Tema bastante atual e que está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal para mais um balanceamento de princípios no nosso ordenamento jurídico, é a questão de o Poder Judiciário poder obrigar o Executivo a reformar presídios. Segundo o ex-Presidente do Supremo, Ministro Lewandowski:
“A questão é saber se o Judiciário, a partir de uma provocação do Ministério Público, pode exigir do Poder Executivo que faça reformas em estabelecimento prisional. Até agora, se tem entendido que seria uma espécie de ingerência do Judiciário em uma atribuição própria de outro poder, ou seja, obrigar que ele tenha despesas e execute determinada obra”.
Tema que envolve adeptos do ativismo judicial, a exemplo de decisões do próprio Supremo, onde este já criou precedentes acerca de temas relacionados à esfera de competência do Poder Legislativo, como, v.g., os mandados de injunção (MI´s 670, 708 e 712) que “regulamentaram” o direito de greve dos servidores públicos, além de outros assuntos inerentes ao Poder Executivo, a exemplo das políticas públicas de saúde. Luis Roberto Barroso afirmou que “no Brasil, o fenômeno assume uma proporção maior em razão de a Constituição cuidar de uma impressionante quantidade de temas”. Posteriormente, o doutrinador constitucionalista e Ministro do Supremo concluiu que “incluir uma matéria na Constituição significa, de certa forma, retirá-la da política e trazê-la para o direito, permitindo a judicialização”.
Ao julgar o thema decidendum, o guardião da Constituição deverá enfrentar argumentos ou “topois” (para usar a terminologia de teoria da argumentação), a saber:
Pode-se falar em violação à separação dos poderes, tripartição criada por Aristóteles, em livro titulado de “A Política”, e, consequentemente, desenvolvida por Monstesquieu, em seu livro “O Espírito das Leis”. Prevista em nosso ordenamento jurídico, através da Lei Maior (Art. 2º, CF), a presente teoria aduz que nenhum Poder está autorizado a invadir a esfera de competência do outro. Sobre o ponto, o Advogado-Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, assevera que:
“A crise do sistema prisional brasileiro surge como sintoma de uma disfuncionalidade sistêmica. Por depender de uma reforma institucional (e não apenas de um ajuste na política pública em questão), a ser desenvolvida da forma mais legítima possível, no campo decisório próprio das democracias, não cabe ao Poder Judiciário, no caso concreto, determinar qualquer tipo de intervenção na administração penitenciária estadual”.
Outrossim, pode-se privilegiar o regime democrático existente em nosso país, o que significa que nenhum Poder que não detenha legitimidade democrática poderá tomar decisões políticas. O Judiciário, através do preenchimento de seus cargos públicos através de concurso público, carece de representantes eleitos pela vontade do povo, tendo suas decisões efeitos meramente jurídicos e não políticos. A contrario sensu, as decisões tomadas pelos detentores do poder representativo popular estaria de acordo com os interesses da maioria dos eleitores, o que legitima a forma de democracia participativa.
Não bastasse, pode-se citar-se, ainda, a discricionariedade administrativa como empecilho para o Judiciário invadir a esfera de competência da Administração Pública. Contudo, há decisões judiciais efetuando controle de legalidade nos atos discricionários, considerando-os, por vezes, como verdadeiros atos arbitrários. Criou-se, inclusive, a tese da redução da discricionariedade a zero, onde o Poder Judiciário pode interferir na escolha política, a fim de que esta seja de acordo com o interesse público primário.
Também a vinculação orçamentária também é justificativa para os adeptos da não intervenção do Judiciário nas políticas públicas. Sabe-se que existe uma rigidez orçamentária na consecução das atividades administrativas, estando as políticas públicas vinculadas às disposições contidas nas leis orçamentárias. Porém, o Judiciário vem interferindo também na inclusão de verbas no orçamento, a exemplo da seguinte decisão proferida pelo Superior Tribunal e Justiça, verbis:
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO.
1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador.
2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas.
4. Recurso especial provido.
Como se vê, as teses que buscam impedir que o Judiciário determine a reforma dos presídios são fortes e remontam a tradições conceituais da teoria jurídico-política. Porém, do outro lado existe o superprincípio da dignidade da pessoa humana, devendo haver a garantia do mínimo existencial em prol dos detentos. Eis as palavras da subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho:
“Entretanto, se o estado não prioriza a garantia do mínimo existencial, verifica-se o desvio de finalidade de seus atos, restando justificada a intervenção do controle jurisdicional”.
Portanto, percebe-se, através das considerações acima mencionadas, que o Supremo Tribunal Federal deverá decidir quais princípios e valores detêm mais importância no caso em tela, adotando, através da técnica da ponderação de interesses, uma posição que colida o menos possível com as teses levantadas pelas partes antagônicas do processo.
Fontes de Pesquisa:
- www.stf.jus.br
- www.stj.jus.br
- www.conjur.com.br
- Constituição Federal de 1988
- BARROSO, Luis Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2014
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