SUMÁRIO: DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO. HARMONIZAÇÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO COM O DIREITO DE PROPRIEDADE. RITO DO DECRETO-LEI Nº3365/41. CASOS DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO.
INTRODUÇÃO
Busca-se com esse trabalho apresentar breves relatos acerca da desapropriação de imóveis situados em unidades de conservação. A atuação do ICMBio é de suma importância para, quando possível, já na fase administrativa se conduza a um acerto do proprietário com o Poder Público. Quando necessária intervenção judicial, essa deve ficar restrita a certas hipóteses, sempre objetivando a defesa constitucionalmente prevista tanto do direito de propriedade quanto do direito à proteção das Unidades de Conservação, indispensáveis ao meio ambiente sadio.
DESENVOLVIMENTO
Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua a desapropriação como sendo "o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização."
Encontra fundamento no art. 5º, XXIV da Constituição da República, que exige a existência de lei disciplinadora do procedimento, elege os pressupostos da necessidade ou utilidade pública ou o do interesse social e, em regra da justa e prévia indenização em dinheiro.
A chamada desapropriaçãoordinária está prevista no artigo 5º da Constituição Federal e, a nível infraconstitucional, no artigo 5º, do DecretoLei nº 3.365/1941, e cuida dadesapropriação por necessidade ou utilidade pública.
A Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade das intervenções estatais no sentido de proteger espaços territoriais de importância ambiental (Artigo 225, § 1º, III, CRFB/1988), tratando-se de um dos mecanismos de implementação da garantia social de proteção do meio ambiente ecologicamente equilibradobem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (Artigo 225, caput, CRFB/1988).
A imposição de preservação desses ecossistemas se materializa, em sua vertente mais efetiva, na individualização de espaços territoriais relevantes para a conservação da biodiversidade, através da criação de unidades de conservação de domínio público, cuja implementação depende, obrigatoriamente, da transferência dos imóveis privados inseridos nessas áreas para o patrimônio público.
Unidade de Conservação é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente constituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (Lei nº 9.985/2000, art. 2º, I)
Compete ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, indenizar benfeitorias e desapropriar imóveis rurais localizados em unidades de conservação federais declaradas de utilidade pública pelo Poder Público federal. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.
Nas hipóteses de desapropriação para fins de regularização fundiária das unidades de conservação, o ato de declaração de utilidade pública, em regra, não especifica, propriamente, os imóveis atingidos, mas, sim, uma área, ou seja, o polígono definido pelo ato de criação da unidade de conservação. Na hipótese de a área fixada no ato de criação da unidade coincidir apenas parcialmente com determinado imóvel rural, a área restante não é, em regra, passível de desapropriação, devendo haver a cisão da matrícula do imóvel.
Em determinadas hipóteses, contudo, esta regra é excepcionada. Tais hipóteses foram destacadas na Instrução Normativa ICM nº 02/2009, são elas:
Art. 21. Nos casos em que parte do imóvel esteja fora dos limites da unidade de conservação, a área remanescente poderá ser adquirida quando:
I - sua superfície for inferior à fração mínima de parcelamento;
II - tornar-se comprovadamente inviável à exploração econômica à qual a propriedade era originalmente destinada;
III - houver interesse justificado do ICMBio e concordância do proprietário.
Na ação de desapropriação o controle jurisdicional esta condicionado aos seguintes pontos: a) fixação do valor justo; b) nulidade processual; c) verificação se o expropriante fundou a ação expropriatória numa das hipóteses legais permitidas.
Isto é o que resulta diretamente das disposições do Decreto-lei 3.365/41. No entanto, preconiza o eminente Celso Antonio Bandeira de Mello que: “entendemos, contudo, que na própria ação de desapropriação ou então desde a declaração de utilidade pública, antes de iniciada a ação expropriatória, pode ser contestada a validade da declaração de utilidade pública pelo proprietário do bem”. Confirmando diz: “Com efeito, há que entender que as palavras da lei – e, no caso, as hipóteses legais previstas como autorizadoras da desapropriação – têm um sentido próprio, um conteúdo, à vista de uma finalidade, que é, afinal, a garantia do sistema normativo. Caso contrário, as expressões legais, por não significarem nada, não precisariam existir; a lei seria um documento sem utilidade alguma, completamente dispiciendo. Por isso, cumpre que a declaração de utilidade pública seja efetivamente predisposta à realização de uma das finalidades que ensejam o exercício do poder expropriatório. Segue do exposto que, se o proprietário puder, objetivamente e indisputavelmente, demonstrar que a declaração de utilidade pública não é um instrumento para a realização dos fins a que se preordena, mas um recurso ardiloso para atingir outro resultado, o juiz deverá reconhecer-lhe o vício e, pois sua invalidade”.
A desapropriação de imóvel declarado de utilidade pública pode corresponder, resumidamente, a um procedimento amigável onde há a concordância do expropriado, ou através de ação judicial, quando o administrado não concorda com o valor atribuído ao bem ou se nega a atender as intimações para aceitação do valor ou entrega de documentos.
Não havendo acordo amigável com o proprietário do imóvel, o Instituto Chico Mendes, para desincumbir-se de seu mister de implementar a Unidade de Conservação, deve ingressar em Juízo para expropriação do imóvel, por força do art. 11, § 1º, da Lei n. 9.985/2000 – SNUC, isso quando as tentativas de desapropriação na via administrativa não lograram êxito.
Nesse passo, deve haver autorização da Presidência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, através de decisão proferida nos autos administrativos, para o ajuizamento da ação de desapropriação, bem como suficiência de recursos para promover o depósito do valor ofertado para fins de imissão antecipada na posse, nos termos do art. 15, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/41.
A vistoria do imóvel deve ser realizada com a participação do proprietário, demonstrando o exercício do direito de defesa do desapropriado no processo que desencadeou a autorização para expropriação do bem.
A vistoria deve observar a qualidade dos solos do imóvel, proceder ao levantamento das benfeitorias nele existentes e obterinformações sobre o preço do hectare da terra nua e das benfeitorias, através de pesquisas a agentes imobiliários ligados ao meio rural da região.
Havendo recursos para indenização do imóvel a ser desapropriado, desde já pode ser requerida a determinação de que o ju~izo abra conta especial para que se proceda ao depósito do valor objeto da avaliação, cujo comprovante será juntado aos autos e ficará à disposição do Juízo.
Uma vez depositada a quantia, fica desde logo alegada a urgência de que trata o art. 15 do Decreto-lei n. 3.365/41 para fins de imissão antecipada na posse do imóvel, providência esta, aliás, que decorre da própria essência da criação da Unidade de Conservação, que não pode esperar o trâmite, muitas vezes bastante longo, de uma ação expropriatória, enquanto se protrai no tempo a persecução dos objetivos básicos da unidade de conservação com a ocupação particular na área.
É fato que é obrigação do expropriado, titular da propriedade, a manutenção de documentos e dados atualizados do imóvel, com vistas ao cumprimento da função social da propriedade, bem assim para fornecer as declarações necessárias ao fisco e órgãos governamentais respectivos. Sem a manutenção dessa documentação, não é possível nem que ele promova a venda voluntária de seu imóvel nem o próprio regular registro da transferência de domínio ao Poder Público por meio de ação expropriatória, eis que esta documentação é exigida para o ato de registro pelo art. 176, § 4º, da Lei n. 6.015/73 consolidada. Senão, veja-se:
“Art. 176 - O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
(...)
§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.
§ 4º A identificação de que trata o § 3º tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.”
Assim, considerando que o art. 34 do Decreto-lei n. 3.365/41[1] condiciona o levantamento do depósito pelo proprietário à prova da propriedade do bem expropriado, tem-se que esta providência só poderá ocorrer após apresentada toda a documentação necessária para promoção do registro do bem, nos termos do dispositivo acima transcrito, sob pena de não se preencher os requisitos legais de “prova da propriedade e quitação de dívidas fiscais”. Caso contrário, a desapropriação não colimará seu objetivo específico, que é a transferência final da titularidade do bem e específica (para o caso) destinação do espaço à proteção ambiental buscada.
CONCLUSÃO
Na feliz expressão de Uadi Lammêgo Bulos, a desapropriação é "filha do Estado Democrático de direito", uma vez que "surge em sentido contrário ao confisco, instrumento arbitrário dos déspotas e monarcas, que se apropriavam das terras sem qualquer justificativa nem indenização."
Com isso, a legislação aplicada atualmente ao instituto da desapropriação juntamente com os casos de intervenção do Judiciário nas hipóteses cabíveis, trazem uma harmonização entre os direitos de um meio ambiente sadio com o direito de propriedade, ambos constitucionalmente protegidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- FREITAS, Juarez. O Controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3ª ed. Malheiros: São Paulo, 2004.
- Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 2008, p. 58 e s.s.
- Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 198.
Procuradora Federal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIXTO, Luisa Webber Troian. Desapropriação para fins de regularização fundiária de unidades de conservação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41933/desapropriacao-para-fins-de-regularizacao-fundiaria-de-unidades-de-conservacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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