RESUMO: O presente estudo objetiva tecer comentários atinentes à função social da propriedade, fazendo um paralelo entre o direito de propriedade e os limites impostos pela legislação para o usufruto desse direito, o qual não obstante ser um direito pleno, encontra limitação no seu uso, tendo em vista que deve exercer sua função social, em face do interesse da coletividade. Para tanto, analisaremos a posição da doutrina e jurisprudência pátrias acerca da matéria.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 dedicou inúmeros dispositivos acerca do direito de propriedade.
Entretanto, não obstante garantir o direito de propriedade amplo, preocupou-se com sua função social. Assim é que garante o direito somente àquela propriedade que cumpra a sua função social, conforme disposto no artigo 5º, inciso XXII – é assegurado o direito de propriedade, logo em seguida, no inciso XXIII, estabelece que a propriedade atenderá a sua função social.
DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CARTA DE 1988
Conforme entendimento exposto por Eduardo Rodrigues Evangelista, em artigo intitulado “A função social da propriedade e o conceito de princípio jurídico”, com a Carta de 1988, a função social da propriedade foi instituída em premissa condicionante do direito de propriedade, verbis.
Assim, a função social da propriedade foi alçada à condição de elemento condicionante do exercício da propriedade, conforme insculpido no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, bem como princípio da ordem constitucional econômica, capitulado pelo artigo 170, inciso III, e das políticas urbana (artigo 182, §2º) e agrícola e fundiária (artigo 186). Com esta imposição, a de cumprimento da função social, espera o texto constitucional obter uma melhor e mais justa distribuição das riquezas sem, no entanto, necessariamente socializar a propriedade (http://jus.com.br/artigos/24354/a-funcao-social-da-propriedade-e-o-conceito-de-principio-juridico).
Nessa linha, o art. 60 da constituição federal de 1988, parágrafo 4º, inciso IV, expressa que:
Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...).
IV – os direitos e as garantias individuais.
Ou seja, sendo um direito inserto na Constituição da República, a função social da propriedade não poderá ser mudada.
Também quando trata da ordem econômica e elege seus princípios, destaca a propriedade privada e, sucessivamente, a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente como princípios da ordem econômica (art. 170, inc. II, III e VI):
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
II – a propriedade privada;
III – função social da propriedade;
VI – a defesa do meio ambiente;
Dos dispositivos, acima, constata-se que a função social da propriedade concebida como direito fundamental, a propriedade não é, deste modo, aquele direito que possa exigir-se na suprema condição de ilimitado e inatingível. Daí o acerto do legislador em proclamar, de maneira veemente, que o uso da propriedade será condicionado ao bem estar social.
Assim, também, tem sido o entendimento exarado pela Corte Constitucional. Vejamos o julgado, abaixo.
ADI 2213 MC / DF - DISTRITO FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 04/04/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
[...]
RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA - O CARÁTER RELATIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE - IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA - NECESSIDADE DE NEUTRALIZAR O ESBULHO POSSESSÓRIO PRATICADO CONTRA BENS PÚBLICOS E CONTRA A PROPRIEDADE PRIVADA - A PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. - O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. - O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade - reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico- -social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade. [...] (grifo nosso)
Nessa esteira, o exercício do direito de propriedade deve favorecer o bem-estar da coletividade, manter níveis satisfatórios de produtividade, assegurar a preservação dos recursos naturais, bem como observar as normas que regulam as relações de trabalho.
Significa dizer que a propriedade, sem deixar de ser um direito privado, se socializou, com isso significando que deve oferecer à coletividade uma maior utilidade, dentro da concepção de que o social orienta o individual. Note-se que a função social da propriedade não se limita a propriedade rural, mas também a propriedade urbana.
A função social da propriedade urbana vem qualificada no art. 182, § 2º, da Constituição Federal, ou seja, é cumprida quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressar no plano diretor.
Uma das matérias recorrentes no STF, diz respeito à questão da progressividade do IPTU, quando visar a garantir a função social da propriedade urbana. Vejamos:
RE 590360 AgR / ES - ESPÍRITO SANTO
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 31/05/2011 Órgão Julgador: Segunda Turma
E M E N T A: IPTU – PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – FINALIDADE EXTRAFISCAL – NECESSIDADE DE LEI NACIONAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - A Constituição Federal de 1988, ao delinear o esquema normativo pertinente ao IPTU, contemplou a possibilidade de essa espécie tributária ser progressiva, em ordem a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (CF, art. 156, § 1º, e art. 182, §§ 2º e 4º, II). O discurso normativo consubstanciado nesses preceitos constitucionais evidencia que a progressividade do IPTU, no sistema instaurado pela Constituição da República, assume uma nítida qualificação extrafiscal. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a única progressividade admitida pela Carta Política, em tema de IPTU, é aquela de caráter extrafiscal, vocacionada a garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana, desde que estritamente observados os requisitos fixados pelo art. 156, § 1º, e, também, pelo art. 182, § 4º, II, ambos da Constituição da República. Precedente (Pleno).
Deste modo, na ordem jurídica, a função social da propriedade não constitui em simples limite e o exercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade.
Diversamente, a função social vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adéque à preservação do meio ambiente e da coletividade.
Desta feita, o uso da propriedade pode e deve ser judicialmente controlado, impondo as restrições que forem necessárias, para a salvaguarda dos bens maiores da coletividade, de modo a conjurar, por comandos prontos e eficientes do Poder Judiciário, qualquer ameaça ou lesão à qualidade de vida.
É com base nesses princípios que se tem sustentado, por exemplo, a possibilidade de imposição ao proprietário rural do deve de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo que não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento, pois é certo que tal obrigação possui caráter real, isto é, uma obrigação que se prende ao titular do direito real, seja ele quem for, bastando para tanto sua simples condição de proprietário ou possuidor.
Com efeito, não se pode falar, na espécie, em qualquer direito adquirido na exploração dessas áreas, pois, com a Constituição Federal de 1988, só fica reconhecido o direito de propriedade quando cumprida a função social, como seu pressuposto e elemento integrante, pena de impedimento ao livre exercício ou até de perda desse direito.
Ademais, não existe um conflito entre o direito de propriedade e a proteção jurídica do meio ambiente. Os direitos de propriedade e do meio ambiente, desde que se tenha uma compreensão sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, são compatíveis (MACHADO Direito Ambiental Brasileiro 2009).
Reconhecer que a propriedade tem, também, uma função social é não tratar a propriedade, como um ente isolado na sociedade. Afirmar que a propriedade tem uma função social não é transformá-la em vítima da sociedade. A fruição da propriedade não pode legitimar a emissão de poluentes que vão invadir a propriedade de outros indivíduos. O conteúdo da propriedade não reside num só elemento. Há o elemento individual, que possibilita o gozo e o lucro para o proprietário. Mas outros, elementos aglutinam-se a esse: além dos fatos sociais, há o componente ambiental.
Ao tratar da política agrária e fundiária e da reforma agrária, diz a Constituição Federal:
Art.184. “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”.
“A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critério e grau de exigências estabelecidos em lei aos seguintes requisitos:
II – Utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente” (art. 186).
A função social da propriedade tem como objetivo valorizar o trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Assegurando-se assim a soberania nacional, a propriedade privada, defesa do meio ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental de forma operante e contínua.
CONCLUSÃO
Finalmente, concluímos que a Carta de 1988 veio aprofundar o sentido de proteção aos direitos fundamentais da coletividade, ao inserir em seu bojo não apenas a garantia ao direito de propriedade pleno e ilimitado, mas, antes, prevendo que esse direito deve atender a sua função social. Ademais, pode-se concluir que este não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República.
BIBLIOGRAFIA
GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de janeiro: Forense, 2002.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas,
2002.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. Malheiros Editores. Revista, atualizada e ampliada. Ano 2009.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil: Texto Constitucional Promulgado em 5 de outubro de 1988, Brasília: Senado Federal, ano 2013.
http://jus.com.br/artigos/24354/a-funcao-social-da-propriedade-e-o-conceito-de-principio-juridico
Procuradora Federal/AGU. Especialista em Direito Público - Universidade de Brasília - UNB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Cleide Siqueira. As limitações ao direito de propriedade os na Constituição de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41929/as-limitacoes-ao-direito-de-propriedade-os-na-constituicao-de-1988. Acesso em: 22 nov 2024.
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