RESUMO: A partir da década de 80, viu-se no Brasil uma construção do chamado socioambientalismo, que tem como base a concepção de que políticas públicas ambientais devem incluir e envolver efetivamente comunidades locais. O novo paradigma de desenvolvimento passou a abarcar não apenas o aspecto ambiental, como também o social, valorizando a pluralidade e a participação social na gestão ambiental. Assim, a questão ambiental apresenta-se hoje intimamente ligada à justiça social e, nesse aspecto, a Constituição Federal de 1988 representa um marco histórico, pois trouxe um arcabouço jurídico sólido ao socioambientalismo e proteção à sociodiversidade e à biodiversidade.
Palavras-chave: Socioambientalismo; Multiculturalismo; Constituição Federal de 1988.
1. INTRODUÇÃO:
A crítica ambiental nasceu, no Brasil, nos séculos XVIII e XIX, especialmente entre 1786 e 1888, como reação ao modelo de exploração colonial, tendo as articulações políticas entre os movimentos sociais e ambientais sido os propulsores do surgimento do socioambientalismo no Brasil na segunda metade dos anos 80.
O sociambientalismo nasceu baseado no pressuposto de que as políticas públicas ambientais somente teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição socialmente justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais, devendo o novo paradigma de desenvolvimento abarcar não somente o aspecto ambiental, como também o social, valorizando a pluralidade e a participação social na gestão ambiental.
São importantes marcos históricos do socioambientalismo a Conferência de Estocolmo (1972); a Lei 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e o SISNAMA, que tratou, pela primeira vez, o meio ambiente de forma sistêmica; a ECO 92, dentre outros.
Houve uma mudança significativa na normatização do socioambientalismo no ordenamento jurídico brasileiro ao compararmos as décadas de 80 e 90: as leis produzidas na década de 80 eram conservacionistas, individualistas, de inspiração liberal e primavam pelo controle e repressão de práticas lesivas, enquanto que as da década de 90 tratam essencialmente da gestão dos bens ambientais, com a previsão de mecanismos e instrumentos garantidores, possuindo natureza pluralista, coletiva e indivisível.
Em suma, a Carta Magna rompeu definitivamente com a homogeneidade, o assimilacionismo cultural e a ideologia integracionista e trouxe em seu texto dispositivos ligados à justiça social que solidificaram o socioambientalismo e a proteção à sociodiversidade e à biodiversidade.
2. O SOCIOAMBIENTALISMO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA:
A convocação da Assembleia Constituinte, que ocorreu na transição da ditadura militar para o regime democrático e foi fruto das lutas sociais, pôs em discussão temas emergentes no cenário mundial, culminando na previsão de “novos direitos”, que serviram de base para o desenvolvimento dos direitos socioambientais.
Pela primeira vez no Brasil, houve a destinação de um capítulo inteiro somente para o tratamento do meio ambiente, dando-lhe uma concepção unitária, abrangendo tanto bens naturais quanto culturais.
Com base em um duplo aspecto (equidade intergeracional e direito ao meio ambiente sadio e equilibrado), a Constituição Federal de 1988 previu instrumentos próprios e adequados à proteção do meio ambiente (ação popular – art. 5º, LXXIII e ação civil pública – art. 129, §1º), garantindo eficácia a estes direitos.
Outrossim, com a promulgação da Constituição Federal brasileira, os bens ambientais passaram a ser de interesse público, devendo o acesso a esses bens se dar de forma equitativa e baseado nos princípios de inclusão e justiça social. Ademais, vale destacar que os bens ambientais são gênero, do qual os bens culturais e naturais são espécies, e que o multiculturalismo passou a permear todos os dispositivos constitucionais dedicados à proteção da cultura.
Além disso, destaca-se o papel das políticas públicas neste contexto, que devem ser transversais, no sentido de que devem perpassar o conjunto de políticas públicas capazes de influenciar o campo socioambiental (saúde, política, bens naturais, culturais, etc.).
Além disso, nesse processo de busca de maior legitimidade social nas políticas de preservação do patrimônio cultural, é preciso haver uma aproximação de grupos até então marginalizados, como os índios e quilombolas, por exemplo, fazendo-se presente, assim, a questão das “referências culturais”, relativizando-se os valores atribuídos por cada cultura.
Ressalte-se, ainda, que a síntese socioambiental se revela por meio da concretização de dois valores em um único bem jurídico: a biodiversidade e a sociodiversidade, e sobre tais bens incidem direitos coletivos, que se sobrepõem aos direitos individuais.
3. CONCLUSÃO:
Para um país como o Brasil, a proteção ao patrimônio natural se justifica não somente por razões ambientais “stricto sensu”, mas também por seu forte conteúdo simbólico, uma vez que representa uma identidade cultural nacional e uma “autoestima” coletiva.
Nesse contexto do socioambientalismo, destaca-se a proteção diferenciada dispensada aos indígenas e quilombolas, em relação às demais populações tradicionais, gozando estes de regime jurídico diferenciado, previsto na própria Constituição Federal, evidenciando a adesão constitucional ao multiculturalismo e o rompimento com o modelo assimilacionista e homogeneizador opressivo e segregacionista.
Ante o exposto, conclui-se que o constituinte brasileiro rompeu definitivamente com o modelo assimilacionista, integracionista e homogeneizador de outrora, dando ênfase ao multiculturalismo ao oferecer um regime jurídico diferenciado às diversas populações tradicionais.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
DUPRAT DE BRITTO PEREIRA, Deborah Macedo. O Estado Pluriétnico. Além da Tutela: bases para uma política indigenista III, 2002. Acesso em: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes-artigos-autores-deborah-m-duprat-de-britto-pereira, em 14 de novembro de 2014.
BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em 17 de novembro de 2014.
OIT, Convenção 107. Disponível em: www.planalto.gov. Acesso em 17 de novembro de 2014.
OIT, Convenção 169. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 14 de novembro de 2014.
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos. Proteção jurídica à biodiversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005.
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