: Ltr, 2003.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, disponível em www.stj.jus.br, acesso em 04/11/2014.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, disponível em www.stf.jus.br, acesso em 03/11/2014.
TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZACAO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS, disponível em https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/ , acessado em 30/10/2014.
[1]Ibrahim, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário – 15.ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p 17
[2]http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/bpc-beneficio-de-prestacao-continuada/bpc-beneficio-de-prestacao-continuada - Acessado em 07/11/2014
[3] Ibrahim, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário – 15.ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p 25
[4] Ibrahim, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário – 15.ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p 25
[5]http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2621386 - Acesso em 07/11/2014
Procurador Federal, lotado na Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais. Ex-Procurador-Chefe da Procuradoria Federal no Estado de Rondônia. Ex-Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto ao Instituto Federal de Rondônia - IFRO.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Gustavo Rosa da. A pendência do julgamento do RE 587.970/SP no STF e as incertezas sobre o benefício de prestação continuada para estrangeiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41920/a-pendencia-do-julgamento-do-re-587-970-sp-no-stf-e-as-incertezas-sobre-o-beneficio-de-prestacao-continuada-para-estrangeiros. Acesso em: 22 nov 2024.
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