É de opinio communi que a Administração Pública não está autorizada a conceder benefícios de qualquer espécie com base em fontes integrativas, supletivas ou alternativas do Direito, pois tal agir encontraria óbice no princípio da legalidade estrita, albergado no art. 37 da Constituição da República:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte...
Anote-se que esse princípio rege não apenas a aplicação do direito material, mas ainda do direito processual, no âmbito da Administração Pública, vedando que se atenda a pretensões materiais (benefícios e serviços) e processuais (exigências probatórias e procedimentais) não contempladas no ordenamento jurídico objetivo.
Assim, não é dado à Administração Pública, empregar fontes supletivas ou integrativas do direito, como a equidade, a analogia, o direito natural e tantas outras que se queira invocar em Juízo, para ampliar direitos ou dispensar elementos probatórios legalmente exigidos à comprovação do direito almejado.
A Administração Pública deve agir unicamente nas hipóteses, tempo e modo que a lei (objetiva) expressamente admita e autorize. Trata-se de garantia que resguarda não só o interesse público, mas também o individual, não lhe sendo exigível outra forma de atuação, ex vi do princípio constitucional da legalidade.
Assim é que não é possível que o servidor público, ao examinar o requerimento do cidadão na via administrativa, faça juízos de analogia ou equidade, sem autorização legal para tanto, a fim de ampliar as hipóteses de concessão de benefícios, ou dispensar a comprovação do direito na forma prevista em lei.
Anote-se que o emprego de fontes integrativas e supletivas do Direito, como a equidade e a analogia, confere verdadeira natureza constitutiva (e não declaratória) ao ato de concessão do benefício, quer na via administrativa, quer na judicial.
Citando Pontes de Miranda (Tratado das Ações, vol. I/203, § 35), Araken de Assis leciona no seguinte sentido:
Em verdade, a ação constitutiva se origina, no plano material, da eficácia inovadora das situações ali existentes. Como efeito principal, ela produz um estado jurídico novo, ou seja, 'muda em algum ponto, por mínimo que seja, o mundo jurídico' (ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. P. 95).
Essa lógica ganha relevo nas questões que envolvem benefícios previdenciários, porquanto há atualmente um efeito multiplicado e multiplicador de condenações judiciais do INSS para implantação e pagamento de benefícios. Com efeito, a peculiaridade da exigência a maior de legalidade estrita na análise dos requerimentos administrativos previdenciários deve-se não apenas ao princípio da legalidade estrita, albergado no art. 37 da Constituição, mas também à norma de seu art. 195, § 5o:
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
A concessão de benefício da Seguridade Social fundada em analogia, equidade e outras fontes integrativas e supletivas do direito significa, em termos lógico-jurídicos, estender a sua respectiva hipótese de subsunção a situações fático-jurídicas supostamente análogas ou equivalentes, incorrendo, pois, em contrariedade ao supracitado preceito constitucional.
Segue-se, portanto, que mostra-se constitucionalmente inviável socorrer-se da analogia, da equidade e de outras fontes de argumentação jurídica para a concessão ou majoração de benefício da Seguridade Social.
A despeito da discussão acerca da possibilidade jurídica de conceder-se benefício da Seguridade Social com base em tais fontes na via judicial, certo é que na via administrativa isso não é viável, diante das normas dos arts. 37 e 195, § 5º, da Constituição da República.
Neste ponto, dentro do ambiente formal de uma relação processual instaurada no Judiciário, cumpre distinguir duas pretensões materiais cumuladas no pleito: o reconhecimento do direito subjetivo ao benefício (com base nas provas apresentadas) e a condenação da ré ao pagamento das respectivas prestações pretéritas (fundada na ilegalidade do ato administrativo e na suposta natureza declaratória do provimento judicial).
Ora, considerando-se que à Administração Pública não é dado empregar a equidade, a analogia e fontes similares no exercício de seu mister, não se pode reputar ilegal o ato administrativo impugnado, a fim de declará-lo nulo, por vício de legalidade, e aplicar efeitos ex tunc ao julgado, para retroagir a condenação à data do pedido administrativo e nela incluir o pagamento de prestações pretéritas desde então.
Afinal, tais fontes não são equiparáveis à lei e, ainda que se queira em Juízo estender o alcance das normas inerentes ao ordenamento da Seguridade Social, abrandando ou dispensando formalidades probatórias estabelecidas em lei, não se justificaria atribuir eficácia retroativa ao julgamento, sob pena de ferir o sistema normativo-constitucional que rege a atuação da Administração Pública (pautada no princípio da legalidade estrita), encontrando óbice, ainda, no arcabouço jurídico-dogmático que norteia o Direito Administrativo.
A propósito, a Turma Recursal do Estado da Paraíba decidiu recentemente nesse sentido no processo virtual n. 0504532-62.2013.4.05.8201. Em tal processo, assim se consignou:
“Diante desse quadro, fixo como termo inicial do benefício, a data do ajuizamento da ação em tela, não podendo o termo inicial do benefício retroagir à data do requerimento administrativo, uma vez que o INSS não tem a liberdade interpretativa conferida ao juiz para adequação da lei ao caso concreto, tal como estou a fazer na presente demanda.”
Já a Turma Recursal, julgando o recurso deste mesmo processo, assim consignou no julgado:
“A sentença deve ser mantida, pois da análise dos autos, inclusive com o cumprimento de mandado de constatação, verifica-se que o requisito da miserabilidade foi devidamente comprovado. Além disso, deve ser mantida a DIB – Data de Início do Benefício – na data da propositura da presente ação, pois só a partir dessa data foi possível constatar o atendimento dos requisitos legais necessários à concessão do benefício pleiteado.”
Não obstante a imensa condenação judicial do INSS que se vê na atualidade, vez ou outra o Judiciário observa tal peculiaridade, que guarda relação íntima com noções básicas de Direito Administrativo.
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